Declaração Bananal
Um Toré pela Liberdade e pela Justiça
Nossa pequena história
Essa é a nossa fala tribal. Palavras do mundo tribal da reserva indígena Bananal. Palavras da vida de mulheres, homens, crianças e anciãos que lutam e resistem no cerrado do planalto central. Palavras do espírito dos filhos da terra, palavras sinceras e sensíveis do nosso mundo tribal. Palavras do nosso coração indígena que traz a nossa vivência com a natureza, os animais e o espírito da mata de cerrado. Daqui desse ponto onde vivemos e lutamos do Santuário Sagrado dos Pajés queremos dizer o que pensamos, como vemos o mundo e como a terra sagrada nos ocupou e nos ocupa ao longo de uma dor que padecemos há 508 anos. Palavras com dignidade daqueles e daquelas que aspiram por justiça e liberdade. Afinal quando iremos sentir a liberdade de um dia feliz?
Quem somos?
Estamos num campo de cerrado tribal que nos liga a nossa memória indígena e a nossa espiritualidade ancestral e a de nossos antepassados. O mundo tribal nos ensinou a ter memória e a jamais esquecer o passado de nossos irmãos e irmãs indígenas. A mata, a selva, o cerrado, a caatinga levam nossa história como os ventos levam os pássaros e as sementes as novas vidas. Povoamos a Mãe Terra com rostos, línguas e culturas diferentes. Aprendemos a viver nossa diversidade como seres e culturas. Nossa amazônia, nosso cerrado, nosso sertão, nosso xingu, nossa floresta tropical fizeram florescer ricas culturas de nações e povos tribais, formando um mundo tribal em continuidade espiritual e respeito com a natureza.
Formamos um grande mundo tribal vermelho, espalhado sobre a terra, ligados pela amazônia nos espalhamos em várias nações, tapuya, tupis, tupi-guaranys, Jês, arawak, karibe. Como pássaros guerreiros, acordamos os nomes dos filhos do sol, os filhos da lua e do arco-íris. O espírito do tempo nos ensinou a pintura do verbo negro, a cor do jenipapo e pintura do verbo vermelho, a cor de urucum. Com os Vermelhos de urucuns e os negros de jenipapos aprendemos a pintar os corpos dos guerreiros para lutar pela Terra Mãe e fazer danças sagradas para sempre nos lembrar que somos parte da terra e ela é parte de nós.
A Mãe Terra guardou nossa memória nas plantas, nas ervas, nos animais, nos rios, nas florestas, nas pedras. Ela nos falou de memória e a resguardou para assim termos voz. Ela nos falou para não esquecer o passado para assim sermos mencionados. Ela nos falou de guardar nosso passado para assim ter amanhã.
A nossa Mãe Terra nos ensinou o respeito por todas as formas de vida. Morada dos espíritos ela nos deu a sabedoria tribal e conversa conosco nas fogueiras noturnas e através dos sonhos. A memória e a lembrança para nós é um sagrado direito. Um direito de lembrar. Temos o direito de lembrar, de manter o fogo da memória dos nossos parentes do mundo tribal que resistem há 508 anos a uma guerra de extermínio contra nossas vidas, nossas culturas, nossas terras e territórios.
Memória de uma dor que não se apagou e ainda persiste no presente e que não hesita em renovar o passado com novas práticas de extermínio, racismo, discriminação, e exploração. O desprezo que recebemos por nossa cor, nossa língua, nossa forma de vestir, nossas danças e festas, nossas crenças, nossa cultura, nossas tradições religiosas, nossa história da mesma forma que há 508 anos quando por decreto se mandava matar índios para alimentar cachorro no Ceará, quando se discutia se éramos animais a quem se devia aniquilar, sempre se referiam a nós como seres inferiores. Jamais compreendemos o racismo que até hoje sofremos desde os tempos coloniais. Somos tratados como seres humanos de segunda categoria.
Nós da reserva indígena do Bananal e do Santuário Sagrado dos Pajés estamos na mesma luta dos povos histórico-originários do Brasil por reconhecimento de nossa cultura ancestral, nossos costumes, tradições, religião e territórios nessa longa jornada de 508 anos de resistência contra perseguições; usurpações de territórios e identidades; discriminações e intolerância pelos regionais da sociedade nacional brasileira que fazem tábua rasa do passado colonial. Desaparecidos nunca, Vencidos jamais, Estamos vivos!
Somos uma comunidade tribal pluriétnica fundada nos anos de 1968 numa área de cerrado originário de Brasília com a participação das etnias Tapuya, Tuxá, Fulni-ô, Kariri-xocó, Guajajara. Somos famílias indígenas do sertão tribal do nordeste brasileiro, que como nossos antepassados do tronco Macro-Jê que se estabeleceram nos altos planaltos do centro-oeste doBrasil, vindo a migrar para as cabeceiras do rio São Francisco e a aí compor grandes nações como Tapuya, Carnijos, Kariri entre outras, sempre andávamos pelo cerrado, sertão e caatinga, mas com processo de colonização e extermínio fomos forçados cada vez mais a abandonar nossos territórios para abrir rotas de fugas ao massacre genocida colonial a até mesmo para auxiliar e colaborar com a colonização do sertão do centro-oeste e nordeste brasileiros.
