PICICA: "Sarney, Romero Jucá e José Porfírio de Carvalho continuam ocupando postos de chave no Governo. Sarney como Presidente do Senado, Romero Jucá como líder do Governo no Senado e Carvalho como coordenador do Programa Waimiri-Atroari. O que podemos esperar de uma investigação sobre os acontecimentos que resultaram na morte de mais de 2000 Waimiri-Atroari durante a Ditadura Militar?"
Por Egydio Schwade
2000 Waimiri-Atroari desaparecidos durante Ditadura Militar
Uma
das estratégias do governo, em tempo de Ditadura Militar e de Nova
República, para ocultar os assassinos dos Waimiri-Atroari é manter em
locais estratégicos pessoas que saibam manter ante a opinião pública a
aparência da política que está no poder. Assim Sarney deu continuidade à
política indigenista da Ditadura Militar ao nomear Romero Jucá, homem
de confiança dos ditadores, mas desconhecido na área indigenista,
Presidente da FUNAI. Jucá, por sua vez, nomeou Sebastião Amâncio
superintendente do Amazonas e Roraima, segundo cargo em importância na
FUNAI. Este era conhecidamente submisso não só à política dos militares
na região, mas também aos métodos de violência dos ditadores usados
contra os índios Waimiri-Atroari. Quando Sarney passou a reserva desses
índios à administração de uma empresa, a Eletronorte (caso único até
então na política indigenista brasileira), esta nomeou Jose Porfírio de
Carvalho para dar continuidade à política oficial. Sarney, Romero Jucá,
Sebastião Amâncio e Carvalho, nenhum deles participou da luta pela
transformação política da ditadura para a democracia em suas áreas de
atuação.
Durante a maior parte do período da Ditadura Militar,
Jose Porfírio de Carvalho ocupou cargos de confiança. Foi subchefe da
Coordenação da Amazônia - COAMA, órgão da FUNAI e também superintendente
no Acre e delegado regional no Maranhão. E "honrou" os encargos como
repressor do indigenismo independente, em especial no Acre, onde
reprimiu membros da OPAN - Operação Amazônia Nativa e do CIMI - Conselho
Indigenista Missionário, retirando-os à força da aldeia Santo Amaro dos
índios Madiha, entre eles Rosa Monteiro, única enfermeira que
trabalhava junto a esse povo.
Como subcoordenador da COAMA, órgão da FUNAI durante
os anos 70, Carvalho se integrou, no seu estilo, à política dos
militares junto aos Waimiri-Atroari. Os militares sempre impediram o
acesso de pesquisadores e jornalistas a esses índios para manter o
controle absoluto sobre a informação e impedir qualquer crítica aos seus
atos. Carvalho colaborou com os militares na época e deu continuidade a
esse esquema repressivo e de controle da informação sobre os
acontecimentos na região, tanto durante a Ditadura Militar como na nova
República, agora como funcionário da Eletronorte, à frente do Programa
Waimiri-Atroari. Em seu livro, "Waimiri-Atroari: a história que ainda
não foi contada", escrito quando a Ditadura já estava agonizando, revela
documento que comprova o uso de armas de fogo pelo Exército contra os
Waimiri-Atroari, mas a opinião pública na época dos acontecimentos não
registrou crítica alguma sua contra esse uso da força. Ao contrário,
revela em seu livro que após uma reunião entre o delegado regional, "Sr.
Francisco Mont’alverne Pires e o chefe da Divisão da Amazônia, Major
Saul Carvalho Lopes, quando a sorte dos índios Waimiri-Atroari foi
traçada" que "os representantes da FUNAI, que ao assumirem cargos em
Manaus passaram a submeter-se às ordens do Exército, através do 2º.
Grupamento de Engenharia e Construção – apenas ouviram e anotaram o que o
Alto Comando daquela corporação já decidira. Ou seja, que se daria
continuidade, a qualquer preço, aos trabalhos de construção da estrada,
que haviam sido rapidamente interrompidos após o ataque dos índios ao
Posto indígena Alalaú."
"Entre outras medidas administrativas que foram
decididas naquele momento, – continua Carvalho – ficou acertado que,
além das medidas de defesa que o pessoal que trabalhava na estrada já
havia adotado, seria realizada pelo Exército, dentro da reserva dos
Waimiri-Atroari, demonstração de forças bélicas, por meio de rajadas de
metralhadoras, explosão de dinamite e de granadas, numa tentativa de
amedrontar os índios e evitar que voltassem a interromper o andamento
dos trabalhos da estrada."
