PICICA: "Quase todos os parlamentares da bancada ruralista tiveram suas campanhas financiadas por empresas de capital estrangeiro como Monsanto, Cargill e Syngente, além da indústria de armas e frigorífico, conforme dados da Transparência Brasil. Afinal, é disso que eles vivem, dessa promiscuidade com o capital estrangeiro, sem o qual não poderiam exportar e comprar produtos.
Querem agora liberar as terras indígenas para grandes empresas
brasileiras e estrangeiras plantarem monoculturas com agrotóxicos,
construir barragens no rios e extrair minérios para a exportação.
No entanto, os ruralistas não podem confessar aos eleitores que
seu objetivo é o lucro, apenas o lucro, nada mais que o lucro. Inventam,
então, que estão defendendo "os interesses nacionais" e classificam
como "anti-Brasil" os que não concordam com eles. Essa é uma velha
tática, usada no século XIX, quando o agronegócio da época acusava os
que defendiam a abolição dos escravos de representarem interesses
estrangeiros. Trata-se de ganhar para uma causa indefensável os
brasileiros crédulos que amam sua Pátria. Aí exploram o nacionalismo e
apostam na desinformação."
José Ribamar Bessa Freire
06/10/2013 - Diário do Amazonas
No momento em que a Constituição Federal comemora 25 anos de existência, se ouve o mugido das vacas, o relincho dos cavalos e o trote das mulas que invadem o plenário do Congresso Nacional e se misturam ao zumbido estridente da moto serra. É possível sentir o bufo agressivo que sai em jatos de ar
pelas narinas de parlamentares. Essa é a voz da bancada ruralista
formada por 214 deputados e 14 senadores, que querem anular os direitos
constitucionais dos índios. Seus "argumentos" são relinchos, bater de
cascos, coices no ar e, por isso, não conseguem convencer os
brasileiros.
Nas
principais cidades do país ocorreram manifestações contra esta ofensiva
do agronegócio. Nesta semana, a Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil (APIB) organizou Mobilização Nacional em defesa dos direitos
indígenas. A parte sadia do país disse um rotundo "não" ao pacote de
dezenas de Projetos de Emenda Constitucional (PEC) ou Projetos de Lei
Complementar (PLP) que tramitam no Congresso apresentados pela bancada
ruralista e pela bancada da mineração.
Esses parlamentares querem exterminar as culturas
indígenas não por serem gratuitamente malvados, perversos e cruéis, mas
porque pretendem abocanhar as terras tradicionalmente ocupadas pelos
índios. Para ampliar a oferta de terras ao agronegócio, lançam ofensiva
destinada a mudar até cláusulas pétreas da Constituição. Exibem
despudoradamente seus planos em discursos e através da mídia como os
artigos na Folha de São Paulo da senadora Kátia Abreu (PSD-TO vixe, vixe), a muuuusa da bancada ruralista e do deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS vixe vixe).
Causa inconfessável
Quase todos os parlamentares da bancada ruralista tiveram suas campanhas financiadas por empresas de capital estrangeiro como Monsanto, Cargill e Syngente, além da indústria de armas e frigorífico, conforme dados da Transparência Brasil. Afinal, é disso que eles vivem, dessa promiscuidade com o capital estrangeiro, sem o qual não poderiam exportar e comprar produtos.
Querem agora liberar as terras indígenas para grandes empresas
brasileiras e estrangeiras plantarem monoculturas com agrotóxicos,
construir barragens no rios e extrair minérios para a exportação.
No entanto, os ruralistas não podem confessar aos eleitores que
seu objetivo é o lucro, apenas o lucro, nada mais que o lucro. Inventam,
então, que estão defendendo "os interesses nacionais" e classificam
como "anti-Brasil" os que não concordam com eles. Essa é uma velha
tática, usada no século XIX, quando o agronegócio da época acusava os
que defendiam a abolição dos escravos de representarem interesses
estrangeiros. Trata-se de ganhar para uma causa indefensável os
brasileiros crédulos que amam sua Pátria. Aí exploram o nacionalismo e
apostam na desinformação.
No artigo com título sugestivo - "Causa Inconfessável" -
a senadora Kátia Abreu tenta desqualificar os índios e seus aliados com
uma argumentação esdrúxula. Sem citar fontes, sem dizer de onde tirou a
informação, ela jura que "são mais de 100 mil ONGs, a maioria
estrangeira, associadas a dois organismos ligados à Igreja Católica: o
CIMI ((Conselho Indigenista Missionário) e a CPT (Comissão Pastoral da
Terra)".
E por que cargas d'água milhares de ONGs estrangeiras
defenderiam as terras indígenas? Na maior cara de pau, ofendendo a
inteligência do leitor, a senadora Kátia Abreu, ousa dizer que elas
querem destruir a agricultura brasileira. Comete um erro vergonhoso para
uma parlamentar ao confundir nação com estado. Exibe sua ignorância
deixando no chinelo o Tiririca:
"Os financiadores são países que competem com a
agricultura brasileira e que cobiçam nossas riquezas minerais e
vegetais. São os mesmos que, reiteradamente, defendem que essa parte do
território nacional deve ser cedida, e os brasileiros índios,
transformados em nações independentes da ONU".
