PICICA: "A Revolução no Egito, começando em 25 de janeiro, careceu de liderança e teve pouca organização. Seus eventos decisivos, na sexta, dia 28 de janeiro, ocorreram num dia quando todas comunicações, incluindo todos os telefones e a internet, foram bloqueadas."
Egito: revolução espontânea e das margens
Por Mohamed Bamyeh, do Jadaliyya (ezine independente produzida pelo Instituto Árabe de Estudos), em 6.2.2011 | Tradução: Bruno Cava
Nunca uma revolução que parecia tão sem perspectivas ganhou ímpeto tão rapidamente e tão inesperadamente. A Revolução no Egito, começando em 25 de janeiro, careceu de liderança e teve pouca organização. Seus eventos decisivos, na sexta, dia 28 de janeiro, ocorreram num dia quando todas comunicações, incluindo todos os telefones e a internet, foram bloqueadas. A revolução aconteceu num grande país conhecido por uma vida política sedada, um legado muito longo de autoritarismo contínuo, e um aparato repressor impressionante, com mais de dois milhões de membros. Mas nesse dia, o regime de Hosni Mubarak, entrincheirado há 30 anos e que parecia eterno, o único regime que a vasta maioria dos manifestantes já conheceram, evaporou em um dia.
Embora o regime continue a batalhar, praticamente pouco governo existe. Todos os ministérios e órgãos governamentais foram fechados, e praticamente todos quartéis da polícia foram postos abaixo em 28 de janeiro. Exceto pelo exército, todo pessoal de segurança despareceu, e uma semana depois do levante, somente poucos policiais aventuraram-se nas ruas de novo. Comitês populares desde então têm assumido a segurança dos bairros. Vejo patriotismo expresso por toda parte na forma de um orgulho coletivo, na percepção de que pessoas que não se conheciam entre si podem agir juntas, intencionalmente e com um propósito. Durante a semana e meia seguinte, milhões convergiram às ruas em praticamente todos os lugares do Egito, e se podia ver empiricamente como uma ética nobre — comunidade e solidariedade, cuidado com os outros, respeito pela dignidade de todos, sentimento de responsabilidade pessoal — emergiu precisamente quando da desaparição do governo.
Sem dúvida esta revolução, que continua a desenvolver-se, pode ser um evento fundante das vidas de milhões de jovens que se lançaram a ela no Egito. Talvez também de muitos outros milhões de jovens que a acompanharam pelo mundo árabe. Está claro que provê à nova geração uma grande demonstração do tipo que tem moldado a consciência política de cada geração anterior, na história árabe moderna. Todas essas experiências fundantes de gerações passadas também asseguraram importantes momentos nacionais, seja nas derrotas catastróficas, seja nos triunfos contra as potências coloniais ou aliados.
Esta revolução também deixará marcas profundas no tecido e mentalidade sociais por muito tempo, mas de um jeito tal que vai além da juventude. Enquanto a juventude era a força viva dos primeiros dias, e revolução rapidamente se tornou nacional em todos os sentidos. Com o passar dos dias, vi uma mistura demográfica crescente nas manifestações, onde pessoas de todos os grupos etários, classes sociais, homens e mulheres. Muçulmanos e cristãos, moradores da cidade e camponeses — virtualmente todos os setores sociais, agindo em grande quantidade e com uma determinação raramente vista antes.
Cada pessoa com quem falei ecoou temas similares de transformação. Sublinharam o seu maravilhamento em como descobriram de novo o vizinho, em como nunca souberam o que era viver em “sociedade”, o sentido dessa palavra, até este evento, e como cada um que ontem parecia tão longe, agora está tão perto. Vi mulheres camponesas fornecendo cebolas aos manifestantes, para ajudá-los na recuperação dos lançamentos de gás lacrimogêneo; jovens dissuadindo outros de atos de vandalismo; o Museu Nacional sendo protegido da pilhagem por um cordão humano; manifestantes protegendo inimigos capturados e que os atacavam de serem feridos, e incontáveis outros incidentes de civilidade generosa em meio à destruição e caos dominantes.
