Turismo e urbanismo: visões do caos
A baía do Rio Negro estava envolta em tons azuis suaves, típicos do período chuvoso dos primeiros meses do ano, por volta das 18h30, quando cruzei toda a extensão de um monstrengo arquitetônico conhecido como Manaus Moderna, que isolou para sempre o belo prédio do Mercado Municipal Adolpho Lisboa das águas do rio. Na madrugada, nos anos 1960, costumava-se ir ao mercado para negociar peixes que chegavam em abundância em dezenas de canoas. Já nos anos 1980, nada melhor para tirar ressaca que tomar sopa no mercado vendo a luz do dia bruxulear por entre as águas do rio Negro. Entre as várias nuances matizada pelo brilho da luz do final do dia, um imenso transatlântico chamava atenção no porto de Manaus, com seu colar de luzes cintilantes. Lamentavelmente o porto que já não possui a mesma aura dos tempos em que não havia a Zona Franca de Manaus.
Os cínicos dirão que, igualmente, não havia navios de tamanho porte. Não é o que registra a história da navegação da Amazônia, onde trabalhou o prático e comandante da Marinha Mercante brasileira da Companhia de Navegação Booth Line Limited, Rogelio Casado Marinho, meu pai. Empresa composta essencialmente por navios cargueiros, havia na sua frota navios de turismo como o Hidelbrand e Anselm que faziam linha regular entre a Europa e o Brasil. É bom lembrar que as novas gerações não tem memória do quanto circulava pela nossa malha hidroviária os navios da Marinha Mercante, hoje restrita a presença sazonal dos navios de turistas.
O roteiro de viagem de Belém a Manaus, até o lugar em que os rios Negro e Solimões encontram-se para a partir daí receber o nome de Amazonas, como é conhecido internacionalmente, é de encher os olhos de admiração e embevecimento dos turistas em trânsito, seja pela imponência da vegetação da floresta, mas, sobretudo, pela majestade das águas, onde em muitos trechos os botos fazem companhia aos navegantes.
Contudo, o que aguarda os passageiros ao por os pés em Manaus é que é preocupante. Longe da época em que era chamada Paris dos Trópicos, atualmente ela está mais para feira de Bagdá, que um dia também povoou nossos sonhos juvenis. Acaso será esse o destino das cidades: degradar-se até o limite do insuportável, destruindo os vínculos sociais e o que restou da fraternidade e solidariedade típicas das cidades morenas do norte do Brasil? Certamente, essa é uma conclusão precipitada que deixa de lado outros fatores inerentes as relações da cidade com o capital predatório, este, sim, sem vínculos históricos com seu povo e sua identidade cultural.
De Manaus para suas terras de origem, o turista levará a má impressão do caos urbano reinante. O que nos salva é o agradável encontro com a natureza circundante. Até quando? Afinal com porto nas Lajes, pontes e outras obras de forte impacto ambiental, será necessário afastar-se cada vez mais da cidade para gozar da beleza da paisagem que faz do Amazonas um território único no planeta.
Recomendo ao(a) leitor(a) a leitura do artigo abaixo do empresário Belmiro Vianez Filho, meu contemporâneo de ginásio, e veja o encaminhamento que ele oferece para enfrentar o caos. E se você não está satisfeito com a visão do futuro da cidade, se o caos não for interrompido, venha filiar-se a AMANA - Associação Amigos de Manaus. O futuro depende da manifestação organizada dos cidadãos, para que através da superação do individualismo proliferem ações coletivas que protejam a cidade do espírito predatório que a competição desenfreada e a luta pela sobrevivência - irmãs siamesas - impõem aos manauaras. Ninguém merece!
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Na Mira do Belmiro
Revitalização urbana e cumplicidade municipal
Belmiro Vianez Filho(*)
belmirofilho@belmiros.com.br
Quem circula ou trabalha no Centro de Manaus, e constata o estado de ruínas em que se encontra quase todo o patrimônio histórico e urbanístico daquela que já foi chamada de Paris dos Trópicos, já desistiu de esperar a intervenção do poder público para recuperar e revitalizar essa triste paisagem. E não cabe aqui qualquer juízo político ou moral de avaliação dos prefeitos que se revezam na gestão da cidade. O problema existe, se agrava e as soluções não aparecem, a despeito da boa vontade de alguns gestores e dos ensaios de compartilhar seu enfrentamento com os atores do setor privado. Ensaios tímidos, é bem verdade, e que precisam ser, eles mesmos, revitalizados. Este é o espírito da proposta de emenda constitucional que o Ministério das Cidades articula com empresários para permitir que prefeituras possam cobrar tributo para revitalizar áreas comerciais. Enfim, uma poronga acesa na trilha de coleta de soluções pra valer na gestão do ca os.
