abril 08, 2016

Pura e os mundos que (quase) não se tocam. Por Bianca Pinheiro (OBVIOUS)

PICICA: "Filme sueco de 2010, Pura retrata as relações de desigualdade social no país que possui uma das melhores qualidades de vida do mundo."

pura e os mundos que (quase) não se tocam


Filme sueco de 2010, Pura retrata as relações de desigualdade social no país que possui uma das melhores qualidades de vida do mundo.


Uma das mais novas queridinhas de Hollywood é Alicia Vikander. E não é para menos, afinal de contas ela é uma ótima atriz. Foi pensando nisso que, depois de já ter assistido O amante da rainha, Ex-Machina e A garota dinamarquesa, resolvi vasculhar sua filmografia em busca de obras menos conhecidas. Foi assim que me deparei com Pura (Till det som är vackert), filme sueco de 2010 dirigido por Lisa Langseth.

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Pura conta a história de Katharina, uma jovem pobre, com transtornos familiares e um histórico de envolvimentos amorosos problemáticos. A menina revela logo na primeira cena sua insatisfação com os homens e com o sexo, confessando ao espectador que cansou de breves casos sexuais, desejando, agora, algo puro. Essa mudança de perspectiva ocorreu a partir do momento em que Katharina conheceu Mozart e mergulhou na profundidade de suas composições.

Katharina é uma solitária. Descontente com o comportamento de sua mãe alcóolatra, afasta-se dela o quanto pode. Morando com um namorado com quem nunca troca carícias, raramente conversa e pouco – ou nada – tem em comum, a garota tem uma existência sem sabor, contra a qual encontra refúgio na música clássica. O isolamento de Katharina é marcado pela baixa profundidade de campo que a destaca dos demais elementos do quadro.

Quando Katharina vai a um concerto de Mozart em um refinado teatro de sua cidade, percebemos a emoção da personagem, que fica com os olhos úmidos ao ser invadida pelo poder da orquestra. Para ela, aquele momento é mágico, e aquele local, o paraíso. É por isso que a menina volta ao lugar e, ainda que estivesse fechado, resolve entrar furtivamente para assistir ao ensaio dos músicos, e acaba surpreendida por uma oportunidade de trabalhar como recepcionista do teatro.

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A partir de então, Katharina entra em contato com uma realidade totalmente nova, plena de cultura e intelectuais. Ela deseja fazer parte desse universo, rejeitando ainda mais o seu mundo, que considera repleto de pessoas desinteressantes e superficiais. Assim, a menina começa a viver em uma espécie de limbo, entre duas realidades completamente distintas, sem pertencer a nenhuma delas.

Assim que o maestro Adam começa a demonstrar interesse por Katharina, ela se sente valorizada, e fica encantada com todo o conhecimento que aquele homem é capaz de lhe oferecer. Livros de filósofos clássicos e músicas de compositores eruditos passam a fazer parte de sua rotina à medida que Katharina e Adam se envolvem. Adam não é somente muito mais velho que Katharina, o que por si só já confere uma relação de autoridade e hierarquia entre os personagens, mas também faz parte daquele universo no qual ela tanto deseja entrar. Assim, o homem acaba representando diante dela uma espécie de Deus capaz de limpá-la, purificá-la, de sua existência medíocre.

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A transformação de Katharina durante o longa é notável: de menina extremamente magra e sem vaidade a uma mulher mais encorpada e preocupada com a aparência. O figurino da personagem vai de camisetas largas e jeans a blusas mais justas e femininas. Até seu semblante muda: o olhar vazio e distante do início do filme é substituído pelo brilho nos olhos e por aqueles sorrisos gerados pelo encantamento que só os apaixonados são capazes de conhecer. Vikander dá vida à personagem de forma equilibrada e sutil, com uma atuação que nos comunica o interior de Katharina por vezes sem uma palavra sequer.

No auge de minha inocência, pensei que a Suécia – terra de Bergman e Os homens que não amavam as mulheres conhecida por seus altos padrões de vida – não tivesse problemas tão gritantes de desigualdade social. Mas é justamente sobre isso que Pura trata: um abismo entre realidades quase incapazes de se tocar. Adam vê em Katharina uma serviçal, alguém que está ali para satisfazê-lo e, portanto, alguém menor e sem valor. Depois de umas transas, ele a dispensa, a humilha e a manda embora do trabalho. Nesse sentido, Adam representa o status quo, o colonizador, o capital, que parece amigável em um primeiro momento, mas explora até a última gota para descartar logo em seguida. Adam, que aparentava ser uma porta de entrada ao mundo culto e refinado, não é nada mais, nada menos, do que a representação dos mecanismos de estratificação social. Adam é o maestro: é ele quem coordena toda a orquestra.

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Ao longo do filme, percebemos como Adam é culto e, ao mesmo tempo, alienado. Rodeado por sua cultura erudita, debocha daqueles que só se preocupam com a “lavanderia”, sem perceber que, talvez, algumas pessoas só podem se preocupar, realmente, com as questões mundanas, pois nunca tiveram a oportunidade de fazer diferente, não sabem que podem fazer diferente ou, quando tentam, são impedidas por um muro invisível, mas feito de um concreto quase impossível de derrubar. Dessa maneira, Adam é hipócrita, e se revela o verdadeiro sujo e “impuro” da história. Apesar de seu poder de materializar as grandes composições da música por meio de sua orquestra, o homem é mesquinho e vazio. Katharina, por sua vez, mostra que é a personagem forte da obra, pois consegue driblar os obstáculos impostos e alcançar seus desejos.

A direção de Lisa Langseth é concisa e sem rodeios. Langseth não teme deixar o espectador desconfortável. É esse o sentimento que nos toca durante grande parte do filme, em cenas como aquela em que Adam pede para Katharina dançar ou aquela em que a menina mente para a entrevistadora quanto às habilidades musicais e à trajetória de sua mãe. Apesar de tratar de uma personagem controversa, Langseth retrata Katharina de maneira humanizada e sensível, sem julgamentos, denunciando a desigualdade social e o machismo.



Bianca Pinheiro

Geminiana um tanto quanto atípica, prefere escrever a falar. Nutre grande apreço por filmes, séries, livros e música - não necessariamente nessa ordem.

Fonte: OBVIOUS

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