Desconstruindo uma notícia manipulada
Rogelio Casado, de Tabatinga
14 de março – Por volta das 16h00 recebi um telefonema da jornalista Derzi (a omissão dos sobrenomes vai por conta da cultura nacional que dá pouca atenção para esse dado identificação dos sujeitos com quem interagimos) comunicando um incidente com o barco “a jato” ‘Homem de Nazaré’ que levava trinta alunos para Tabatinga, onde iriam participar do Encontro Regional da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que acontece entre os dias 17 a 21 de março, sob os auspícios de várias instituições, entre elas a Universidade do Estado do Amazonas, da qual sou Pro-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários. Pedi ao professor Miguel, coordenador da viagem, para me informar os detalhes do acidente, e apurei que o barco navegava nas proximidades de Manacapuru, do outro lado da margem, quando o aquecimento de uma capa de proteção do motor gerou intenso fumaceiro. Foram usados extintores para debelar o fogo gerado pelo aquecimento sobre uma peça de PVC. Como a embarcação navegava próximo da margem, logo ela foi alcançada e o comandante da embarcação pediu que todos saíssem até que a fumaça se dissipasse.
Minutos depois o professor Miguel me informou que o barco retornaria a Manaus para fazer os reparos necessários, posto que não havia uma mangueira para substituir a danificada.
Foto: Rogelio Casado - De volta para casa - Manaus-Am, 14.03.2009 - 10h30
Com a chegada prevista para as 20h30, providenciei um ônibus para levar os alunos para suas casas. O que só aconteceria por volta das 22h30, dado o interesse coletivo de saber o que aconteceria após a vistoria do barco pela Capitania dos Portos, que fora acionada por alguém que participava da viagem.Acordou-se que os alunos seriam comunicados sobre as providências tomadas, posto que a vistoria não se daria de forma imediata. Para tanto eles aguardariam na reitoria da UEA no dia seguinte.
15 de março – A reitora da Universidade do Estado do Amazonas conseguiu que a vistoria da Capitania dos Portos fosse realizada no domingo. Os reparos, porém, só aconteceriam na segunda-feira, dia 16 de março.
Até as 17h00 do dia 15 não foi oferecida nenhuma resposta, porque a Capitania dos Portos só daria a palavra final na segunda-feira.
Impossível não reconhecer, aqui, uma falha na comunicação. Competência que não dizia respeito à Pro-Reitoria de Extensão, responsável tão somente pela seleção dos trabalhos a serem apresentados pelos estudantes na SBPC, e que no momento do incidente tomou as providências cabíveis para o conforto dos alunos.
Entretanto, é inegável o uso de estratégias extremadas para garantir um direito supostamente negligenciado, quando se sabia que a decisão dependia de uma posição definitiva da Capitania dos Portos, da ausência de barcos semelhantes com capacidade de viagens de longo percurso, e da posição oficial da Pro-Reitoria de Administração, responsável pela logística do deslocamento até Tabatinga. Diante de uma frustração real são legítimas as pressões, mas a manipulação que resultou em informações como as que foram publicadas no jornal são inaceitáveis.
16 de março – Fui surpreendido, na manhã de 16 de março, com o empenho da reitora em esclarecer o episódio tendenciosamente relatado na edição do jornal Amazonas em Tempo de hoje, o que ela fez através do programa do Waldir Corrêa, na Rádio Difusora.
Havia leviandade na informação jornalística: o barco não pegou fogo, e sim parte de suas instalações, mais exatamente na casa de máquinas; ninguém se jogou na água e nadou até a margem do rio, pois o comandante levou o barco calmamente à beira-rio.
A matéria omite meu contato contínuo com o coordenador da viagem, professor Miguel, bem como a assistência necessária para o caso: todos os alunos foram levados para suas casas num ônibus enviado pela Pro-Reitoria de Extensão. As duas únicas alunas que acusaram mal-estar, devido o contato com a fumaça, foram acompanhadas ao Pronto Socorro 28 de Agosto pelo professor Andrei Sicsú, sub-gerente da área de meio ambiente da Pro-Reitoria de Extensão da UEA.
