Nota do blog: Os três maquinhos sábios não saem de cena. Fizeram moradia no campo da saúde mental. O mesmo não se pode dizer das lutas ambientais. Nóis sofre, mas nóis goza.
Memórias do hospício (X)
A vida das pessoas com severo sofrimento psíquico nunca foi fácil em qualquer quadrante do planeta. Ainda hoje, o espírito reformista do setor não consegue impedir que usuários dos serviços públicos de saúde mental deixem de ser objeto de políticas públicas submissas à lógica manicomial: atendimento às crises, institucionalização ambulatorial, seqüestro da palavra, medicalização da dor humana e negação das demandas por trabalho, educação, lazer etc.
O caso do Amazonas é emblemático. Sua capital possui um único Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Sabe-se que os 2 milhões de habitantes da cidade demandam por outros 10 dispositivos semelhantes só para adultos com problemas graves e persistentes. Sem falar dos CAPS para crianças e adolescentes, CAPS para abusadores de álcool e outras drogas (AD), leitos psiquiátricos em hospitais gerais e Centros de Convivência.
À falta de uma política de atendimento aos dependentes AD, por exemplo, na onda neoliberal dos últimos tempos, os gestores acomodaram-se perigosamente ao permitir a proliferação de iniciativas particulares de grupos, todos a infringir normas determinadas em portarias ministeriais.
Longe vai a ousadia da geração dos anos 1980, comprometida com a construção da cidadania de internos de longa permanência no hospital psiquiátrico, ao implantar um sistema produtivo de verduras e legumes, criação de suínos, roçado de milho, mandioca e feijão, apontava para o futuro: a desconstrução do manicômio.
Entretanto, a riqueza dos novos papéis sociais construídos naquele período, que deslocou a ênfase colocada no processo de “cura” para o processo de “reprodução social do usuário-cidadão”, lamentavelmente foi reduzida a uma caricatura do ideário judaico-cristão.
Quanto mais a interlocução com os movimentos de desinstitucionalização da loucura são substituídos por acordos pessoais e pontuais, mais o Amazonas perde o sentido de uma história que o colocou entre os pioneiros de políticas públicas rumo à lógica antimanicomial.
Manaus, Fevereiro de 2009.
Rogelio Casado, especialista em Saúde Mental
Pro-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da UEA
www.rogeliocasado.blogspot.com
Nota do blog: Artigo publicado no caderno Raio-X, do Jornal Amazonas em Tempo.
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