PICICA: "Lutadores
e Lutadoras da Saúde, uni-vos! O cavalo da luta pela Saúde está passando selado
à nossa Frente!"
O direito
à saúde retorna ao palco da política
Thiago
Henrique dos Santos Silva | Publicado originalmente no site Brasil de Fato
Havia um
desafio grande para todos aqueles que defendem e lutam pela Reforma Sanitária e
pela plena implementação do SUS: colocar a Saúde no centro da agenda política
do País, num cenário onde as condições de vida e de saúde sejam discutidas nas
praças, nas esquinas, nas escolas, na mídia e nos espaços de representação
política. Este foi o grande desafio dos anos 90 e da última década, quando a
saúde só aparecia no noticiário e na boca do povo nas épocas eleitorais ou por
conta de escândalos relativos a corrupção ou pelas longas filas dos hospitais.
Foram tempos difíceis para todas as bandeiras sociais, afinal o descenso da
luta de massas e o avanço neoliberal não deram espaços para muito mais que
isto.
Em
constante conflito com os rumos das políticas econômicas desenvolvidas nestes
períodos, o projeto da Reforma Sanitária – que visava em última análise a
transformação do modo de produção de vida - foi tendo seu horizonte rebaixado
ao Sistema Único de Saúde, e mesmo este foi sendo cada vez mais rebaixado ao
“SUS possível”. Toda sorte de incursões nos rumos das políticas de saúde foram
feitas pelos mais variados atores políticos, dos Partidos de esquerda ao Banco
Mundial, e o que temos hoje é o produto da correlação de forças na sociedade
brasileira desde 1988.
Sem
romper com os ditames do neoliberalismo, mas dando espaço para uma agenda
desenvolvimentista (mesmo que débil), o atual Governo posiciona o setor Saúde
dentro da agenda global Neodesenvolvimentista. Com pouco conteúdo da agenda da
Reforma Sanitária, era percebido no tom gerencialista e conciliador de
interesses do discurso de posse de Alexandre Padilha os rumo s que seguiriam as
políticas de saúde sob seu comando: “fazer mais com o pouco que temos” era o
lema, e “acesso com qualidade” a meta-síntese.
Ampliação
do acesso através do uso dos fundos públicos na área da saúde, mesmo que sob
administração indireta da s Organizações Sociais e OSCIPS, mesmo que retirando
direitos dos trabalhadores através da EBSERH e das Fundações Estatais;
ampliação do acesso mesmo que mantendo e aumentando isenções fiscais para os
planos e operadoras de saúde (e até financiamento do BNDES); ampliação do
acesso mesmo que dentro de uma lógica medicalizada e médico - centrada,
fortalecendo no imaginário popular a lógica curativista através da ampla
construção de UPAs; ampliação do acesso mesmo mantendo o subfinanciamento crônico;
busca de qualidade através do PMAQ e da “caça às bruxas” dos pequenos planos
privados de saúde que não conseguiam (ou não queriam) prestar um bom
atendimento ao consumidor, mesmo que esta “caça” fortaleça o monopólio dos
grandes planos e operadoras. Não, nesta agenda não existe dicotomia entre
ampliação do acesso e da qualidade e o desenvolvimento do capitalismo, outrora
o principal culpado pela falta de saúde da população.
Eram tempos
difíceis para aqueles que lutam por uma saúde integral e tinham os pressupostos
da Reforma Sanitária como horizonte. Porém as contradições deste governo de
composição uma hora iriam aflorar. Como em todos os outros setores da
sociedade, a agenda Neodesenvolvimentista gera contradições melhores para a
classe trabalhadora do que o neoliberalismo puro. A crescente retomada da
capacidade de luta da classe trabalhadora e da capacidade de indignação dos
setores médios, como mostram as jornadas de Junho, mexeram na conjuntura e
aceleraram o aparecimento destas contradições. No Setor saúde o ápice das
contradições é sintetizada no Programa Mais Médicos.
O
programa mais progressista e com mais impacto gestado nos últimos anos pelo
Ministério da Saúde (que correu o risco de ser engavetado devido à pressão das
entidades médicas), apesar de não romper com a agenda hegemônica
Neodesenvolvimentista, aflora contradições por demais caras para nós, lutadores
da saúde. E mais importante até do que as contradições – nas quais nós,
lutadores da saúde, teremos que incidir – ele mexe com a nossa questão
setentrional : tira a bandeira do Direito à Saúde da vala comum do esquecimento
(donde era facilmente manejável pelo conservadorismo) e a recoloca no centro da
agenda política nacional, colando-a subjetivamente numa agenda progressista: vinda
dos médicos e médicas Cubanos/as, ampliação dos investimentos na Atenção
Básica, residência médica universal , tentativa de regulação do mercado de
especialidades médicas e o resgate de que é papel do Estado prover Saúde de
qualidade para seus cidadãos.
As
pesquisas mostra mais de 70% de aprovação de toda a população frente ao
programa, todos os meios de comunicação vem veiculando matérias que discutem a
saúde e o SUS como promessa inacabada, as pessoas comentam que é importante o
governo prover médicos onde não tem, enfim , o direito à Saúde voltou a ser
debatido por toda a sociedade, e não apenas por aqueles ligados ao Setor.
Gostemos dele ou não, o programa fez aflorar contradições para o conjunto da
sociedade brasileira até então debatidas apenas por poucos setores sociais, ou
seja, mesmo mexendo com a epiderme dos problemas, está nos abrindo
possibilidades antes não colocadas. Não é à toa que a área econômica do Governo
esteja abrindo espaço para o debate do financiamento, afinal, como ampliar acesso
de mais milhões de pessoas à saúde sem abrir o bolso?
Em um
cenário como este a palavra de ordem não pode ser outra: unidade! A primeira
contradição que temos o dever de incidir é sobre o financiamento. Somar forças
ao movimento Saúde +10 e pressionar o Governo e o Parlamento para ampliar os
fundos públicos para a Saúde pública (e não para o setor privado) é premente.
Porém se faz fundamentalmente necessário construirmos força social em torno do
Projeto original da Reforma Sanitária: precisamos que os Conselhos de Saúde,
Movimentos Sociais do campo e da cidade, Sindicatos, trabalhadores e
trabalhadoras da saúde, sanitaristas, fóruns e Frentes de luta pela Saúde e o
Movimento Sanitário se unam numa única agenda. E esta agenda deve contemplar a
formação de novos lutadores do campo da saúde e disputar ideias na sociedade,
construir força para incidir na conjuntura de maneira qualificada (a partir das
lutas concretas) e manter um mínimo de organização de uma frente ampla com
agenda unitária, a partir de uma meta-síntese constantemente presente nos
editoriais recentes dos que debatem a saúde “Queremos Mais Saúde”.
Lutadores
e Lutadoras da Saúde, uni-vos! O cavalo da luta pela Saúde está passando selado
à nossa Frente!
* Thiago
Henrique dos Santos Silva é professor de Medicina UFPE – Campus Caruaru.
Ex-diretor do Sindicato dos Médicos de Pernambuco, entregou o cargo em julho
após as primeiras assembleias da categoria médica que definiram a luta contra o
Mais Médicos.
Fonte: Cebes
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