Também vi como as demonstrações alternaram entre cenas de combate e círculos de debates, e como elas proveram um espetáculo renovado em que cada um podia ver os diversos segmentos da vida social convergindo na idéia comum de derrubar o regime. Enquanto a mídia mundial ressaltava o caos incontrolável, as implicações regionais e o espectro do islamismo no poder, a perspectiva da formiga revelou a relativa irrelevância das supracitadas considerações. À medida que a Revolução se delongava mais e mais em cumprir a missão de derrubar o regime, os manifestantes eles mesmos começaram a despender mais tempo realçando outras realizações, tais como o surgimento de uma nova ética precisamente no meio do caos. Isto evidenciou a partilha de um senso de responsabilidade pessoal pela civilização — limpeza voluntária das ruas, não sair da linha, a desaparição do assédio a mulheres em público, a devolução de objetos furtados ou achados e incontáveis outras decisões éticas que geralmente são ignoradas ou deixadas para os outros se preocuparem.
Existem aspectos básicos associados com este evento magnífico que são vitais, eu penso, para entender não somente a Revolução Egípcia, como também os levantes árabes de 2011. Esses aspectos incluem: o poder de forças à margem do sistema; a espontaneidade como a arte do movimento; o caráter cívico em contraste ético à barbárie estatal; a prioridade do político sobre todas outras demandas, inclusive econômicas; e por último a surdez autocrática, significando o despreparo doentio das elites no poder em escutar as primeiras reverberações, reduzidas por elas a ruído popular que poderia ser facilmente calado com os meios usuais.
Em primeiro lugar, a marginalidade significa que a revolução começou nas margens. Na Tunísia, começou desse jeito, em áreas marginalizadas, a partir das quais migrou à capital. E da Tunísia, ela mesma relativamente marginal no contexto mais amplo do Mundo Árabe, viajou ao Egito. Obviamente a situação em cada país árabe é diferente, em termos de indicadores econômicos e grau de liberdade, porém me impressionou quão consciente a juventude do Egito era do exemplo tunisiano que lhe precedeu em apenas duas semanas. Muitos me disseram o orgulho que parecia ser concretizar em poucos dias o que os tunisianos levaram um mês.
A marginalidade parece ter sido um fator importante no Egito também. Enquanto boa parte da mídia foca na Praça Tahir e em Cairo central, aonde fui todos os dias, a grande presença lá era uma expressão de uma possibilidade [de extensão do movimento], o que subitamente ficou evidente em 25 de janeiro, quando grandes protestos irrimperam em 12 províncias egípcias.
Em segundo lugar, em todos os sentidos a revolução manteve através de si uma natureza de espontaneidade, no sentido que não contou com organização permanente. Em vez disso, as necessidades de organização — por exemplo governar como comunicar o que fazer no dia seguinte, quem chamar naquele dia, como remover os feridos, como repelir os assaltos inimigos, e como formular as demandas — emergiram no campo direta e continuamente, para responder às novas situações. Além disso, a revolução careceu de liderança reconhecida do começo ao fim, um fato que pareceu importar mais aos observadores, mas não aos participantes. Vi vários debates em que participantes fortemente resistiam serem representados por qualquer grupo ou líder preexistente, assim como resistiam às solicitações que designassem “representantes”, com quem alguém, como al-Azhar ou o governo, pudessem tratar. Quando o governo pediu que alguém fosse designado como porta-voz para a revolta, muitos participantes desafiadoramente nomearam um dos desaparecidos, só esperando que essa designação pudesse acelerar a sua reaparição. Uma declaração comum que ouvi foi “quem decide é o povo”. Pareceu que a idéia de poder popular se tornou grande demais para ser representável por qualquer autoridade concreta ou liderança, ou então que essa representação viria a diluir a implicação profunda, quase espiritual, da noção de “o povo”, como um ser completo em movimento.
A espontaneidade foi um elemento-chave porque tornou a Revolução difícil de prever ou controlar, e porque conferiu um nível incomum de dinamismo e leveza — tão grande que muitos milhões permaneceram completamente comprometidos à prioridade coletiva de derrubar o regime, representado por seu presidente. Mas também pareceu que a espontaneidade teve papel terapêutico e não apenas organizacional ou ideológico. Mais do que um participante me disse como a revolução era psicologicamente libertadora, porque toda a repressão que eles tinham internalizado e a autocrítica e a percepção de fraqueza inata eram no humor revolucionário extravasado em energia positiva e na descoberta da autoestima, de uma conexão mais real que superficial com os outros, e o poder ilimitado de mudar uma realidade congelada. Ouvi o termo “despertar” sendo usado sem parar para descrever o movimento como um todo, como um tipo de emergência espontânea para fora de uma condição de profunda dormência, que nenhum programa partidário pôde chacoalhar antes.
