PICICA: "“Uma farsa.
Um ato vil de retaliação política e vingança pessoal, sem base
jurídica, tomado por uma maioria destituída de qualquer autoridade moral
para tanto, uma decisão ilegítima e vergonhosa.
Acrescente-se a isso o
formidável espetáculo de cinismo e baixeza que foi a sessão de votação, um momento repulsivo, simplesmente”.
A análise contundente é de Adriano Pilatti em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
Juridicamente, Pilatti sustenta que não houve crime de responsabilidade fiscal por parte da presidente Dilma, “conduta suscetível de ser enquadrada nas novas definições delitivas acrescentadas à Lei 1.079/50 pela Lei 10.028/00 no bojo da chamada política de responsabilidade fiscal”. Em sua opinião, é possível reverter a crise política imediatamente através de eleições gerais: “Seria a forma mais legítima, limpa, democrática, rápida e indolor de superar a crise”.
E acrescenta: “As graves imperfeições do sistema político brasileiro, que concorrem para a enorme crise de representatividade já denunciada pelas ruas de 2013,
podem ser corrigidas por alterações das leis complementares e
ordinárias que regulam o sistema representativo constitucionalmente
definido”."
'Há um país novo, produtivo, criativo, solidário querendo existir, mas sem contar com vias adequadas de representação". Entrevista especial com Adriano Pilatti
“Depois de domingo,
ninguém pode dizer que ignora a pequenez majoritária na suposta casa de
representação popular”, diz o professor do PPG em Direito da PUC-Rio.
Foto: www.camara.gov.br |
Acrescente-se a isso o formidável espetáculo de cinismo e baixeza que foi a sessão de votação, um momento repulsivo, simplesmente”.
A análise contundente é de Adriano Pilatti em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
Juridicamente, Pilatti sustenta que não houve crime de responsabilidade fiscal por parte da presidente Dilma, “conduta suscetível de ser enquadrada nas novas definições delitivas acrescentadas à Lei 1.079/50 pela Lei 10.028/00 no bojo da chamada política de responsabilidade fiscal”. Em sua opinião, é possível reverter a crise política imediatamente através de eleições gerais: “Seria a forma mais legítima, limpa, democrática, rápida e indolor de superar a crise”.
E acrescenta: “As graves imperfeições do sistema político brasileiro, que concorrem para a enorme crise de representatividade já denunciada pelas ruas de 2013,
podem ser corrigidas por alterações das leis complementares e
ordinárias que regulam o sistema representativo constitucionalmente
definido”.
Adriano Pilatti
é graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de
Janeiro - UFRJ, mestre em Ciências Jurídicas pela PUC-Rio e doutor em
Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro - Iuperj, com pós-doutorado em Direito Público Romano pela
Universidade de Roma I - La Sapienza. Foi assessor parlamentar da Câmara
dos Deputados junto à Assembleia Nacional Constituinte de 1988.
Traduziu o livro Poder Constituinte - Ensaio sobre as Alternativas da Modernidade, de Antonio Negri (Rio de Janeiro: DP&A, 2002). É autor do livro A Constituinte de 1987-1988 - Progressistas, Conservadores, Ordem Econômica e Regras do Jogo (Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008).
Confira a entrevista.
Foto: João Vitor Santos / Acervo IHU |
Adriano Pilatti - Uma farsa. Um ato vil de retaliação política
e vingança pessoal, sem base jurídica, tomado por uma maioria
destituída de qualquer autoridade moral para tanto, uma decisão
ilegítima e vergonhosa. Acrescente-se a isso o formidável espetáculo de
cinismo e baixeza que foi a sessão de votação,
um momento repulsivo, simplesmente. Trabalhei na Câmara como assessor
parlamentar e legislativo nos anos épicos de 1987-91 e tenho, como todos
os que conheceram o Congresso naquela época, a viva lembrança do nível de compostura que a simples presença do saudoso Ulysses Guimarães
impunha num plenário cuja composição majoritária não era assim muito
superior à de hoje. Mas os bufões de então sabiam bem até onde podiam ir
na frente do Dr. Ulysses e aos olhos de um eleitorado
em grande parte antiobscurantista. E isso num tempo em que pouquíssimos
parlamentares tinham coragem de se declararem abertamente de direita.
Já com uma figura inqualificável como a do atual presidente,
tudo é permitido, e a canalhice corre solta, despudoradamente. E diante
de uma “opinião pública” sensivelmente mais conservadora, o
reacionarismo e a truculência ganharam ares de nobreza. Penso que o
circo de horrores do último domingo calou fundo no senso de decência e
na sensibilidade de milhões de cidadãs e cidadãos, mesmo entre aqueles
que apoiam o impeachment, o que não deixa de ser
pedagógico. Depois de domingo, ninguém pode dizer que ignora a pequenez
majoritária na suposta casa de representação popular.