Em
anexo ao seu livro, Carvalho, publica em primeira mão o texto do ofício
Nr. 042/E-2 confidencial, com 13 determinações (no livro Carvalho as
trata apenas como recomendações) repressivas a serem usadas pelo
Exército contra os índios. Leia uma delas:
"- esse comando, caso haja visitas dos índios,
realize pequenas demonstrações de força, mostrando aos mesmos os efeitos
de uma rajada de metralhadora, de granadas defensivas e da destruição
pelo uso do dinamite".
O Ofício 042/74 foi apenas a oficialização do que já
era prática desde o início da construção da rodovia. "Pois muito antes
da realização da reunião entre o 2º GEC e a FUNAI, no KM 220 da rodovia
Manaus-Caracaraí-Boa Vista, - prossegue Carvalho - já o sr. Comandante
nos fez ciente de que mandara para as frentes de trabalho da estrada
brigadas de soldados do Exército armados, prontos para defenderem a
qualquer custo, a continuidade dos serviços de desmatamento e
terraplenagem da estrada’". "A independência com que agíamos com relação
às nossas decisões foi substituída pela política de que tudo deveria
ser levado ao conhecimento do 2º Grupamento de Engenharia e Construção,
para estudo e aprovação. A modificação foi tal e a dependência junto ao
Exército chegou a tal nível, que foi firmado um acordo que os
funcionários da FUNAI, que prestassem serviços na Frente de Atração
Waimiri-Atroari, receberiam uma complementação salarial do próprio 2º
GEC". (Seria um suborno para silenciá-los?) "Até as normas que são
exigidas normalmente para qualquer penetração em área indígena, como
exame médico, vacina etc. se tornaram coisa secundária diante da ordem
do Exército". "Houve praticamente uma intervenção do 2º GEC na direção
da FUNAI, em Manaus, principalmente nos trabalhos realizados pela Frente
de Atração Waimiri-Atroari".
Ninguém pode supor ingenuamente que o subcoordenador
da COAMA, importante órgão da FUNAI e que estava presente na área,
inclusive ajudou a recolher os corpos de companheiros mortos pelos
índios, não tenha tido conhecimento do conteúdo dessas determinações.
Com certeza Carvalho não precisou procurá-la nos arquivos secretos do
Exército ou da FUNAI. Por que a escondeu da imprensa naquela época e só
as começou a revelar quando a Ditadura agonizava e quando um novo
momento político se anunciava por toda a nação e quando já era tarde
para tomar qualquer providencia de proteção aos índios contra a
"declaração de guerra", da FUNAI e do Exército. A tardia posição crítica
de Carvalho soa apenas como satisfação aos seus novos superiores e como
justificativa do seu "inoportuno" silencio frente à sociedade. Na época
a opinião pública não registrou nenhum repúdio de Carvalho à atitude
dos militares e do Delegado da FUNAI, ao contrário, silenciou e em seu
livro omite o posicionamento de seu amigo pessoal, Sebastião Amâncio,
nomeado para substituir Gilberto Pinto, morto pelos índios o qual em
entrevista de 5 de janeiro de 1975 ao jornal o Globo, assumiu que como
novo coordenador dos trabalhos da FUNAI da Frente de Atração
Waimiri-Atroari, aplicaria a política repressiva determinada em reunião
FUNAI-Exército, realizada no dia 20 de novembro de 1974 no Km 220 da
BR-174. Afirma Amâncio naquela entrevista, um mês e meio após a reunião
que produziu o Ofício 042/E-2, revelado em mão por Carvalho: "Os
Waimiri-Atroari precisam de uma lição: aprender que fizeram uma coisa
errada. Vou usar mão de ferro contra eles. Os chefes serão punidos e, se
possível, deportados para bem longe de suas terras e gente. Assim,
aprenderão que não é certo massacrar civilizados (...) Irei com uma
patrulha do Exército até uma aldeia dos índios e lá, em frente a todos,
darei uma bela demonstração de nosso poderio. Despejaremos rajadas de
metralhadoras nas árvores, explodiremos granadas e faremos muito
barulho, sem ferir ninguém, até que os Waimiri-Atroari se convençam de
que nós temos mais força do que eles".
