março 23, 2009

Ribamar Bessa, em oito linhas, manifesta solidariedade à luta contra o Porto das Lajes (mas é preciso ler toda a crônica para entender o contexto)

Foto: Rogelio Casado - SOS Encontro das Águas - Manaus-Am, 22.03.2009
Líder comunitária, Marisa Lima, ao lado do presidente do Sindicato dos Pescadores de Manaus, lê, junto com três crianças, uma poesia de Moacir de Andrade sobre o Encontro das Águas, lugar onde nasce o rio Amazonas em território brasileiro

TAQUI PRA TI

EU TELO CHÊ CHENADÔ

José Ribamar Bessa Freire

22/03/2009 - Diário do Amazonas

Cinqüenta anos depois, diante do pelotão de jornalistas enxeridos que faziam perguntas inoportunas, o deputado Belarmino Lins (PMDB – vixe, vixe!) haveria de recordar aquela tarde remota em que seu pai, no quintal da casa em Fonte Boa, no Alto Solimões, lhe perguntou à queima-roupa: “O que você quer ser quando crescer?”. Era 1º de janeiro de 1954, festa de aniversário de Belarmino, que completava cinco aninhos de solidão. A mesma pergunta fora endereçada também ao seu irmão Átila.

Deslumbrado com o desenho de uma sereia que havia visto num remo pintado de azul, cujo dono era um índio Miranha, morador de Tefé, Átila gaguejou: “Catraieiro. Quero ser catraieiro”. Já Belarmino, conhecido como Belão, não se deixou seduzir pelo canto da sereia. Criança precoce, embora ainda nem falasse direito, respondeu ao pai, meio tatibitati: “Eu telo chê chenadô”.

A família toda riu. De onde o menino tirara idéia tão audaciosa? Naquele ano de 1954, um ex-funcionário dos Correios se elegeu senador, com um jingle que tocava nas rádios: “Povo, povo, povo, o senador do povo, oi (bis), Antóvila Mourão Vieira no Amazonas tudo novo”. O jingle se popularizou entre as crianças, porque adaptou sua letra à música de uma cantiga de roda: “Fogo, fogo, fogo, fogo de abrasar”. Foi aí que Belão, decidiu que, quando crescesse, seria senador.

Ele cresceu. Ainda não é senador, mas seu perfil se encaixa na Casa de Sarney, Collor e Renan Calheiros. Conhecido em Miami como Big Beautiful, Belão é o atual presidente da Assembléia Legislativa do Amazonas (ALE). Nomeou para cargos comissionados 33 parentes, entre os quais a mulher, quatro filhos – um deles morando em Paris - e a própria mãe, octogenária, que recebiam sem trabalhar. A mulher e os filhos custavam anualmente à ALE R$1,6 milhão, segundo cálculos do Diário do Amazonas. Além disso, pagou com dinheiro público as viagens de lazer da família. Uma grande façanha.

Senador e Catraieiro

Hoje, Belão, embora vivendo em Manaus, está mais perto do Senado do que seu irmão, o “catraieiro” Átila Lins, que é deputado federal e vive em Brasília. Ambos foram filiados a vários partidos vixe-vixe: Arena, PDS, PFL, DEM, PTB e agora PMDB e se elegeram enganando os cabocos do Alto Solimões. Belão, no entanto, vai assumir o governo do estado por nove meses, quando Dudu e Omar se licenciarem, o que lhe permite continuar sonhando em ser senador, sobretudo depois que a mídia mostrou que o senado é uma mina de ouro, de empregos, de mordomias e prebendas.

Como eu ia dizendo, a vontade de ser senador, manifestada na infância, cresceu recentemente, depois que se tornou pública a existência de 181 diretores no Senado, com salário médio mensal de R$ 18 mil, podendo chegar até R$ 30 mil, se somado às horas extras, gratificações, auxílio moradia e outros benefícios indiretos, sem contar o uso de carro oficial e de celular sem limite de gastos. “Isso é que é profissionalismo. Eu sou um amador” – disse Belão, com os olhos prenhes de cupidez.

Modéstia, modéstia! Mais conhecido na Alemanha como Grosse-Schon, Belão usou a presidência da Assembléia para nomear seus parentes como assessores de diretorias, embora – é verdade - não tivesse tido a idéia de criar as próprias diretorias, como as existentes no Senado: de Ata, de Anais, de Apoio Aeroportuário, de Coordenação de Visitas, de Pessoal Inativo, de Rádio em Ondas Curtas, todas elas mais atraentes que as assessorias. Acontece que quem nasceu Belão leva tempo pra chegar a Sarney.