Ademais, a espontaneidade foi responsável, aparentemente, pelo crescente escopo de metas do levante, partindo de básicas demandas reformistas em 25 de janeiro, à mudança total do regime três dias mais tarde, e então à rejeição de todas as concessões feitas pelo regime enquanto Mubarak estiver no poder, e [finalmente] a levar Mubarak a julgamento. Remover Mubarak não era de fato uma demanda séria de todo mundo em janeiro de 25, qando os slogans relevantes condenavam a possível candidatura de seu filho, e convocavam Mubarak a não se candidatar de novo. Mas no final do dia em 28 de janeiro, a remoção imediata de Mubarak de seu gabinete tinha se tornado um princípio inamovível, e com efeito parecia que isso iria acontecer. Aqui se percebeu o que era possível através de um movimento espontâneo, em vez de um programa, organização ou liderança estáticos. Espontaneidade então se tornou o compasso da Revolução e o modo pelo qual encontrou seu caminho, até atingir o seu destino radical.
Provou-se difícil portanto persuadir os manifestantes em desistir do caráter espontâneo da Revolução, uma vez que a espontaneidade já tinha provado a sua força. Espontaneidade então gerou mais confiança que qualquer outro estilo de movimento, e dessa confiança emergiu, tão longe se podia ver, a disposição dos manifestantes em sacrificar-se e ao martírio. Espontaneidade também apareceu como modo pelo qual o caráter carnavalesco da vida social foi trazido ao teatro da revolução, como forma de expressar a liberdade e a iniciativa popular; por exemplo, entre milhares de faixas e cartazes que vi nas demonstrações, não havia quase nenhum dos padronizados (como se veria numa passeata pró-governo). Em vez disso, a maioria absoluta dos sinais era individual e feita à mão, escrita ou desenhada sobre todos os tipos de materiais e objetos, e era orgulhosamente exposta pelos próprios autores, que desejavam ser fotografados por outros. Espontaneidade, além disso, provou-se altamente útil para a comunicação em rede [networking], pois a revolução se tornou essencialmente uma extensão da natureza espontânea da vida quotidiana, em que cada pequeno detalhado planejamento era preciso ou possível, e no qual a maioria das pessoas já estava acostumada a resolver comunicando-se com os outros em rede, em meio à imprevisibilidade do dia-a-dia, vigente em tempos ordinários.
Mas enquanto a espontaneidade propiciou à Revolução muitos de seus elementos de sucesso, também significou qua transição à nova ordem seria projetada pelas forças existentes de dentro do regime ed a oposição organizada, uma vez que os milhões nas ruas não tinham nenhuma força singular que pudesse representá-los. A maioria dos manifestantes com quem falei, contudo, parecia menos preocupada com esses detalhes do que no cumprimento das demandas básicas, que, aparentemente, garantiam a natureza mais justa de qualquer sistema subsequente. Como finalmente elbaorado uma semana depois do início da Revolução, essas demandas se tornaram as seguintes: remoção do ditador, dissolução do parlamento e eleição de um novo, emenda à constituição para reduzir o poder presidencial e garantir mais direitos, abolir o estado de emergência, por em julgamento os funcionários de alto escalão corruptos, bem como todos aqueles que ordenaram atirar nos manifestantes.
Terceiro, destacável como a substituição virtual das referências religiosas pela ética civil se tornou presumida como universal e autoevidente. Este desenvolvimento pareceu mais surpreendente que no caso da Tunísia, já que no Egito a oposição religiosa sempre foi poderosa e alcançou virtualmente todos os setores da vida. A Fraternidade Muçulmana juntou-se depois do inícios dos protestos, e como todas as demais forças políticas organizadas do país pareceu se sentir acuada com os desenvolvimentos e incapaz de dirigi-los, tanto quanto o governo (com seus aliados regionais) procurou inflacionar o papel delas.
