outubro 29, 2013

"A utopia andina de José Carlos Mariátegui", por Cristina Portella

PICICA: "Nos Sete Ensaios, Mariátegui defende que o germe da revolução, além de existir no proletariado, também estaria latente no campesinato indígena. As características de trabalho e propriedade coletivas do ayllu, forma de organização ancestral dos povos quechuas e aymaras, “seriam a base de novas relações materiais e o embrião a partir do qual se estruturaria o futuro Estado Socialista”, interpretou Vivian.

Quanto à incipiente burguesia peruana, que a III Internacional sob o comando de Stálin propunha convocar como aliada principal do proletariado na etapa “democrática” da revolução, Mariátegui a considerava mais ligada aos interesses dos latifundiários e do capital internacional. Sendo assim, seria incapaz de participar de uma luta nacionalista e anti-imperialista.

“É justamente nessa questão que Mariátegui dá sua contribuição inédita”, analisa a investigadora, “ao identificar nas comunidades indígenas um potencial revolucionário a ser associado ao dos operários e da pequena burguesia, e vislumbra assim um novo sujeito político a ser fortalecido no Peru, e no resto dos países da América indígena, a partir do qual avançar no projeto de socialismo indo-americano.”"

 

A utopia andina de José Carlos Mariátegui

A recuperação da obra de Mariátegui se acentuou a partir da década de 1990, quando movimentos étnicos na América Latina são consolidados


Cristina Portella
  Arquivo
Lisboa - Marx também vestiu “poncho” no seu congresso de Lisboa. No trabalho apresentado pela professora da USP, Vivian Urquidi, conhecemos o pensamento do peruano José Carlos Mariátegui, um dos principais autores marxistas latino-americanos. “Em décadas recentes, vem sendo reavido para compreender não apenas a crescente etnização da política na região, como a formação de um pensamento descolonizado a partir de projetos de retórica socialista”, explica Vivian.

A recuperação da obra de Mariátegui teria se acentuado a partir da década de 1990, quando movimentos étnicos na América Latina são consolidados, ao mesmo tempo que políticas de inclusão das minorias étnicas são incorporadas com maior ou menos intensidade pelos Estados latino-americanos. “Uma esquerda renovada, em especial em países de forte presença indígena, teria passado a pensar os povos indígenas não apenas como sujeitos de direito e cultura, mas principalmente como portadores de alternativas para uma nova hegemonia”.

“José Carlos Mariátegui ganha importância nesse cenário, pelas possíveis contribuições que teria feito para um pensamento descolonizado”, acrescenta Vivian. Ainda no início do século XX, o autor peruano fora capaz de defender que as questões nacionais na América Indígena não poderiam ser resolvidas sem um projeto que levasse em consideração os povos indígenas. “E mais: que as formas de organização social, política e econômica destes povos poderiam ser a base para um projeto socialista a partir de uma utopia andina.”

A vida de um revolucionário

Mariátegui foi o fundador do Partido Comunista Peruano e participou ativamente dos debates da III Internacional. “A obra de Mariátegui inclui uma vasta produção de artigos de opinião política, crônicas do cotidiano, análises do cenário socioeconômico nacional e internacional, e de crítica literária”, relembra Vivian.

Sete Ensaios Interpretação da Realidade Peruana, publicado em 1928, pouco antes da sua morte, aos 35 anos, foi o seu grande sucesso literário, tornando-se o livro peruano traduzido no maior número de línguas. A contribuição desta obra residiria numa nova leitura da realidade peruana, ao tentar articular a análise económica e cultural do país ao problema agrário e da terra no Peru, incluindo neste a “questão do índio”.

“Como estudioso profundo do marxismo, mas sem uma leitura ortodoxa – o que não o poupou de críticas intensas nos foros em que as diretrizes da Terceira Internacional eram reproduzidas – Mariátegui buscou pensar um programa revolucionário para um país de forte presença camponesa-indígena, onde as forças produtivas, sob o controle predominante de uma oligarquia fundiária, não estavam desenvolvidas o suficiente para a formação de uma burguesia dinâmica ou de um sólido proletariado revolucionário.”

Revolução camponesa

Nos Sete Ensaios, Mariátegui defende que o germe da revolução, além de existir no proletariado, também estaria latente no campesinato indígena. As características de trabalho e propriedade coletivas do ayllu, forma de organização ancestral dos povos quechuas e aymaras, “seriam a base de novas relações materiais e o embrião a partir do qual se estruturaria o futuro Estado Socialista”, interpretou Vivian.

Quanto à incipiente burguesia peruana, que a III Internacional sob o comando de Stálin propunha convocar como aliada principal do proletariado na etapa “democrática” da revolução, Mariátegui a considerava mais ligada aos interesses dos latifundiários e do capital internacional. Sendo assim, seria incapaz de participar de uma luta nacionalista e anti-imperialista.

“É justamente nessa questão que Mariátegui dá sua contribuição inédita”, analisa a investigadora, “ao identificar nas comunidades indígenas um potencial revolucionário a ser associado ao dos operários e da pequena burguesia, e vislumbra assim um novo sujeito político a ser fortalecido no Peru, e no resto dos países da América indígena, a partir do qual avançar no projeto de socialismo indo-americano.”

Créditos da foto: Arquivo

Fonte: Carta Maior

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