Mas chega lá. O exemplo do Senado inspirou Belão, que vai apresentar o projeto de criação da Diretoria de Invenção de Nomes para as Novas Diretorias da Assembléia, todas elas a serem ocupadas por seus parentes: Diretoria do Sanitário Masculino, encarregada do papel higiênico, Diretoria do Cafezinho, Diretoria de Buscas de Cargos Comissionados, Diretoria para Puxar Saco do Eduardo Braga, Diretoria de Recepção do José Mello Merenda, Diretoria para acobertar os crimes do Adail e por ai vai.

Autor de projetos relevantes, como a concessão do título de cidadã amazonense à Maria Emilia, esposa de Gilberto Mestrinho, Belão elaborou outros de igual importância que batizam espaços públicos com o nome da família Lins. Em Atalaia, por exemplo, tudo tem nome de Lins: centro esportivo, feira municipal, hospital, praça, rua, bairro, coreto, até estacionamento de moto, só escapa mesmo a igreja, porque não tem nenhum santo Lins. O calçadão Zé Lins, que custou uma fortuna, ruiu uma semana depois de sua inauguração. Eu vi, meninos, eu vi.

A flauta de BelarminoBelão merece uma cadeira nesse Senado que aí está, porque leva para Brasília a experiência que acumulou no Estado. Tem um perfil muito mais adequado do que o dos atuais representantes do Amazonas – Arthur Neto (PSDB), João Pedro (PT) e Jeferson Praia (PDT) – que até agora demonstraram uma incapacidade de projetar o Amazonas no terreno da corrupção nacional. A atual bancada é limpa, decente, escrupulosa. Belão não. Belão, embrião de Sarney, é uma promessa. Vai tratar Collor de igual para igual.

Por que o Pará conseguiu projetar nacionalmente um Jader Barbalho e nós, do Amazonas, mantemos o Belão confinado no âmbito estadual? Por razões como essa é que Belém – e não Manaus – vai acabar sediando os jogos da Copa do Mundo. Temos que escutar o grito de Belão que nos implora: “Eu telo che chenadô”. Nossa bancada não teve sequer a iniciativa de um Tião Viana, que projetou o Acre nacionalmente, através do celular do Senado levado pela filha para o México.

É por isso que o Amazonas não vai pra frente, porque sua bancada não é capaz de se adaptar ao estado de putrefação do Senado, que é hoje a vanguarda do atraso, do nepotismo, do fisiologismo, do cinismo. Belão tem jogo de cintura, coragem e cara-de-pau para assumir as causas mais ignóbeis.

Por isso, ele apóia, sem vacilar, a empresa Lajes Logísticas que projeta construir o porto privatizado para embarque de containers de grandes grupos internacionais. O porto vai destruir as Lajes e acabar com o Encontro das Águas? Azar, Baltazar! Quem contrata a mãe de 80 anos não tem medo de destruir a paisagem do encontro das águas e os sítios paleontológicos, queimando arquivos. Deixa o Márcio Souza, o Rogelio Casado e os ambientalistas reclamarem.

Esse filho de índio que odeia seus ancestrais e inventou uma árvore genealógica alemã é um político de barranco tão ousado que se infiltra nesse espaço do jornal para dizer: “Feliz aniversário, Preta”. Merece ser senador!

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Nota do blog: Meu cumpadre Bessa, vá dizendo logo qual é a pena; não tive outra alternativa do que surrupiar (vixe) sua crônica. Tudo por amor à causa.
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Um comentário:

Anônimo disse...

Professor Ribamar, durante a semana compro o jornal à crítica, mas no domingo é o diário. Sou amazonense e moro em Manaus.
Sou um leitor assíduo de sua coluna. Aquela do Belão foi realmente demais. Quando estava lendo não aguentei, caí na gargalhada. Chamei minha mãe e contei o que estava escrito.
Acho sua postura ideal. Um homem amazônida, que leva nossa raiz e cultura para o Brasil e o mundo. Continuarei lendo e mandando e-mail, a respeito de sua coluna. De seu amigo "orgulho de ser amazonense" ehehe,eslogan"vixe, vixe, vixe".Abraços