março 08, 2009

Inércia e desinformação deixam menina levar adiante uma gravidez

Ilustração: Gabriela - APPACDM

Inércia de familiares e do MP levaram menina de 11 anos estuprada em Iraí, no RS, a levar a gravidez adiante



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NÃO ESTUPRARÁS!

8 de Março- Dia Internacional da Mulher

Coletivo de Mulheres Negras do Rio de Janeiro e Regional/RJ da Rede Feminista de Saúde


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Cleide Carvalho e Fabiana Parajara, O Globo

SÃO PAULO - A inércia e a desinformação fizeram uma menina de apenas 11 anos, da pequena estância gaúcha de Iraí, a 480 quilômetros de Porto Alegre, a levar adiante uma gravidez resultante do estupro cometido pelo padrasto em agosto passado. É um destino bem diferente do reservado à menina de 9 anos do Recife, submetida a aborto de gêmeos na última quarta-feira, a despeito da ameaça da Igreja Católica de ir à Justiça para obrigá-la a ter os filhos.

No caso de Iraí, o abuso sexual foi cometido quando a menina tinha apenas 10 anos. Tanto a polícia quando o Ministério Público afirmam que não houve sequer discussão sobre a possibilidade de a criança ser submetida a um aborto porque não houve pedido por parte dos responsáveis legais. Neste caso, os responsáveis pela menina de Iraí são o próprio agressor e a mulher dele, tia de segundo grau da menina - ela foi criada pelo casal desde os 6 meses de idade, após ser deixada pela mãe biológica, e não houve adoção formal na Justiça.

( Em nota, a Associação do Ministério Público do RS negou que tenha havido inércia por parte do órgão )

" É uma gravidez de risco, mas a guardiã não tinha interesse, em nenhum momento chegou a falar em interromper a gravidez da menina, afirma delegado "

- Em nenhum momento a discussão sobre aborto surgiu. Não tenho conhecimento de orientação médica, nenhum documento que diga que ela corre risco e que justifique o aborto, nem manifestação da família. Desconheço que alguém tenha pedido - diz o promotor Adriano Luís de Araújo.

Apesar do promotor dizer que a manifestação da família ou a orientação médica eram indispensáveis para que o aborto fosse pedido, especialistas em Direito afirmam que o próprio Ministério Público poderia interceder pela menor, em casos como esse. O criminalista Leonardo Pantaleão, professor do Complexo Damásio de Jesus, em São Paulo, afirma que o Ministério Público tem legitimidade para assegurar o direito da menina ao aborto.

- Diante da inércia dos representantes legais, o Ministério Público tem legitimidade para agir, já que é um dos seus deveres resguardar o direito de um menor - afirma Pantaleão.

O delegado Antônio Maieron confirma que nenhum familiar chegou a falar sobre a interrupção da gravidez.

- É uma gravidez de risco, mas a guardiã não tinha interesse, em nenhum momento chegou a falar em interromper a gravidez da menina. Ela ficou sabendo em dezembro, cobrou do marido e ele sumiu de casa. Ninguém se manifestou sobre aborto, talvez pelo estágio da gravidez, que entrava no quinto mês - afirma o delegado Antônio Maieron.

O Código Penal Brasileiro, porém, não estabelece que a vítima de estupro tenha também de correr risco de vida para optar pelo aborto, que pode ser pedido tanto pelos responsáveis quanto pelo Ministério Público a qualquer tempo.

" Em nenhum momento a discussão sobre aborto surgiu. Não tenho conhecimento de orientação médica, nenhum documento que diga que ela corre risco e que justifique o aborto, diz promotor "

- Não há na legislação qualquer indicativo de prazo para interrupção da gravidez. Obviamente, em estágios avançados, como é o caso dessa menina, os médicos não adotam mais o aborto propriamente dito, mas uma antecipação do parto. Mas com sete meses, é até provável que o bebê sobreviva - diz a advogada Rúbia Abs Cruz, coordenadora da ONG gaúcha Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero.

Quatro meses já se passaram desde que a gravidez da menina foi descoberta. A guardiã da criança comunicou o Conselho Tutelar da cidade sobre a gravidez no fim de novembro. A Secretaria de Assistência Social de Iraí encaminhou seu primeiro ofício ao Ministério Público no dia 1º de dezembro e o ofício do Conselho Tutelar data de 11 de dezembro. Provavelmente por medo da reação de seus guardiões, a menina disse inicialmente que havia engravidado de um garoto da escola e demorou a contar à tia que o autor do crime havia sido o padrasto. Só teria falado sobre o estupro em dezembro. Foi o mesmo mês em que o padrasto, um pedreiro de 51 anos, sumiu de casa. Reapareceu apenas em fevereiro na delegacia de Iraí, acompanhado por um advogado, e confessou a autoria do estupro.

- Apesar da confissão, ele tem direito de responder processo em liberdade porque não houve flagrante. Para que ele seja preso agora, só se a Justiça decretar a prisão preventiva - explicou Pantaleão, acrescentando que o pedido de prisão preventiva deve partir do Ministério Público.

O delegado Maieron informa que o inquérito policial foi encerrado no dia 27 de janeiro. Em fevereiro, o Ministério Público pediu que a menina fosse submetida a uma avaliação de saúde. A menina está internada na Casa da Gestante do Hospital Santo Antonio, no município Tenente Portela. O hospital, porém, afirma ter recebido orientação de não se pronunciar sobre o caso, em razão da repercussão nacional. É a mesma postura do Conselho Tutelar de Iraí.

Segundo o Ministério Público, apenas nesta quarta-feira, dia 4 de março, o depoimento do padrasto chegou às mãos do promotor Araújo, que encaminhou a denúncia à Justiça. Ele responderá por estupro, agravado pelo fato de a vítima ser enteada dele e menor de idade. Não há informação se a denúncia pede a prisão preventiva do acusado.

O pedreiro está em liberdade. O delegado Antônio Maieron afirmou que, no inquérito enviado à Justiça, foi pedida a prisão preventiva do acusado, mas não houve até agora manifestação do Judiciário, aceitando ou não o pedido.

- Indiciamos, pedimos prisão preventiva e remetemos à Justiça, mas o Judiciário não deu informação. Não tem resposta da Justiça. A juíza de Iraí estava em férias, o juiz que responde na ausência é de outra comarca - diz o delegado.

O crime de estupro tem pena prevista de 6 a 10 anos de reclusão, agravada por ter sido praticado contra criança.

O promotor afirma que se a criança não quiser ficar com o bebê, ela tem outras opções além do aborto, como encaminhá-lo para adoção.

- Tem fila de espera - lembra.

Fonte: O Globo

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