IHU On-Line - Analisando
juridicamente, houve ou não crime de responsabilidade fiscal por parte
da presidente Dilma? Há ou não, portanto, base legal para o impeachment
dela a partir dessa fundamentação?
Adriano Pilatti -
Decididamente não. Não houve, por parte da presidente, com cuja
“persona” e governo sabidamente não simpatizo, conduta suscetível de ser
enquadrada nas novas definições delitivas acrescentadas à Lei 1.079/50 pela Lei 10.028/00 no bojo da chamada política de responsabilidade fiscal
- que pode ser também designada como de irresponsabilidade social. Por
outro lado, também não houve violação da lei de responsabilidade fiscal,
mas ainda que tivesse havido, isso não configura crime de
responsabilidade por violação da lei orçamentária, pois qualquer
segundanista de Direito sabe que a lei de responsabilidade fiscal não é
lei orçamentária. Quanto a isso, a defesa do advogado-geral da União e
as manifestações do ministro Nelson Barbosa e do jurista Ricardo Lodi perante a comissão especial são irretocáveis.
“Depois de domingo, ninguém pode dizer que ignora a pequenez majoritária na suposta casa de representação popular” |
IHU On-Line - A quem cabe a
decisão sobre o impeachment? Alguns dizem que isso cabe ao Congresso
Nacional e outros ao STF. Quem decide?
Adriano Pilatti - Gostemos ou não, segundo a Constituição
a competência para decidir sobre a admissibilidade da instauração do
processo é da Câmara, assim como as competências para decidir sobre a
instauração do processo e sobre a absolvição ou condenação da presidente
são do Senado. O impeachment é um instituto híbrido, de natureza político-jurídica. O Judiciário, no caso o STF,
pode e deve assegurar o cumprimento das garantias do devido processo,
garantir a ampla defesa, mas as decisões de mérito são políticas. Se
assim não fosse, a competência não seria de instituições políticas, como
a Câmara e o Senado, mas do próprio STF, que a tem nos casos de crimes
comuns. Quanto a isso, penso que falece razão ao esperneio governista,
compreensível, mas infundado. Aliás, o próprio STF já sinalizou isso e, a
meu ver, o fez corretamente, do ponto de vista constitucional.
IHU On-Line - Seria possível convocar novas eleições neste momento? Como vê esse tipo de proposta agora?
Adriano Pilatti - Segundo as normas constitucionais em vigor, como se sabe, pode haver nova eleição direta presidencial se houver vacância dos cargos de presidente e vice nos dois primeiros anos dos mandatos; e eleição indireta pelo Congresso,
um erro grave da Constituinte de 1987-88, se ocorrer nos dois últimos
anos. É o que pode decorrer, por exemplo, de uma eventual decisão do TSE
ou do impedimento da presidente e do vice. Aí haveria uma eleição
isolada para o Executivo, que antigamente se dizia “eleição solteira”. O
que é um perigo, pois cria a possibilidade de aventuras pessoais de
outsiders, como se deu na única eleição isolada ocorrida sob a Constituição de 1988, a eleição de 1989 por força da grande trapaça que assegurou cinco anos de mandato ao inesquecível Sarney. E naquela experiência elegeu-se exatamente um aventureiro, sem base político-partidária consistente, o também inesquecível Collor.
Na sua ânsia de revanche e poder, Marina
brinca com fogo quando propõe essa saída, pois isso pode eventualmente
levar ao segundo turno uma figura nefasta como aquela que ousou
abjetamente invocar o torturador de Dilma na sessão de
votação de domingo. Alguns, como eu, consideram que numa situação
extraordinária, de crise grave entre os poderes constituídos, como a que
temos hoje, a grande saída seria a cidadania se mobilizar para a
realização de eleições gerais, e com tal intensidade que forçasse
Executivo e Legislativo a pactuarem uma saída extraordinária que poderia
ser formalizada por uma emenda à Constituição que abreviasse os
mandatos dos dois poderes e convocasse novas eleições para ambos.
Se existe crise de
legitimidade e estabilidade entre os poderes constituídos
representativos, a competência para resolvê-la deve ser devolvida ao
poder constituinte, nós, o povo. É o que já dizia Emmanuel Joseph Sieyès, o grande teórico do poder constituinte moderno, em seu clássico panfleto “O Que É o Terceiro Estado?”
Se os congressistas decidirem entregar a solução da crise ao
eleitorado, com apoio do governo, penso que dificilmente o STF
invalidaria essa decisão, pois seria uma forma de superar a crise,
canalizar o que ameaça se transformar em confronto violento para uma
disputa eleitoral renovadora. A partir daí, quem vencesse governaria, e
os perdedores concordariam. Parece um sonho, mas seria a forma mais
democrática de sairmos do pesadelo atual, e dos que se anunciam.
