Dia Internacional da Mulher
Nesta data quero homenagear uma das mulheres que ajudaram a mudar minha vida. Chama-se Lúcia. Você pode vê-la na fotografia acima, amarelada pelo tempo. Rubra, entretanto, continuam as lembranças de sua figura altiva e bem humorada. Trabalhava nos serviços gerais do Hospital Colônia Eduardo Ribeiro, do qual fui seu diretor clínico entre 1980-1982, na administração do saudoso companheiro Silvério Tundis, quando dávamos os primeiros passos, em território amazonense, na construção do movimento brasileiro de reforma psiquiátrica.
Antes do final dos anos 1980, Lucia sairia do hospital psiquiátrico. “Vou sair de alta”, dizia brincando, o que na verdade tratava-se de um processo de emancipação. Nunca mais a vi, jamais a esquecerei. Seu humor caboclo, sua ternura na relação com homens e mulheres que deixariam, pelas suas mãos, o ócio químico a que foram submetidos durante longos anos de internação. Junto com Zuila e Terezinha – outras duas mulheres que também ajudaram a mudar minha visão de mundo –, Lucia fazia com elas um trio que revolucionou a atenção às demandas dos usuários residentes no velho hospício, através de um projeto de reabilitação psicossocial, feito com a paixão dos tinham como lema a canção: “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Resumo da ópera: 1 tonelada de verduras/mês; criação de 60 cabeças de suíno; roçado de macaxeira, milho e feijão; 1 casa de farinha. E como se não bastasse, um saldo inestimável de recuperação da auto-estima, construção da cidadania, respeito da mídia e da opinião pública da época. Tudo isso desapareceria no início dos anos 1990, em especial depois da invasão das terras agricultáveis do hospital psiquiátrico, quando o diretor da época "deu mole" para invasores de classe média baixa, por absoluta incompetência em garantir o uso social da propriedade em favor daqueles a quem o Estado subtraíra a cidadania: pessoas com histórico de grave sofrimento psíquico.
É tentador dizer que os usuários viveram períodos melhores do que o da atualidade, sem analisar os fatores que levaram a estagnação da reforma psiquiátrica no Amazonas, e com isso resgatar nossa história numa perspectiva mais ousada, para além do canibalismo provinciano, tantas vezes objeto da crítica irônica de Márcio Souza, na época tido como um dos escritores malditos deste país.
O fato é que a história da construção da reforma psiquiátrica no Amazonas tem sido subtraída às novas gerações. É grande o desconhecimento sobre o que representou esse período da história da saúde mental para a cidade de Manaus e para o estado do Amazonas, no contexto do movimento nacional. Comparativamente àquele rico período de invenções criativas, de projetos terapêuticos que conciliavam clínica e política, o que há no cenário de hoje é coisa para envergonhar alunos da escola primária.
Assim que retomar o projeto do site “PICICA: Observatório da luta por uma sociedade sem manicômios”, pretendo resgatar a história do movimento brasileiro de reforma psiquiátrica na cidade de Manaus. Por enquanto, o que tenho a oferecer aos(às) leitores(as) são textos antigos que mas que ainda não perderam o sabor. Deliciem-se. Acessem www.picica.com.br, assim que voltar a pagar a mensalidade de hospedagem.
Para Lúcia, inesquecível Lúcia, neste 8 de março, meu afetuoso abraço.
Nenhum comentário:
Postar um comentário