setembro 11, 2011

Matéria capciosa sobre Cesare Battisti revolta jornalista

PICICA: Matéria capciosa provoca indignação no jornalista Celso Lungaretti. Em Carta enviada a Folha de S. Paulo, Lungaretti acusa três graves "desvios de conduta jornalística" em matéria escrita por João Carlos Magalhães sobre a suposta boa-vida de Cesare Battisti numa cidade do litoral paulista. A revelação do lugar é uma delas. A vida do escritor italiano pode estar correndo risco.

Em carta, jornalista acusa Folha de "desvios de conduta"


Carta enviada hoje à ombudsman da Folha de S. Paulo, pelo jornalista Celso Lungaretti, critica matéria publicada pelo jornal no domingo (4), intitulada Revolução? Isso é uma piada, onde reproduziu trechos de entrevista com o escritor italiano, Cesare Battisti, exilado no País. Antes disso, o próprio Battisti divulgou nota, domingo,  em que lamenta o tratamento dado à entrevista. Nesta terça-feira (6), o veículo publicou nota de três parágrafos no caderno Poder, citando nota de Battisti.


Na carta, o jornalista brasileiro acusa o repórter de se aproveitar de uma relação familiar para obter a entrevista, já que o próprio Battisti desconfiava do jornal por ter feito uma cobertura parcial sobre sua estadia no Brasil; de ter forjado uma cena levando-o a um bar, onde foi flagrado tomando cerveja e gargalhando; e ter revelado o endereço onde Battisti vive, colocando sua vida em risco. Não revelar sua localização era uma condição imposta para a realização da entrevista.

“Uma condição imposta aos entrevistadores tem sido sempre esta: a de não facilitar sua localização. A revista IstoÉ a respeitou, mesmo se tratando de uma matéria de capa. Idem a revista piauí. A Folha de S.Paulo, não. Logo no terceiro parágrafo, bem como no crédito do jornalista, colocou uma informação que poderia inspirar um atentado contra Battisti – sem nenhum motivo jornalístico para tanto, uma vez que nada de relevante acrescenta ao texto, sua situação no Brasil está totalmente legalizada e ele pode residir onde quiser. Por que não aludir, simplesmente, a “uma pequena cidade no litoral paulista”, como os outros fizeram?”, questionou Lungaretti.
Já Cesare Battisti lamentou, em nota, “o trabalho de desinformação e de manipulação” feito de maneira “científica”: “... de um lado, ele permite que se coloque na primeira pagina uma foto aonde eu apareço feliz da vida com gargalhadas e cervejas, cujo titulo e legenda “La dolce vita clandestina” serve para dizer a Itália que eu estou me lixando dos dramáticos anos 70; por outro lado, ele tenta quebrar o inegável apoio a minha causa dada pelos companheiros de vários países, titulando a pagina 10 do primeiro caderno ‘Revolução, isso é uma piada’”.
Por sua vez, o impresso afirma que em nenhum momento a matéria afirma que ele está “se lixando” para o período em que participou da luta armada. No mesmo parágrafo, afirma que quem conduziu o grupo até o bar, onde foram feitas as imagens, foi o próprio Battisti.

A ombudsman foi procurada mas não retornou. Confira abaixo a carta na íntegra do jornalista Celso Lungaretti, reproduzida no blog Náufrafo da Utopia:

Os desvios de conduta do jornal

Por Celso Lungaretti

Prezada senhora,

Em nome de Cesare Battisti, venho denunciar três graves desvios de conduta jornalística em que incorreu a Folha de S. Paulo na entrevista “Revolução? Isso é uma piada“ (link para assinantes), publicada no domingo (4/9).