Tudo nebuloso, deseducativo, desinformativo. A
senadora não dá nomes nem aos bois nem às vacas, não diz quais são esses
países, não diz quem quer decepar os territórios indígenas do Brasil e
omite que as terras indígenas pertencem, constitucionalmente, à União e
não aos índios. A "causa" dos ruralistas é, realmente, "inconfessável":
cada vez que uma medida prejudica seus lucros, dizem que "é ruim para o
Brasil", quando favorece "é bom para o Brasil". O Brasil é a conta
bancária deles. Sem confessar a origem dos recursos que financiam os
ruralistas, a senadora faz dos índios um tábua de tiro ao alvo:
"É
do mais alto interesse nacional - sobretudo do interesse dos próprios
índios - saber quando, de onde vêm e como são gastos os millhões de
dólares que sustentam a ação deletéria dessas organizações, que fazem
dos índios escudos humanos de uma causa inconfessável".
Cavaleira da desesperança
"É hora de defender o Brasil" berra o deputado Luis Carlos Heinze no título de seu
artigo (3/10), que reproduz o mesmo papo furado, a mesma lenga-lenga,
excluindo os índios da comunhão nacional. Ataca a FUNAI - Fundação
Nacional do Índio - por identificar "pretensas terras indígenas" contra
os ruralistas que ele diz serem "os legítimos detentores de terras". E
faz eternas juras de que está defendendo a pátria ameaçada por índios e
por ONGs.
Nunca foi tão apropriada a conhecida frase do escritor
inglês do século XVIII, Samuel Johnson, aclimatada por Millor
Fernandes, no século XX, ao nosso contexto: "O patriotismo é o último refúgio dos canalhas" - escreveu Johnson. "No Brasil, é o primeiro", acrescentou Millor.
A senadora, que se diz católica, bate na mesma tecla. Escreve que os defensores dos direitos indígenas "exercem notória militância política, de cunho ideológico, sob a inspiração da Teologia da Libertação, de fundo marxista".
Está zangada com a Igreja, que ela quer defendendo os interesses dos
ruralistas e não dos despossuídos, dos injustiçados, dos espoliados.
Esculhamba ainda com a FUNAI "aparelhada por antropólogos que compartilham a mesma ideologia".
Mas não se limita aí a cavaleira da desesperança. De arma em riste, ataca outros "inimigos". Ela está convencida de que "além
das ONGs e das instituições como o CIMI e a CPT, há dois órgãos
voltados para a defesa dos índios: a já citada Funai e a FUNASA,
incumbida da saúde e da ação sanitária nas tribos". Kátia é do tempo em que ainda se dizia que índios vivem em tribos.
"Seriam as terras destinadas à agricultura a causa do sofrimento dos índios?" - pergunta em seu artigo. E ela mesma responde: "Quem quiser que tire suas conclusões: os índios brasileiros dispõem de extensão de terra de dar inveja a muitos países". Se um país que é um país sente inveja, imaginem os ruralistas. Por isso, a voz dela, que é a mais estridente no Senado clama:
- Os índios não precisam de terra e sim de assistência social.
Ela chama de "invasão" a resistência dos índios em não
permitir que seus territórios sejam apropriados pelo agronegócio e
anuncia: "Para reagir ao avanço dessas invasões, apresentei ao Senado
projeto de lei que suspende processos demarcatórios de terras indígenas
sobre propriedades invadidas pelos dois anos seguintes à sua
desocupação".
Foi contra essas medidas do agronegócio e contra esses
argumentos preconceituosos e retrógrados que manifestantes se
insurgiram em manifestações pacíficas realizadas em Brasília, no Rio, em
Belo Horizonte e nas principais cidades brasileiras. Em São Paulo, a
manifestação foi aberta pelos txondaro guarani e contou com a adesão de muitos antropólogos, estudantes, professores.
As imagens da manifestação em São Paulo foram
registradas e editadas por Marcos Wesley de Oliveira para o Instituto
Socioambiental. Em plena Avenida Paulista, ele entrevistou lideranças
indígenas - Megaron Txucarramãe (kayapó), Renato Silva (guarani), Natan
Gacán (xokleng), antropólogos - Manuela Carneiro da Cunha e Márcio Silva
(USP), Maria Elisa Ladeira (CTI), Lúcia Helena Rangel (PUC/SP), Beto
Ricardo (ISA) e os líderes quilombolas do Vale da Ribeira - Nilce
Pereira e Ditão.
- Vocês não estão sozinhos - disse a mestranda em
Antropologia, Ana Maria Antunes Machado, se dirigindo aos Yanomami,
enquanto apontava os manifestantes da Avenida Paulista. Ela falou com
bastante fluência em língua Yanomami, pois viveu com eles, com quem
trabalhou mais de cinco anos como assessora pedagógica, antes de atuar
no Observatório de Educação Indígena coordenado pela pesquisadora Ana
Gomes (UFMG). O fato tem forte carga simbólica, por se tratar de alguém
tão brasileira quanto a Katia Abreu, mas que, para ouvir os índios e com
eles dialogar, aprendeu a língua Yanomami e foi capaz de
reverenciá-los.
Fonte: TAQUIPRATI
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