Em sua entrevista ao jornal "O Globo", Amâncio
declarou ainda que iria "deter alguns índios (Waimiri-Atroari) e
mantê-los numa "fortaleza", "numa espécie de prisão", não só como
punição mas também para fazer-lhes pregações que os levem a ter medo dos
brancos". Amâncio disse ainda que ele e outros agentes estavam cansados
da "guerra sem armas" da FUNAI. E que a tradicional estratégia de
pacificação do órgão havia fracassado. Chegara a hora de usar meios mais
diretos, tais como dinamite, granadas, gás lacrimogêneo e rajadas de
metralhadora para dar aos índios "uma demonstração de força de nossa
civilização".
Deixar mais presentes para os Waimiri-Atroari,
segundo Amâncio, apenas daria a idéia de que eles estavam sendo
recompensados pelos ataques e massacres dos últimos anos. Amâncio
planejava construir uma fortaleza no Posto Indígena Abonari. Essa
fortaleza teria uma só entrada, com uma escada que seria erguida em caso
de ataque. A fortaleza abrigaria um arsenal de dinamite, foguetes,
bombas de gás lacrimogenio e granadas. Essa demonstração de força, dizia
ele, expulsaria os índios de seus esconderijos e abriria caminho para a
construção da estrada. Amâncio vinha do Rio Javari, com experiência no
uso desse tipo de estratégia, pois ali construiu fortaleza semelhante
para se proteger dos índios. Em seu livro Carvalho omite conscientemente
esse fato.
O
plano de Amâncio chocou a opinião pública e muitos apelaram ao
presidente da FUNAI para que abrisse o jogo sobre qual seria a política
oficial na estrada Manaus-Boa Vista. O general Ismarth, presidente da
FUNAI, e o seu ponta-de-lança no Amazonas, delegado regional Francisco
Mont’Alverne, aparentavam surpresa ante as declarações de Amâncio, mesmo
tendo o delegado regional participado da reunião que concluiu com o Of.
042/74.
Por pressão da opinião pública Amâncio foi afastado
do cargo pela Ditadura Militar, mas não da FUNAI. Na Nova República,
durante o Governo Sarney, passou a ocupar o segundo posto mais
importante, ou seja, de Superintendente da FUNAI no Amazonas, onde, em
pleno novo regime, se distinguiu pela aplicação dos métodos repressivos
dos militares ao indigenismo independente e à presença de jornalistas na
área.
O plano do seu substituto na Frente de Atração
Waimiri-Atroari, Apoena Meirelles, não divergia muito de seu antecessor.
Meirelles organizou uma expedição de 80 membros para contatar os
índios. Cinqüenta homens serviram como guardas. Os outros 30, chefiados
por ele, colocavam presentes em frente às aldeias Waimiri-Atroari,
tentando assim reconquistar a confiança dos índios. A construção da
estrada, no entanto, continuou. Mas Apoena foi mais sincero para com a
opinião pública. Sem revelar fatos, admitiu que foi usada a violência
contra os Waimiri-Atroari. "Em todos os conflitos houve baixas de ambos
os lados", - afirmou. "Em Brasília (...) todos pediam que eu tivesse
cuidado com os traiçoeiros Waimiri-Atroari. Mas a estória é outra, e
chegamos mesmo a mentir à opinião pública nacional, não contando a
verdade dos fatos que levam esses índios a trucidar as expedições
pacificadoras. (....) é a estrada que corta a sua reserva, proliferando o
ódio e a sede de vingança contra o branco invasor, foram os
assassinatos praticados pelos funcionários da FUNAI durante os dois
últimos conflitos."(...) "Os Waimiri-Atroari tombaram no silêncio da
mata e foram sutilmente enterrados e esquecidos no espaço e no tempo.
Hoje em dia vamos em missão de paz, de amizade com os índios, mas na
verdade estamos é trabalhando como pontas de lança das grandes empresas e
dos grupos econômicos que vão se instalar na área. Para o índio fica
difícil acreditar em missão de paz se atrás de você vem um potencial de
destruição ecológica." – Apoena Meirelles chefe da Frente de Atração
Waimiri-Atroari, ao Jornal Opinião, Rio de Janeiro, 17-01-75.
Sarney, Romero Jucá e José Porfírio de Carvalho
continuam ocupando postos de chave no Governo. Sarney como Presidente do
Senado, Romero Jucá como líder do Governo no Senado e Carvalho como
coordenador do Programa Waimiri-Atroari. O que podemos esperar de uma
investigação sobre os acontecimentos que resultaram na morte de mais de
2000 Waimiri-Atroari durante a Ditadura Militar?
Casa da Cultura do Urubuí/Pres. Figueiredo/Amazonas, 4 de setembro de 2011
Essa matéria faz parte de uma série. Leia também:
Fonte: CIMI
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