1. A utilização, por parte do jornalista João Carlos Magalhães, de uma relação familiar (no caso o tio, Magno de Carvalho Costa) para obter a entrevista, a despeito da desconfiança que a Folha de S. Paulo inspirava em Battisti e em todos nós do Comitê de Solidariedade – não só por seu viés na cobertura do caso, que sempre avaliamos como adverso, como por ter se posicionado favoravelmente à extradição para a Itália em editorial publicado no dia do julgamento no STF.
Eis o depoimento de Carvalho Costa:

“Quero dizer que me sinto responsável por trazer a minha casa, onde está hospedado o companheiro Cesare, o jornalista João Carlos Magalhães da Folha de S. Paulo, que acabou fazendo a matéria, que certamente foi o que de pior já publicou sobre Cesare Battisti no Brasil.
“Este jornalista no qual confiei e fiz confiar ao Cesare, é meu sobrinho e é filho de pais de esquerda...

“Foi com a maior surpresa e decepção que leio a matéria infame publicada pela Folha de S. Paulo, (...) em que o Sr. João Carlos Magalhães, rompendo com todos os acordos feitos comigo e com o próprio Cesare de imparcialidade, publica esta matéria com o claro objetivo de provocar a direita e, por outro lado, indispor Cesare com todos os que o apóiam, negando suas convicções”.

Armadilha

2. O logro, o uso de subterfúgios e o descumprimento de promessas poderiam ser considerados apenas lapsos morais, se o jornalista não tivesse se valido da confiança que Battisti nele depositou (porque afiançado pelo tio) para induzi-lo a uma exposição negativa. Eis o relato de Battisti:

“...[foi colocada na] primeira pagina uma foto onde eu apareço feliz da vida com gargalhadas e cervejas, cujo título e legenda ‘La dolce vita clandestina’ serve para dizer à Itália que eu estou me lixando para os dramáticos anos 70...

“...Agora vem a safadeza: ele mesmo [o jornalista João Carvalho Magalhães] me levou ao bar só na intenção de tomar essa foto.”

A conjugação de uma foto de Battisti gargalhando com uma legenda sarcástica predispõe, indiscutivelmente, os leitores contra ele. É inaceitável que o jornalista o tenha induzido a colocar-se nessa situação, aproveitando a forma dúbia como se introduziu junto a Battisti para o desmoralizar. Trata-se, nem mais nem menos, de uma armadilha. A ingenuidade de um não justifica a má fé e falta de escrúpulos do outro.

Sem motivo

3. Pior ainda foi haver rompido unilateralmente e sem comunicação prévia o acordo de não revelar a região em que Battisti estava morando. Trata-se de um cidadão contra quem, há vários anos, é movida uma intensa campanha de ódio na Itália e no Brasil. A própria imprensa italiana já noticiou que o serviço secreto daquele país tentou contratar mercenários para sequestrá-lo ou eliminá-lo em solo estrangeiro, com as tratativas só não avançando por desacordo quanto a preço. Enfim, Battisti tem justificados motivos para adotar algumas precauções.

Uma condição imposta aos entrevistadores tem sido sempre esta: a de não facilitar sua localização. A revista IstoÉ a respeitou, mesmo se tratando de uma matéria de capa. Idem a revista piauí.

A Folha de S.Paulo, não. Logo no terceiro parágrafo, bem como no crédito do jornalista, colocou uma informação que poderia inspirar um atentado contra Battisti – sem nenhum motivo jornalístico para tanto, uma vez que nada de relevante acrescenta ao texto, sua situação no Brasil está totalmente legalizada e ele pode residir onde quiser. Por que não aludir, simplesmente, a “uma pequena cidade no litoral paulista”, como os outros fizeram?
Confio em que a ombudsman compreenderá a gravidade do que estou expondo e vá tomar as providências devidas.