“À exceção da saída por meio de eleições gerais, todas as demais alternativas são tétricas” |
IHU On-Line - Alguns têm
defendido uma Constituinte Exclusiva. Como avalia essa proposta? Quais
seus limites e possibilidades? Há riscos de se reescrever toda a
Constituição?
Adriano Pilatti - É controverso, poderia haver questionamento judicial. Além disso, não considero que a Constituição de 1988 seja o problema. As graves imperfeições do sistema político brasileiro, que concorrem para a enorme crise de representatividade já denunciada pelas ruas de 2013,
podem ser corrigidas por alterações das leis complementares e
ordinárias que regulam o sistema representativo constitucionalmente
definido.
Mudar a Constituição
para quê? Para substituir o sistema proporcional, o mais justo e o que
melhor reflete, em distribuição de cadeiras legislativas, a distribuição
das preferências do eleitorado? Para adotar o chamado “voto distrital”
que ajudou a fazer o descalabro da República Velha? Para adotar um
hibridismo alemão incompatível com a vastidão da nossa Federação, o tal
sistema misto? Para limitar a pauladas o número de partidos por meio de
cláusulas de barreira e, assim, a expressão do pluralismo? Para
instaurar o parlamentarismo, anulando a conquista das “Diretas” e entregando todo o poder à Câmara dos Deputados?
Composição “virginal”
Reforma política pela
via constitucional, a meu ver, só interessa à agenda conservadora, e a
esquerda que sonha com ela também brinca com fogo, com enormes chances
de se queimar. Além disso, a ideia de uma “Constituinte Exclusiva”,
esse nome tornado mantra, na verdade é embalada por uma superstição: a
de que, pelo simples fato de ser exclusiva, ela teria uma composição por
assim dizer “virginal”, imune à influência do capital, do fanatismo
religioso etc., o que é apenas uma tolice. Essas influências se farão
sentir, e poderão determinar graves retrocessos, ao menos agora, neste
momento de ao menos aparente hegemonia conservadora.
IHU On-Line - Ainda vê alguma possibilidade de resolver a crise política?
Adriano Pilatti - Sim, com eleições gerais já.
Seria a forma mais legítima, limpa, democrática, rápida e indolor de
superar a crise. As alternativas “realistas” sobre a mesa só prolongam a
agonia e aprofundam a crise de legitimidade.
IHU On-Line - Como deve se desenhar o desdobramento da crise política daqui para frente?
Adriano Pilatti - À exceção da saída por meio de eleições gerais, todas as demais alternativas são tétricas, recapitulemos.
Cenário 1 - o governo Dilma sobrevive, o que é quase impossível: não haverá, ainda uma vez, a decantada “guinada à esquerda” pela qual os governistas anseiam, ou fingem ansiar, como os lusitanos ansiavam pelo retorno de D. Sebastião, e que ficarão esperando em vão até a decrepitude, pois Dilma
não terá outra alternativa senão aprofundar as maldades conservadoras
que já pratica e propõe, seja na área econômica, seja na relação com os
movimentos sociais.
Cenário 2 - Dilma cai, Temer assume e termina o mandato: aí teremos o conservadorismo sem peias e o pleno retorno das políticas demofóbicas do passado.
Cenário 3 - Dilma e Temer caem e ocorre eleição isolada para a Presidência: brindaremos ao imponderável.
“Por que não entendemos que, sempre que ameaçados de perder o poder e as boquinhas, os petistas falarão em golpe, haja ou não haja um?” |
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Adriano Pilatti -
Precisamos, com a máxima urgência, deixar para trás esse binarismo
falido e odiento. Por que devemos nos sentir eternamente condenados a
escolher entre os autores de um inegável estelionato eleitoral, os
autores da lei antiterrorismo
e outras coisas hediondas, de um lado, e os que consideram que toda
forma de chegar ao poder vale a pena se for para satisfazer os apetites
mais baixos da camada dominante, de outro?
Por que nos condenamos à servidão
voluntária de escolher entre dois, ou três, projetos de corrupção? Por
que não nos voltamos para a política dos movimentos por direitos, para a
política insurgente uma juventude que “não quer só comida”, mas direito
à cidade, aos serviços públicos, à autonomia e à vida boa? Por que não
entendemos que, sempre que ameaçados de perder o poder e as boquinhas,
os petistas falarão em golpe, haja ou não haja um? Por que aceitamos que a alternativa a isso é voltarmos doze casas até os sórdidos anos FHC ou chafurdarmos de vez no lamaçal peemedebista? Por que temos aceitado, ao menos desde 2013, amesquinhar nossos sonhos?
Há um país novo, produtivo, criativo,
solidário querendo existir sem contar com vias adequadas de
representação. Bem poderíamos nos dedicar a buscar os meios para abrir
esses caminhos.
Entrevista de Patricia Fachin e edição de Márcia Junges
Para ler mais:
Fonte: IHU
Nenhum comentário:
Postar um comentário