Ética – O que surpreende é a acolhida dada a informações distorcidas. O mais curioso é que a matéria foi publicada justamente no jornal em que mantenho uma coluna aos domingos: jornal Amazonas em Tempo, caderno Raio-X. Certamente, o jornal dispõe do número do meu telefone. Embora a responsabilidade da comunicação com os estudantes tenha sido transferida para a Pro-Reitoria de Administração, posto que coube a ela o contrato da embarcação, fiquei com meu celular ligado durante todo o dia. No entanto, em nenhum momento fui contactado por quem quer que seja.
Qualquer estudante ginasiano sabe que notícias que comprometem terceiros, estes devem ser ouvidos. Elementar. Inclusive atendo pelo nome de Rogelio Casado, e não Rogério Callado, o que sequer foi checado pelo autor da matéria.
Memória - Esse episódio lembrou-me um outro ocorrido no jornal A Crítica, durante minha gestão como coordenador estadual de Saúde Mental (2003-2007). Sem qualquer consulta, publicaram uma fotografia no painel Sobe e Desce com uma seta descendente. O texto informava que a coordenação de saúde mental havia desperdiçado 2 milhões de reais do Ministério da Saúde. Insisto; nenhuma consulta me foi feita. Nenhum telefonema. Nenhuma entrevista. Ainda tive direito a uma charge: um agente do governo federal, carregando uma sacola com 2 milhões de reais, diante de uma casa onde lia-se “Coordenação Estadual de Saúde Mental”, dizia que “Se não querem esse dinheiro aqui, vou levar para outro lugar”.
Nesse imbróglio, a opinião pública ficaria sem informação de que o Ministério da Saúde jamais enviou tão elevada quantia para um programa de saúde mental do Amazonas; que em verdade os tais recursos eram do tesouro estadual e que por decisão superior eles foram empregados em outro projeto de saúde, ficando a saúde mental a ver navios. Ninguém reivindicaria esclarecimentos sobre tal episódio. Até hoje ninguém se pronunciou sobre o assunto. De concreto, nenhum recurso foi investido naquele ano na área de saúde mental, o que só aconteceria em 2006, com a implantação do primeiro Centro de Atenção Psicossocial de Manaus.
Indignado, procurei pelo estimado professor João Bosco Araújo, então superintendente do jornal A Crítica, atualmente trabalhando no Amazonas em Tempo, e pedi que o jornal acompanhasse criticamente o trabalho da coordenação de saúde mental e, sobretudo, colocasse-o a serviço da causa da inclusão social das pessoas com transtorno mental, como venho fazendo há mais de 250 artigos publicados nas páginas do Amazonas em Tempo. O pedido foi acatado, e uma bela matéria foi realizada em plena guerra aberta entre o jornal e o governo.
É bom lembrar que na época o jornal A Crítica atacava violentamente o governador Eduardo Braga. Sobrou pra mim, que exercia o cargo de coordenador do Programa Estadual de Saúde Mental. Por isso, como a Secretaria Estadual de Saúde não podia me defender, saí em defesa dos compromissos sociais que tenho assumido publicamente e que só são desconhecidos por jornalistas inexperientes. Os da velha guarda sabem como concilio princípios éticos e responsabilidades institucionais e com a cidadania.
O episódio mal contado pelo jornalista que fez a cobertura do fato, me lembra ainda um outro equívoco juvenil, antes das mudanças ocorridas no jornal Amazonas em Tempo. Desta vez, tratava-se de uma jovem jornalista, que cobria o evento do ano da saúde mental amazonense, no qual o governador sancionaria a Lei de Saúde Mental do Estado do Amazonas. Respondi a todas as perguntas sobre a trajetória percorrida na luta pelo retorno do estado ao mapa da história da reforma psiquiátrica brasileira. No dia seguinte, leio no jornal como a jovem me identificou: Pro-Reitor de Assuntos Psiquiátricos. Faz sentido.
A viagem continua – Fui informado que a empresa responsável pelo barco providenciou o devido reparo e que os estudantes da UEA estão a caminho de Tabatinga. Espero que os familiares desses estudantes não tenham sido afetados pela manipulação da notícia e estejam tranqüilos quanto às responsabilidades institucionais da Universidade Estadual do Amazonas.
Um comentário:
Eu estava no barco! Creio que esta noticia na época deveria ter mais repercussão principalmente dentro da universidade!
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