Deborah Moreira, da redação do Vermelho

Fonte: Vermelho

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"Revolução? Isso é uma piada"

Livre há quase três meses, ex-terrorista Cesare Battisti vive numa pequena cidade do litoral paulista

Caio Guatelli/Folhapress
Italiano Cesare Battisti, que mora hoje isolado no litoral de SP

JOÃO CARLOS MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A CANANEIA

Livre há quase três meses, Cesare Battisti, o italiano cujo asilo político no Brasil criou um estremecimento diplomático com a Itália e galvanizou a opinião pública dos dois países, vive como se fosse um clandestino.
Não que o ex-integrante do PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos ocorridos nos anos 1970 na Itália, tenha problema com a lei brasileira -já tirou até RG e CPF.

Mas, temendo ser alvo de grupos paramilitares de direita, preocupado com o assédio da imprensa e "machucado", como diz, por quatro anos e dois meses de confinamento e exposição pública, ele resolveu se isolar em Cananeia, pequena cidade do litoral sul de São Paulo.

Há dois meses mora sozinho num sobrado simples, cedido por um apoiador brasileiro, onde dorme num beliche velho em um quarto do tamanho de sua antiga cela.

Apresentou-se a quem conheceu como "César", um escritor mexicano que buscava refúgio para terminar um livro, e fez amigos entre os pescadores e em bares. Nada falou de sua história real.

No cotidiano tedioso de uma cidade praiana no inverno, Battisti não perdeu o hábito de ex-fugitivo de sentir-se monitorado.

Reconhece em rostos na rua as mesmas pessoas que participaram de protestos contra seu asilo. "Você acha que me deixariam assim, sem saber o que estou fazendo? Mas o perigo maior virá quando o caso esfriar", diz.

Entre pescarias, cervejas em botecos e suspeitas persecutórias, Battisti tenta sair da pele de um personagem público no qual afirma não se reconhecer.

"As pessoas me falam: "Cesare, e a revolução?" Que revolução? Isso hoje é uma piada. Eu tinha 16 anos quando entrei no ativismo, não sou mais essa pessoa. Se eu continuasse um revolucionário hoje, seria um idiota", afirma, aos 56 anos.

O italiano diz ter sido usado como bode expiatório de todo um período histórico turbulento na Itália. Colegas de PAC também receberam asilo, sem nenhuma repercussão, argumenta.

Assume ter participado de assaltos e brigas pela causa, mas não ter matado.

"Era quase uma guerra civil. Se tivessem me mandado, eu teria matado. Mas felizmente isso nunca aconteceu, eu nunca acreditei que essa fosse uma saída."

Ainda assim, é esse "personagem do passado" a origem de parte do apoio e de quase todo o seu dinheiro.
O celular não para de tocar: são pedidos para que conte sua história em entrevistas e eventos.

O que Battisti gasta (entre R$ 1.000 e R$ 2.000 por mês, basicamente para comer e colocar créditos no celular pré-pago) vem do fundo de doações gerido por um apoiador na França, onde se exilou antes do Brasil.

Battisti, dono de oito camisas, três calças e dois pares de sapato, se aflige com o que fará para sobreviver, uma vez que sua liberdade também é o fim da causa que mobilizava as doações.

Pensa em levar a literatura para comunidades carentes.

E quer voltar a escrever -no cárcere terminou seu 18º romance. A pouca exposição na mídia que aceitou desde que saiu da prisão faz parte da estratégia para alavancar a vendagem de seus livros.

Mesmo que nenhuma publicação tenha dito aonde mora, a informação corre nas redes sociais e em jornais locais. Antes, os moradores "sabiam, mas fingiam não saber". Agora, eles começam a interpelá-lo na rua.
Nesses reconhecimentos, conforme a Folha observou ao acompanhá-lo por dois dias, os moradores são amigáveis e o tratam mais como uma celebridade do que como um exilado político.

Numa noite da semana passada, um rapaz de 19 anos, que se disse um membro arrependido do PCC (Primeiro Comando da Capital) recomeçando sua vida, o viu num restaurante, depois de ler um post no Facebook sobre sua presença na cidade.

"Achava que era lenda. Mas tudo bem, eu errei, todo mundo erra", disse o rapaz a ele. "Erro, que erro?", respondeu Battisti.

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