outubro 09, 2013

"Black Bloc: desacato às autoridades de esquerda", por Caio Sarak

PICICA: "No capitalismo moderno as relações e descobertas políticas não têm o menor tempo para calcularem seus ganhos e perdas, rapidamente vem o capitalismo a cooptá-los. Até agora, me parece, não conseguiram com a tática black bloc. E não conseguiram porque se trata exatamente de uma tática, volátil e em certa medida inerte, que se comporta como meio para acirrar as disputas, denunciar uma conciliação falsa entre opressores e oprimidos sem ter como alvo a extinção da opressão. O capitalismo quer aglutinar tudo em sua lógica e incorporar em sua reprodução, mas parece que a violência estratégica dos black blocs não serve ainda a este propósito. Acredito que o receio dos ideólogos resistentes seja mais por notar em contraste a deterioração de suas saídas políticas que por uma crítica honesta."

Análise & Opinião| 08/10/2013 | Copyleft  
 



Black Bloc: desacato às autoridades de esquerda

A tática de responder com violência quem nos trata com violência, para nossos olhares evangelizados pela mensagem de dar a outra face e também de que violência só gera mais violência, tem um gosto amargo para razão e esclarecimento.

 
Textos e mais textos foram e são escritos sobre os "grupos" black bloc. No entanto, está aí o erro que, se notado, já dá conta de muitos problemas: black bloc é estratégia, não é grupo. Penso eu que qualquer um pode ser identificado como um black bloc se adotar a sua atuação característica. A atitude política é clara, mas um recorte é realmente difícil de ser feito quando vamos diferenciar "estratégia" de "grupo". Uma estratégia como a black bloc (não a fotografada por revistas, mas a que está nas ruas efetivamente) pode dar as caras como um grupo mais ou menos homogêneo e desacatar as autoridades à esquerda ou à direita.

Não quero cair em psicologismos baratos nem muito menos ser causalista ortodoxo, mas esta tática é adotada frente à relação com o Estado e seu braço armado: a polícia. Fazer algumas considerações sobre os hábitos do outro lado, o do Estado, é extremamente necessário para o debate.

O Estado também adota estratégia.

A instituição militar está em todas as instâncias de investigação e solução criminal, por exemplo. Já estive no Instituto Medico Legal (IML) e posso lhes dizer que a instituição poderia muito bem adicionar um outro "M" em seu nome, de Militar. Para o grupo dos especialistas do IC (Instituto de Criminalística) e do IML essa junção é meramente formal, "o nosso trabalho é técnico e científico". No entanto, os autos lidos na Defensoria Pública do Estado de São Paulo denunciam uma organicidade entre as instituições que são responsáveis pelos crimes civis e principalmente por seus pares, os policiais.

Para dar exemplos, 4 casos que li sobre mortes em autos de resistência por policiais não eram nenhum pouco consistentes: uma vítima começava as páginas do auto como mulher e terminava como homem, noutro uma página dizia que não tinha tatuagens e nas fotos o corpo da vítima tinha mais de três tatuagens.

O Estado é conivente, ou melhor, o Estado se define e se confunde com essa violência por isso e não abre mão da sua estratégia de violência institucional. O organismo deixa à mostra sua herança antidemocrática e suas táticas de guerra.

Bom, o que é que isto tem a ver com a estratégia black bloc? Tudo. A eleição de uma estratégia também é influenciada de maneira forte pela história do seu eleitor. O ressentimento e o revide. A tática de responder com violência quem nos trata com violência, para nossos olhares evangelizados pela mensagem de dar a outra face e também de que violência só gera mais violência, tem um gosto amargo para razão e esclarecimento. Mas o esclarecimento ideal não ajuda nenhum pouco na avaliação histórica.

O que então nos faz seguir em frente e mudar as perguntas: não mais se sim ou não, mas como essa violência se dá. Símbolos do capitalismo e do poder público são alvos certos e constantes. A performance violenta a tais símbolos como expressão e comunicação políticas.

No capitalismo moderno as relações e descobertas políticas não têm o menor tempo para calcularem seus ganhos e perdas, rapidamente vem o capitalismo a cooptá-los. Até agora, me parece, não conseguiram com a tática black bloc. E não conseguiram porque se trata exatamente de uma tática, volátil e em certa medida inerte, que se comporta como meio para acirrar as disputas, denunciar uma conciliação falsa entre opressores e oprimidos sem ter como alvo a extinção da opressão. O capitalismo quer aglutinar tudo em sua lógica e incorporar em sua reprodução, mas parece que a violência estratégica dos black blocs não serve ainda a este propósito. Acredito que o receio dos ideólogos resistentes seja mais por notar em contraste a deterioração de suas saídas políticas que por uma crítica honesta.


Caio Sarack é estudante de filosofia na USP.

Fonte: Carta Maior

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