A idéia nada tem de original pois já existe e deu certo em mais de 1200 regiões revitalizadas nos Estados Unidos e no Canadá onde a cobrança ou não do imposto é determinada pelos empresários das regiões afetadas, e não pelo poder público. Seria a primeira experiência na história conturbada do cipoal tributário brasileiro em que o contribuinte sugere a destinação de um tributo e ele mesmo recebe os recursos correspondentes para cumprir aquela meta/demanda pretendida. Este avanço é entusiasmante pois amplia a responsabilidade e o papel do cidadão na administração de suas necessidades na vida social. É curioso e emblemático anotar que as medidas de impacto da nova gestão municipal foram revistas e modificadas justamente porque não levaram em conta sugestões e expectativas dos interessados.
Já tivemos nos anos 90 uma experiência compartilhada e bem sucedida - sem contrapartida tributaria é importante anotar - com a Polícia Militar na ampliação do policiamento preventivo no Centro de Manaus. A Associação Comercial do Amazonas e a Câmara dos Dirigentes Lojistas atenderam a uma demanda do batalhão Cosme e Damião da época e patrocinaram rádios de comunicação, bicicletas e outros instrumentos de trabalho para o trabalho de prevenção de crimes. Não houve compensação fiscal muito menos interesse político para analisar as possibilidades de uma parceria mais justa e eficaz de longo prazo e em outros itens e encrencas da vida urbana. Restou apenas a certeza de que as soluções compartilhadas são mais ificientes e benéficas ao todo social.
Na proposta do Ministério das Cidades está prevista a criação de áreas dentro de bairros comerciais em que as empresas ali sediadas assumem despesas com limpeza, vigilância, iluminação, manutenção de banheiros públicos e até programação de eventos e plano de desenvolvimento econômico. As Áreas de Revitalização Econômica, como serão chamadas, serão também áreas de recuperação da paisagem arquitetônica onde o poder público continuará atuando, é óbvio, com a Polícia, os garis e demais serviços essenciais, cabendo aos empresários a estrutura suplementar para viabilizar os negócios. Uma luz e uma certeza de que, com braços abertos e mangas arregaçadas, podemos revitalizar os costumes e, de quebra, esta querida e sofrida Manaus.
Zoom-zoom
Manaus Moderna - Continua pavorosa e sem solução a paisagem da Manaus Moderna, no entorno da lendária Escadaria dos Remédios. Ali, a ausência do poder público e a absoluta incapacidade de aproximação entre os interessados para enfrentar o problema, levam o caos ao colapso urbano e ao stress generalizado. Eis um desafio assustador e que não pode seguir ignorado em suas seqüelas e complicações.
Isenção de IPI - Enquanto as vendas de automóveis despencam nos Estados Unidos, numa queda histórica e devastadora, no Brasil as vendas de veículos novos em janeiro e fevereiro apresentou crescimento próximo a 1% em relação ao mesmo período do ano passado. Um estouro em tempos de crise. A razão é simples e se deu pela redução do IPI, uma medida que o governo vai prorrogar por mais três meses.
Custo X benefício - A isenção do IPI teve um impacto discreto na arrecadação, pouco mais d de R$ 1,34 bilhão, mas o beneficio do emprego e da rodagem na economia compensou a medida, que deveria ser apreciada para outros setores que geram emprego e estimulam o consumo.
Distribuição de grana - Uma medida extrema e polêmica para enfrentar a crise através do estímulo à economia, que prevê o pagamento de distribuição de dinheiro à população, foi aprovada ontem pelo Parlamento do Japão. A partir desta sexta-feira, algumas cidades do interior do Japão começam a pagar cerca de US$ 120 a cada morador. Pessoas com mais de 65 anos e menos de 18 terão um acréscimo de US$ 78. Todos os municípios japoneses terão seis meses para efetuar o pagamento em parcela única. Nem o Bolsa-Família do Lula é tão ambicioso.
(*) Belmiro é empresário e membro do Conselho Superior da Associação Comercial do Amazonas.
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