PICICA: "(...) quantas presas políticas você conhece? Acredito
que, como eu, poucas. Um dos únicos contatos que tive com uma dessas
mulheres foi com Olga Benário em uma aula de Ensino Médio. Porém, até
mesmo nesse momento, só tive contato com a citação de seu nome. Foi por
minha conta o aprofundamento sobre sua história: li sobre ela e
encontrei o filme Olga. Eram os primórdios da minha luta
feminista e me emocionei vendo a história dessa mulher que deu sua vida
por um ideal e, às vezes, é deixada de lado em prol da figura de Luis
Carlos Prestes. Afinal, Olga era a
esposa, e, como tal, colocada sempre à sombra do marido. Já as
combatentes mais conhecidas, como a presidenta, são alvos de menosprezo
pela sua luta. Não importa aqui questões de partido ou ideologia: o que
importa é que milhares de mulheres foram violentadas e devem ser
lembradas e respeitadas.
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Presas políticas, violências específicas: por que ninguém fala sobre isso?
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Cerca de um mês atrás, eu estava
sentada nos banquinhos de uma lanchonete da faculdade. Ao meu lado, uma
senhora conversava com um rapaz que tinha acabado de conhecer, e, como
todas conversas aleatória, chegou um momento em que surgiu o assunto
política. Criticaram o governo e a presidenta, algo bem recorrente nesse
momento de crise, mas, o que me chocou não foi isso: foi a
desvalorização da luta de Dilma na Ditadura. A senhora disse que a atual
presidenta ganhou destaque porque era amante de um militante, mas ela
mesma, não fazia nada. Fiquei pensando: será que até nisso as pessoas
dão mais valor para as relações (existentes ou não) das mulheres do que
aos seus atos? Porque de uma coisa eu sei: Dilma lutou sim,
independentemente de outros fatores. Ela foi presa e sofreu violências
desumanas sim, sofreu violências específicas por ser mulher e ter seu
sistema reprodutor dominado pelo patriarcado.
Agora,
voltando nossos olhos para nosso conhecimento sobre a história das
mulheres nas Ditaduras: quantas presas políticas você conhece? Acredito
que, como eu, poucas. Um dos únicos contatos que tive com uma dessas
mulheres foi com Olga Benário em uma aula de Ensino Médio. Porém, até
mesmo nesse momento, só tive contato com a citação de seu nome. Foi por
minha conta o aprofundamento sobre sua história: li sobre ela e
encontrei o filme Olga. Eram os primórdios da minha luta
feminista e me emocionei vendo a história dessa mulher que deu sua vida
por um ideal e, às vezes, é deixada de lado em prol da figura de Luis
Carlos Prestes. Afinal, Olga era a
esposa, e, como tal, colocada sempre à sombra do marido. Já as
combatentes mais conhecidas, como a presidenta, são alvos de menosprezo
pela sua luta. Não importa aqui questões de partido ou ideologia: o que
importa é que milhares de mulheres foram violentadas e devem ser
lembradas e respeitadas.
Além se
sofrerem o peso de Ditaduras, as mulheres tinham uma peculiaridade:
serem mulheres. Se sofremos cotidianamente uma violência específica, as
presas políticas também não tinham o mesmo tratamento dos homens. No
artigo Militância Libertária, da Revista de História da
Biblioteca Nacional, pode-se ver que: “A militância era, em si, um
instrumento de emancipação. Ao cair nas mãos da repressão e da tortura,
essa transgressão de gênero resultava também em punições específicas,
como diversas formas de abuso sexual e humilhações sofridas pelas
mulheres pelos seus torturadores que eram homens. Foi no exílio que
muitas militantes se tornaram feministas.”
Às
vezes, paro para pensar que, mesmo a maioria das pessoas sabendo que o
estupro era – e ainda é – uma prática de castigo comum em períodos de
ditaduras e guerras, não fazemos a ideia da real proporção disso. Uma
busca, até mesmo no Wikipedia, podemos nos deparar com dois milhões de
mulheres alemãs estupradas na Segunda Guerra, dado existente, mas pouco
conhecido. E nas guerras coloniais da África? E nas ditaduras? Quantas
foram? Há muita história ainda desconhecida sobre a violência contra a
mulher. Pouca gente se preocupa em contabilizar os filhos e filhas
desses ventres corrompidos pelo patriarcado, afinal, são inúmeros.
Além
dessa violência, as mulheres grávidas, além de terem uma gravidez e um
parto em péssimas condições, ainda tinham seus filhos tirados de si e
não sabiam para onde seriam levados. Olga Benário, ao dar à luz à Anita
Prestes, nunca soube que sua filha estaria em boas mãos na família de
seu marido. Porém, a maioria das crianças nessa situação eram entregues à
desconhecidos. Somente nesse ano tive uma maior conhecimento das
“Abuelas de la Plaza de Mayo”, através de uma aula sobre a ditadura na
Argentina. Para quem não conhece, é um movimento de senhoras que tiveram
seus filhos mortos na ditadura, mas que procuram seus netos. Já os
filhos das presas políticas eram levados para a “adoção”, já que, na
verdade, muitas dessas crianças eram compradas ilegalmente por casais
que não podiam ter filhos.
Toda
essa violência parece coisa de mais de 50 anos atrás, mas ela não se
extinguiu, apenas se modificou. As presas de hoje são totalmente
ignoradas no que se refere às suas necessidades específicas, como falta
de absorventes e péssimas condições para a amamentação de seus filhos.
Com o corpo do homem sendo modelo na sociedade falocêntrica, o sistema
reprodutor feminino e suas necessidades são totalmente ignorados, tal
como nossos outros direitos.
Hoje,
anos depois da ditadura brasileira, muitas presas da época finalmente
relatam o que passou, e elas devem ser ouvidas. A violência cometida
contra elas ainda mora ao lado, seja no Brasil, nos conflitos africanos,
no Oriente ou em Paris, com seus atentados e refugiadas. Enfim, em
qualquer lugar em que haja mulheres. Dar valor à história delas é
conhecer a nossa própria e das meninas que virão, pois, como mulheres e
feministas, estamos atrás de nossos direitos, mas também da justiça por
aquelas que se sacrificaram por eles antes de nós.
Fonte: LADO M
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