Isto, eu acho, está substantivamente conectado a dois elementos citados antes: espontaneidade e marginalidade. Ambos os processos seguiram-se à politicização de estamentos anteriormente desarticulados, e também corresponderam às demandas mais amplas que não exigiam o linguajar religioso em particular. Na verdade, a religião apareceu como um obstáculo, especialmente à luz das tensões recentes sectárias no Egito, e contradizia o caráter emergente da Revolução como acima de todas as linhas divisoras da sociedade, inclusive a religião ou religiosidade de cada um. Muitas pessoas oraram em público, claro, mas eu nunca vi ninguém sendo pressionado ou mesmo questionado a juntar-se a eles, a despeito dos tons altamente espirituais de uma atmosfera saturada de fortes emoções e constantemente alimentada com histórias de martírio, injustiça e violência.
Como na Revolução Tunisiana, no Egito a rebelião eclodiu como uma espécie de terremoto moral coletivo — onde as demandas centrais eram muito básicas, e então se agruparam ao redor do respeito ao cidadão, dignidade e o direito natural de participar da construção do sistema que governava as pessoas. Se aqueles mesmos princípios tinham sido exprimidos em linguajar religioso antes, agora eles eram expressos como tais e sem qualquer mistificação ou necessidade de autoridade divina para justificá-los. Vi o significado dessa transformação quando mesmoparticipantes da Fraternidade Muçulmana conclamaram em certo ponto todos a um estado “cívico” (NA: madaniyya) — explicitamente distinguindo-se de duas alternativas: estado “religioso” (diniyya) ou estado “militar” (askariyya).
Quarto, um desenvolvimento forte depois de 28 de janeiro foi o fato que as demandas políticas radicais elevaram-se tanto que todas as outras insatisfações — inclusive a respeito das condições econômicas ruins — permaneceram subordinadas a elas. As demandas políticas eram mais claras que outros tipos de demandas, todos concordavam nelas, e todos partilhavam da conclusão que todos os outros problemas poderiam ser melhor negociados uma vez se colocasse um grupo responsável no poder. Assim, o combate à corrupção, uma pauta central, foi um caminho pelo qual das insatisfações econômicas foram traduzidas em linguagem política simples de ser entendida. De todo modo, correspondeu à realidade, porque o sistema política tinha se tornado basicamente um sistema de roubo à plena luz do dia. Por meses antes da revolução, todos tinham uma história pra contar sobre a corrupção ostantatória da elite político-empresarial-pilantra que se mais beneficiava do sistema. Essas histórias tendiam a condensar ao redor do filho de Mubarak. Alguns dos membros dessa elite, reportadamente, dedicaram-se a recrutar gorilas, que aterrorirazam os manifestantes por dois longos dias e noites, em 2 e 3 de fevereiro.
Quinto, como em todos lugares do Mundo Árabe, um fator central que contribuiu foi a surdez autocrática. O ressentimento maciço corrente forneceu combustível para o vulcão, tendo acumulado por anos por causa das elites no poder. Sua permanência por tanto tempo no poder fez com que elas esquecessem completamente quem era seu povo e como ler as demandas popular, por assim dizer. Elas não ouviram o barulho borbulhante antes da Revolução, e quando ela eclodiu foram muito lentos em escutar qualquer outra coisa que não um ruído indiferenciado. A via de mão única da comunicação autocrática não permitiu escutar nada de volta, ela e se dirigia aos destinatários das ordens como se fossem mera audiência ou emitentes de um barulho incoerente. Ao longo da Revolução, esta surdez das estruturas do poder ficaram evidentes com a lentidão e incerteza das respostas governamentais. No dia seguinte às manifestações de 25 de janeiro, editores dos jornais do governo menosprezaram os eventos. Em 28 de janeiro, quando todo Egito estava em chamas, e muitos líderes mundias emitiram declarações com preocupação, o governo do Egito permanecia completamente silencioso — até que Mubarak finalmente falou à meia-noite, dizendo exatamente o oposto de tudo o que todos esperavam que ele dissesse. Ele pensou que estava fazendo uma grande concessão, mas uma que — como qualquer assessor inteligente teria lhe dito — só podia ser interpretada como uma provocação, resultando em muito mais dias de protestos. Assim no dia 1º de fevereiro, ele fez outro discurso, também pensando que estava fazendo grandes concessões, embora novamente, foi recebido pelos manifestantes como o cúmulo da arrogância.