Nosso território tribal da reserva indígena Bananal se constituiu num elo com nossa memória e nossa terra sagrada. Terra preservada e manejada ecológica e espiritualmente por nós índios não apenas das etnias do Bananal, mas por índios de todo o Brasil tribal que encontram ali umrefúgio espiritual no Santuário Sagrado dos Pajés para alimentar seu espírito, sua memória, sua espiritualidade, um espaço autêntico e místico. Um verdadeiro lugar de intercâmbio espiritual entre os povos indígenas.
Somos filhos da terra sagrada da reserva indígena Bananal e do Santuário dos Pajés, nos sentimos unidos espiritual, cultural e ecologicamente com esse cerrado ancestral que agora é cobiçado mais uma vez pelos não-índios para servir a especulação imobiliária e financeira, a destruição. Por sermos filhos da terra lutaremos por ela, por justiça e ética tribal orientada pelos espíritos de nossos antepassados. Nós índios da Reserva do Bananal estamos num lugar sagrado e místico e vivemos dessa terra, do milho, da mandioca, das sementes para nosso artesanato, das festas e rituais sagrados.
Por que lutamos?
Querem que apaguemos o passado para começar do zero? Querem que esqueçamos os crimes de extermínio do mundo tribal e indígena? Mas como esquecer o passado se o presente é alimentado por violações, torturas, matanças, racismo e discriminações dos povos indígenas?
Índios Guaranis Kaiwás são perseguidos por fazendeiros em Mato Grosso do Sul. Na região amazônica nossos parentes índios de Raposa Serra do Sol, Ingarikó, Macuxi, Wapixana, Patamona e Taurepang enfrentam garimpeiros, fazendeiros, policiais, militares que usam a lei para justificar o genocídio e a perseguição aos indígenas e a usurpação dos territórios. Ações policiais contra os Sateré-maués em Manaus. Na capital do Brasil, na sede do poder, nós índios da Reserva indígena Bananal somos objeto de perseguição de uma verdadeira campanha racista e discriminatória levado a cabo pela mídia local a mando dos grandes banqueiros e empreiteiros e pelo governo do Distrito Federal (Arruda e Paulo Octávio) que questionam atémesmo nossa ancestral tradição cultural e espiritual. Mais uma vez vivenciamos aqui em Brasília nas portas do poder essa guerra de perseguição e intolerância. Da Amazônia ao Bananal o que persiste sim é a tradição e o passado dos mesmos sujeitos políticos que agem através do oportunismo político, massacre, enriquecimento pela violência, usurpação de terras, destruição da natureza, intolerância e racismo. Resistimos há 508 anos, lutamos e lutaremos sempre.
Que tradição é essa nós perguntamos? É a mesma tradição das forças que viola, rouba, mata, tortura e mata sem prestar contas a ninguém. Usam a mentira e a lei para justificar seus crimes, encobertando essa destruição com o nome de "desenvolvimento", "progresso", "modernidade". Querem nos impor uma paz fundada na aceitação da injustiça. Temos o direito de lembrar, de manter o fogo da memória para que não sigam matando, perseguindo, violando, torturando, promovendo campanhas racistas e discriminatórias. Não podem incendiar a memória indígena. Recordamos para nos manter despertados e evitar que se repitam injustiças. Como há 508 anos, como há 200 anos, como há 100 anos segue uma longa guerra não declarada contra nós índios.
O que nós aprendemos nessa luta?
Aprendemos por estar na sede dos poderes da República e do Estado brasileiro que aqueles que tem dinheiro já podem acessar outro direito, o direito de comprar a lei e a mídia. Não apenas comprar uma lei ou sua aplicação, mas burocracias, jornalistas, editoriais e jurisprudências. A lei se converteu numa regulação do crime de lesa humanidade contra os indígenas. Guerra de conquista, guerra não declarada de extermínio que já dura 508 anos. O que assistimos não é uma materialização histórico-contemporânea do passado colonial?
A legislação serve apenas de aval jurídico para promover o genocídio, a destruição da natureza, a intolerância cultural e racial? Etnias, culturas, línguas, vidas humanas, selvas, florestas, rios, animais são destruídos e arrasados sob proteção da lei. Foi isso que aprendemos com as manobras do IBAMA-DF (órgão ambiental do governo). A própria lei promove a brutalidade, a máquina devoradora do dinheiro compra consciências, vidas, e dignidades, mas nós dizemos e reafirmamos que a nossa dignidade não está a venda! Nós índios apenas vemos a lei servir e favorecer o império da morte, da destruição, da mentira e da intolerância étnica. Será que a lei se tornou letra morta quando se trata de defender indígenas, a natureza, a água, vidas e a dignidade? Queremos mudanças! Basta!
