PICICA: "Para os mentores do
PHE a posição do Sistema Hidroviário do Tapajós é estratégica, pois vai ligar
os “maiores centros de produção agrícola
do Brasil ao rio Amazonas” e ao Oceano Atlântico. Está implícito que a
presença de territórios indígenas é um mero obstáculo muito mais facilmente contornável
do que as corredeiras do rio Tapajós. Por cima desses povos indígenas,
populações ribeirinhas e das áreas relevantes para a biodiversidade, o PHE
pretende passar 9,7 milhões de toneladas de soja, farelo de soja e milho, e
fertilizantes, em 2031."
Hidrovias e hidrelétricas na bacia do rio Tapajós: o último passo para desintegrar a Amazônia
“Brasil tem Mississippis para hidrovias" (Kátia Abreu)
“A
presidente da CNA fez também uma referência à Hidrovia Teles Pires Tapajós, um
dos empreendimentos mais cobiçados pelo agronegócio mato-grossense. Ela
permitirá a ligação direta entre Sinop (MT) até Santarém (PA), além de Porto
dos Gaúchos (MT) até Santarém (PA). Somente o Estudo de Viabilidade Técnica,
Econômica e Ambiental está orçado em torno de R$ 15 milhões.”[1]
Por
Telma Monteiro
Para os mentores do PHE a posição do Sistema Hidroviário do Tapajós é estratégica, pois vai ligar os “maiores centros de produção agrícola do Brasil ao rio Amazonas” e ao Oceano Atlântico. Está implícito que a presença de territórios indígenas é um mero obstáculo muito mais facilmente contornável do que as corredeiras do rio Tapajós. Por cima desses povos indígenas, populações ribeirinhas e das áreas relevantes para a biodiversidade, o PHE pretende passar 9,7 milhões de toneladas de soja, farelo de soja e milho, e fertilizantes, em 2031.
Além da ampla pesquisa no
processo de licenciamento e implantação das hidrelétricas na Amazônia, suas
consequências para o meio ambiente, povos indígenas e populações tradicionais, acompanho
de perto o processo do planejamento da hidrovias na Amazônia, em especial a
hidrovia Tapajós-Teles Pires. Na
bacia do rio Tapajós encontram-se 35 Terras Indígenas, 27 Unidades de
Conservação (9 de Proteção Integral e 18 de Uso Sustentável), 238 Assentamentos
do INCRA.
Plano Hidroviário Estratégico (PHE)
O Ministério dos
Transportes (MT) deu início ao Plano Hidroviário Estratégico (PHE) para
preparar uma estratégia de transporte de cargas e passageiros por hidrovias,
até 2031. O Banco Mundial é co-financiador do projeto.
O projeto abrange as
principais bacias hidrográficas do Brasil. O plano de transformar os rios
amazônicos em uma grande malha hidroviária com instalações industriais em suas
margens poderá trazer consequências inimagináveis.
Em 2011, a convite da
organização Both ENDS, apresentei às autoridades holandesas, em Haia, Holanda, um
relatório sobre os impactos negativos para o meio ambiente e para os povos
indígenas que uma hidrovia no rio Tapajós poderia causar. O governo holandês é
o principal incentivador, mentor e fornecedor da expertise do Plano Hidroviário
Estratégico (PHE).
Uma
equipe de experts da Holanda, em parceria com o Ministério dos Transportes, coordena
todo o trabalho de desenvolvimento do PHE. O interesse da Holanda nas hidrovias
brasileiras é explicável, pois o porto de Roterdã é o maior da Europa e é para
lá que se destinam as commodities brasileiras.
A
Holanda está usando a sua expertise em hidrovias para transformar os principais
rios brasileiros em vias navegáveis. O objetivo é baratear os fretes das
commodities do Brasil para Roterdã. O processo de desenvolvimento do PHE teve início em
2012. Depois de quatro relatórios ou produtos em menos de um ano, um Sumário Executivo
encerrou os trabalhos em 2013.
As
hidrovias Tapajós-Teles Pires e Arinos-Juruena-Tapajós, segundo a Confederação
Nacional da Agricultura (CNA), são imprescindíveis para o desenvolvimento do
Brasil. A CNA é presidida por Kátia Abreu. A Federação da Agricultura e
Pecuária de Mato Grosso concorda com Kátia Abreu.
Quanto aos impactos
ambientais e as interferências em terras indígenas que se localizam no alto e
médio Tapajós, por enquanto, mereceram apenas dois parágrafos do PHE.
O produto dois do PHE é
o Relatório das Consultas Públicas: Consulta às Partes Interessadas. Foram
formuladas questões a 67 interessados do setor público, setor privado e
organizações do setor e comunidade científica.
Organizações não governamentais,
comunidades ribeirinhas, pescadores, que serão atingidos, povos indígenas, ambientalistas,
pesquisadores e demais grupos que representam o outro lado da sociedade que não
é empresa e nem governo, não foram ouvidos.
Qual a relação do PHE com as
hidrelétricas na bacia do Tapajós?
Só
com a construção de um conjunto de hidrelétricas planejado para a bacia
hidrográfica do rio Tapajós será possível viabilizar as hidrovias, portos
industriais e as estradas de acesso. Todo esse aparato logístico que está no
PHE afetará diretamente unidades de conservação e terras indígenas, populações
tradicionais, o ecossistema, o clima.