Ele estava, num certo sentido, sempre respondendo ao que ele deve ter interpretado como barulho incoerente, emergindo de massas indiferenciadas que poderiam ser acalmadas com a aparência de compromisso. As autocracias árabes há muito tempo estão acostumadas a aproximar-se de seu povo ora com desprezo, ora com condescendência. Elas não são mais habilidosas na arte da comunicação (conquanto Muhammad Shafiq, o novo primeiro-ministro, tem tentado fazer o melhor nesse campo). Claramente, a surdez autocrática foi o maior fator na escalada da revolução. Muitos manifestantes sugeriram-me que o que Mubarak falou em 28 de janeiro teria resolvido a crise se ele tivesse dito no dia 25, quando ele nada disse. E o que ele disse em 1º de fevereiro teria também resolvido a crise, se tivesse dito em 28 de janeiro.
Quando nenhuma dessas concessões conseguiram dispersar a crise, os novos nomeados por Mubarak não tinham mais argumentos sérios para explicar por que ele pretendia manter-se no poder só por mais alguns meses, em face de uma revolta determinada que, na verdade, não estava desafiando várias outras porções do sistema. Em 3 de fevereiro, seu novo primeiro-ministro disse que não era comum na cultura egípcia um líder sair sem sua dignidade. Citou como evidência a saudação concedida ao rei Farouk quando fora forçado a sair do Egito em 1952! E no mesmo dia, seu novo vice-presidente opinou que é contra a índole da cultura egípcia insultar a figura do pai, que ele alega ser Mubarak em relação ao povo do Egito (num momento de esquecimento da revolução logo ali fora). E o próprio presidente declarou no mesmo dia que ele não poderia possivelmente renunciar, porque se assim fizesse o país decairia no caos — incrivelmente, não percebendo o que todo mundo no país sabia: que o caos já estava em todo lugar.
Quando não há surdez autocrática, todos os políticos bem-sucedidos, inclusive os manipuladores, sabem que a arte da manobra consiste em antecipar o próximo passo de seu inimigo ou audiência, de modo que você já esteja ali antes que seja tarde demais. Aqui nós tivemos a situação exatamente oposta: uma autocracia letárgica, não tendo nunca conhecido qualquer contestação séria, estava desavisada de quem se tornariam seus inimigos, que neste caso eram mais ou menos a vasta maioria do país. Com isso, em 2 de fevereiro alguns dos simpatizantes de Mubarak não acharam nada melhor para fazer do que enviar camelos e cavalos para dispersar a multidão na Praça Tahir, o que refletia o seu caráter antiquado: um regime de uma era ultrapassada, com nenhuma conexão com o tempo à mão. Foi como se uma ruptura no tempo acontecera, e nós estávamos testemunhando uma batalha do século 12. De minha perspectiva naquela multidão, era como se eles cavalgavam através e depois eram engolidos direto na dobra do passado. Em contraste, comitês populares na vizinhança, com suas armas rudimentares e completa ausência de ilusões, representavam o que a sociedade já tinha se tornado com esta revolução: um corpo real, controlando seu presente e de baixo pra cima.
Neste momento, fora do peso morto de décadas de autodesprezo e ensimesmamento, emergiu ordem espontânea para fora do caos. Esse fato, melhor do que a condescendência patriarcal impessoal, representa a melhor esperança para a aurora de uma nova ordem civil.
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Mohamed Bamyeh é professor de sociologia na Universidade de Pittsburgh, Ph. D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, com áreas de interesse em estudos islâmicos, sociologia da religião, globalização política cultura, sociedade civil e movimentos sociais, autor de diversos livros como Anarchy as Order: The History and future of Civic Humanity (2009); Of Death and Dominion: The Existential Foundations of Governance (2007); The Ends of Globalization (2000); e The Social Origins of Islam: Mind, Economy, Discourse (1999).
Fonte: Outras Palavras
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