Estamos tentando por em prática as leis de defesa dos direitos universais dos povos indígenas. A legalidade constitucional que garante a defesa de nossos direitos está a um fio já que lá na Amazônia e aqui no Bananal em Brasília elas são palavras sem valor para os índios. Mesmo pessoas de bem como procuradores e defensores de justiça são impotentes quando a máquina da ditadura do poder econômico e da mídia anulam a liberdade e os direitos humanos dos índios e os fazem pagar com a dor do racismo, da perseguição e da usurpação de seus territórios o preço de suas diferenças culturais.
A máquina do Estado serve a empresas, bancos e partidos para que continuem em nome da lei o negócio de vender a dignidade. Os governos assumem empréstimos com bancos internacionais para alimentar mais ainda a segregação social, fazer cassinos financeiros e especulativos, traficando e desprezando a vida de milhares e a natureza para aquecer o capital e o lucro da ditadura do poder econômico.
Para então ocultar as contradições gritantes desse sistema de morte e destruição investem outros tantos capitais na repressão com exércitos, polícias e paramilitares para que enfrentem os reclames por justiça de nossa gente igual as tropas de conquistadores bandeirantes empregaram para aniquilar povos e nações inteiras do mundo tribal. Ou então fazem umaguerra psicológica através da mídia para levar o medo à comunidade indígena, semeando o ódio e a intolerância dos locais contra os índios do Bananal. Banalizam o racismo e naturalizam a violência etnocida. E isso segue ocorrendo tanto aqui no Bananal como lá Amazônia, lá no sertão tribal, lá nos tekohá guaranys e onde existem e resistem os povos tribais do Brasil.
A ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIO-FINANCEIRA e o GDF usam o projeto Setor Noroeste para perseguir e acabar com os índios do Bananal e assim destruir a água, a vida e o cerrado, hipotecando o futuro da ÁGUA e do meio ambiente e não tendo nenhum respeito pela vida, pela água, pelos animais, pelas matas e pelo Sagrado. A nossa reserva indígena é uma área de proteção ambiental junto com o Parque Nacional de Brasília (Água Mineral) e se encontra ameaçado pela ignorância, pela intolerância cultural, pelas mentiras da mídia, pelo privilégio imobiliário e social.
Nós índios do Santuário dos Pajés contribuímos para a harmonia cultural e ecológica do cerrado de Brasília, preservando a água, a mata e os animais. Lugar sagrado, místico e refúgio espiritual, agora ameaçado, recebemos ataques daqueles que deveriam nos agradecer porque cuidamos da Mãe Terra para a saúde ambiental e espiritual de todos dessa cidade.
Nossa luta não é uma luta por moradia. É uma resistência de 508 anos! O índio não ocupa a terra, mas é a terra que ocupa o índio. A Mãe Terra nos ocupa a nós índios para levarmos essa mensagem de esperança, de justiça e liberdade para as crianças. Lutar pelo Bananal e pelo Santuário dos Pajés é lutar pela vida, pela água, e pela natureza e pela Amazônia. Aceitamos a mensagem da Mãe Terra para levar para as próximas gerações uma cultura de respeito, de tolerância, de paz e de justiça para todos. A Terra Mãe clama por justiça pelos seus filhos índios do mundo tribal. E só a realidade de uma palavra alimenta nossos sonhos, essa palavra é LIBERDADE. De nossa tribo um só canto sagrado levado pelo maracá na mão dos guerreiros eguerreiras alimenta nossos corações e nosso espírito: é o TORÉ DA LIBERDADE E DA JUSTIÇA!
"Quando será que iremos sentir a liberdade de um dia feliz? São 508 anos sempre buscando a nossa extinção. Irmão o que foi o que eu fiz já que não me ama como sou deixa-me viver!"
Estas foram as palavras sagradas da tribo do Bananal dirigida aos corações das pessoas nobres e honestas dos povos tribais, dos descendentes indígenas e do povo humilde e simples do Brasil que luta e resiste e se rebela contra as injustiças no mundo. Nossa fala tribal do Bananal para todo o mundo.
!!AWIRY!!
" Essas são as conquistas tribais da dignidade indígena de amar, resistir elutar..."
¡Liberdade e Justiça para os tapuyas, kariri-xocó, tupinambás, fulni-ô, Kaiapó, gurani-kaiowá, kaingang, cinta-larga, tupiniquins!
¡Liberdade e justiças para os Ingarikó, Macuxi, Wapixana, Patamona e Taurepang
¡Liberdade e justiça para os para os waiãpi, arawetés, pitaguari, para os seteré-maués!
¡Liberdade e justiça para os guajajara, urubu-kaapor, Kariri, kamauirá. Mehinako, Juruna, kuilkuro!
¡Liberdade e justiça para guajajara, Kadiwéu, para os yanomamis, tukano!
¡Liberdade e Justiça para os bororos, pataxos, Pankararu, karajas!
¡Liberdade e justiça para os Xucuru, para os Macuxis, atikum!
¡Liberdade e Justiça para os potiguar, par os kariri, para os xacriabá, ava-canoeiro!
¡Liberdade e Justiça para todos os povos histórico-originários da América e do Brasil tribal!
Das matas de cerrado da reserva indígena do Bananal no mês do Abril Tribal Indígena do ano de 2008.
Fonte: Mídia Independente
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