Mapa: PHE |
Os
planos já estão tão avançados que no Estudo de Impacto Ambiental e Respectivo
Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) da UHE São Luiz do Tapajós estão
previstas as construções de eclusas para transposição das embarcações.
A hidrovia Tapajós – Teles
Pires, segundo o PHE, será analisada em conjunto com os projetos hidrelétricos
do Tapajós e outros projetos (não especificados no plano). Ainda, segundo o
PHE, serão considerados os impactos integrados no meio ambiente e nas
comunidades tradicionais da região. A experiência com as grandes usinas nos
rios Amazônicos tem nos mostrado que tanto os impactos como as populações são
ignorados depois que as licenças são concedidas.
Não resta dúvida que a
hidrovia depende da construção das usinas e eclusas para superar os obstáculos
naturais. As corredeiras de São Luiz do Tapajós, atualmente, impedem que a
hidrovia alcance o alto curso do rio Tapajós, na confluência dos rios Juruena e
Teles Pires.
Os investimentos
necessários para implantar o sistema hidroviário Tapajós-Teles Pires estão estimados
em R$ 3,4 bilhões, até 2031. Esse valor não inclui os investimentos da
iniciativa privada em terminais hidroviários e portos comerciais. Empresas
privadas em parceria com empresas públicas no modelo de Sociedade de Propósito
Específico (SPE) (já previsto no PHE), com acesso ao dinheiro público
acompanhado de benesses do BNDES, lógico.
O PHE presume construções
de terminais hidroviários, entre eles um na Cachoeira Rasteira, no rio Teles
Pires, no município de Apiacás. A continuidade da hidrovia no rio Tapajós, a
partir de Itaituba, rio acima, depende das três usinas hidrelétricas planejadas:
São Luiz do Tapajós, Jatobá e Chacorão. Esse trecho, que vai até a Cachoeira
Rasteira, então, se transformaria em via navegável. É aí, justamente, onde se
localizam as terras indígenas Munduruku, Apiacás, Kayabi, Saí Cinza, Sawré
Maybu, Dace Watpu, Sawré Apompu e Sawré Jiaybu.
Além da hidrovia
Tapajós – Teles Pires, na Amazônia, o PHE também planeja o Sistema
Hidroviário do Amazonas: Rios Amazonas, Solimões e Negro e o Sistema
Hidroviário do Madeira: Rio Madeira, que impactarão outras terras indígenas.
As grandes empresas envolvidas no PHE
A Elaboração do PHE é
de responsabilidade do Ministério dos Transportes em parceria com o Consórcio
Arcadis Logos. A Arcadis Logos é especializada em gerenciamento de projetos e
iniciou suas atividades em 1970 como Logos Engenharia. Posteriormente associou-se
à holandesa Arcadis NV, fundada em 1887 e com sede em Amsterdam.
A Arcadis Logos é uma
gigante com sede em São Paulo, que detém o monopólio de atuação em projetos de
Mineração, Siderurgia, Papel e Celulose, Cimento, Energia Elétrica (através da
Arcadis Logos Energia) – Geração e Transmissão. Uma das empresas do Grupo, a
Arcadis Tetraplan desenvolve estratégias de licenciamento ambiental, elabora
EIAS/RIMAS, PBAs, Gestão e Implantação de Programas Socioambientais de projetos
hidrelétricos. Existe uma espécie de simbiose entre grandes interesses de mega
empresas nacionais e internacionais para desintegrar a Amazônia.
Os planos de construção
das hidrelétricas e a implantação da hidrovia na bacia do rio Tapajós estão
profundamente entrelaçados. A hidrovia Tapajós-Teles Pires precisa das
hidrelétricas para se viabilizar. As plantas industriais de beneficiamento de
bauxita, apenas para citar um exemplo, precisam de muita energia e de
transporte mais barato para o porto de Roterdã.
No Sumário Executivo do PHE há
menção à presença de comunidades indígenas que “podem ser um impedimento à expansão do transporte hidroviário
interior, quando este impacta na maneira de viver das comunidades”. As
situações críticas ambientais e sociais, título desse trecho do sumário
executivo, se refere aos rios que atravessam áreas de importância ambiental e à
oposição dos movimentos sociais e ambientalistas às hidrovias, problemas que
podem aumentar o risco dos investimentos.
Pela primeira vez, desde o início
do PHE, há referência em apenas três linhas às áreas de preservação da
biodiversidade e aos povos indígenas Munduruku, Apiacás e Kayabi.
Para os mentores do PHE a posição
do Sistema Hidroviário do Tapajós é estratégica, pois vai ligar os “maiores centros de produção agrícola do
Brasil ao rio Amazonas” e ao Oceano Atlântico. Está implícito que a
presença de territórios indígenas é um mero obstáculo muito mais facilmente contornável
do que as corredeiras do rio Tapajós. Por cima desses povos indígenas,
populações ribeirinhas e das áreas relevantes para a biodiversidade, o PHE
pretende passar 9,7 milhões de toneladas de soja, farelo de soja e milho, e
fertilizantes, em 2031.
Será isso o que queremos para a
Amazônia?
[1] "Brasil tem Mississipes para hidrovias", diz Kátia Abreu em Mato Grosso, matéria publicada em http://www.agrolink.com.br/noticias/-brasil-tem-mississipes-para-hidrovias---diz-katia-abreu-em-mato-grosso_179462.html
Fonte: TELMA MONTEIRO
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