outubro 16, 2013

"Mais médicos, o corporativismo da classe e a corrupção", por Luiz Alberto Gómez de Souza

PICICA: "Uma moça que conheço, teve fortes dores estomacais e procurou ajuda. Entrou numa fila na madrugada para tirar ficha de marcação de consulta, esperando muitas horas. Voltou no dia marcado às 5 da manhã e o médico só chegou ao meio dia e saiu às três. A consulta resumiu-se a pedir uma endoscopia com biópsia, sem medicação imediata. Começou um novo e longo processo para conseguir o exame...

Outra senhora, depois de meses, conseguiu operar um câncer no seio. Deveria começar logo uma quimioterapia, mas está dependendo de vários exames que levarão bastante tempo pelo sistema público. Em comparação, no mesmo momento, eu mesmo descobri que tenho um linfoma (câncer) e comecei uma quimio rapidamente, através de um custoso plano de saúde. Dentro de dois dias faço a terceira sessão de uma série de seis. A diferença de situações deixa clara a sociedade de classes em que vivemos e as desvantagens terríveis dos setores subalternos."


Mais médicos, o corporativismo da classe e a corrupção


Alguns casos concretos são mais eloquentes do que denúncias gerais. Lemos na imprensa que um médico cubano, negro, foi recebido em Fortaleza pelos colegas de profissão aos gritos de “escravo”. Ele foi  atender uma comunidade de índios e escreveu em sua camisa: “Eu sou escravo da saúde”. Ainda não tem a licença para clinicar. As associações estaduais de medicina buscam pretextos e reclamam, por exemplo, da falta de um carimbo da embaixada brasileira do país de origem. Tudo vale como desculpa para minar o programa.

Três casos em Nova Iguaçu. Um posto de saúde fica dias sem médicos. Lá chegou uma médica colombiana que, apesar da barreira da língua superada aos poucos, já tem a simpatia da população.

Uma moça que conheço, teve fortes dores estomacais e procurou ajuda. Entrou numa fila na madrugada para tirar ficha de marcação de consulta, esperando muitas horas. Voltou no dia marcado às 5 da manhã e o médico só chegou ao meio dia e saiu às três. A consulta resumiu-se a pedir uma endoscopia com biópsia, sem medicação imediata. Começou um novo e longo processo para conseguir o exame...

Outra senhora, depois de meses, conseguiu operar um câncer no seio. Deveria começar logo uma quimioterapia, mas está dependendo de vários exames que levarão bastante tempo pelo sistema público. Em comparação, no mesmo momento, eu mesmo descobri que tenho um linfoma (câncer) e comecei uma quimio rapidamente, através de um custoso plano de saúde. Dentro de dois dias faço a terceira sessão de uma série de seis. A diferença de situações deixa clara a sociedade de classes em que vivemos e as desvantagens terríveis dos setores subalternos.

Aqui, creio, está uma contradição do SUS. O plano foi bem desenhado, em teoria, para descentralizar e sair de uma máquina nacional pesada. Mas entregou a saúde a muitas prefeituras corruptas e a governos estaduais ineptos.

E nesse meio tempo, o governo da presidenta Dilma lançou um plano muito criativo, de trazer médicos do exterior para lugares sem profissionais, nos grotões e nas periferias pobres, sem concorrência a médicos nacionais tantas vezes ausentes. Foi uma gritaria histérica de muitos destes. E o mais ridículo foi lançar o ataque aos cubanos – quem sabe se, pelas injeções, transmitiriam uma epidemia comunizante? Quando eu trabalhei nas Nações Unidas (CEPAL), estive, em 1975, em Cuba, analisando as políticas sociais. Lembro que o vice-ministro da saúde voltava de um longo estágio em Angola para onde, e também para outros países, Cuba exportava médicos de um sistema ultraeficiente.

Espero que a Medida Provisória, tirando a competência dos clubes fechados das corporações, agilize a licença de centenas de médicos que já estão nas cidades perdidas do interior, sem poder ainda clinicar por exigências burocráticas criminosas. Essas populações irão plebiscitar o Programa nas próximas eleições.

Ouve-se dizer, com intenções óbvias, ou por pessoas mal informadas, que a corrupção agora está terrível e se culpa o governo federal. O que não se diz é que a corrupção vem endêmica há muitos anos;  a diferença é que agora surge à luz do dia, graças a jovens promotores valentes do Ministério Público, à Polícia Federal e ao Ministério da Justiça, com o incentivo do governo Dilma. Falta muito, é claro, mulheres de prefeitos embolsam o dinheiro da comida das crianças, num crime hediondo, mas vão indo para a cadeia, pouco a pouco, os que roubam o INPS, o programa Bolsa Família e a merenda escolar e vão sendo cassados prefeitos e vereadores gatunos.

Não é tarefa fácil nem imediata. Faz uns anos, um amigo valente, Antonio Carlos Biscaia, que foi procurador do estado e secretário nacional de segurança pública, além de deputado pelo PT, apreendeu listas de propinas que envolviam a mais de 200 pessoas, juízes, políticos, policiais, empresários...  Denunciou bicheiros (que nestes dias voltam novamente nas páginas de O Globo), e desbaratou uma máfia do INSS. Também a Juíza Denise Frossard enfrentou a máfia dos bicheiros (com ligações, hoje comprovadas, com a repressão e a tortura dos tempos da ditadura e agora com o tráfico de drogas e as escolas de samba). Foi uma luta incessante, com risco de vida. Uma juíza foi assassinada no estado do Rio. É difícil destruir completamente esse sistema de corrupção, tantas são as cumplicidades, - no caso das denúncias de Biscaia -, do próprio presidente da Assembleia Legislativa Estadual (Ver Marcelo Auler, Biscaia, Cassará Editora).

Não é alguma coisa que desaparece da noite para o dia. Mas o mérito deste governo é permitir e contribuir para esfacelar, aos poucos, essa rede terrível de cumplicidades poderosas.

Quis juntar os dois temas, Mais Médicos e corrupção, para que se possam ver interesses ocultos, preconceitos arraigados e o esforço governamental para enfrentar os problemas, coisa que nem a direita, nem uma ultraesquerda principista querem admitir. Os jovens que protestam com razão, precisariam estar mais bem informados, para canalizar sua indignação justa em direção certeira.


(*) Sociólogo, diretor de Programa de Estudos Avançados da Universidade Candido Mendes. 


Fonte: Carta Maior

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