PICICA: "“A atual crise política por que estamos passando deve também levar a uma reflexão sobre o futuro da política energética no país”, alerta Célio Bermann em entrevista à IHU On-Line. Pessimista diante da possibilidade de haver mudanças na política energética brasileira nos próximos anos, o professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo afirma que o Plano Decenal de Energia
está “deslocado” da realidade, mas “a tarefa governamental tem sido a
de buscar, a todo custo, a garantia para a oferta de uma demanda que, na
crise atual, está na verdade diminuindo”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, Bermann critica a referência de segurança energética
adotada pelos últimos governos, porque ela favorece “que os interesses
empresariais se sobressaiam”, e sugere, em contrapartida, que se adote o
conceito de eficiência energética, que tem como fundamento “utilizar a
energia disponível, tanto a eletricidade quanto os combustíveis, de
forma mais eficiente, porque hoje o consumo se dá de forma extremamente
ineficiente: gasta-se muito mais energia do que aquela que poderia ser
consumida para satisfazer as necessidades energéticas”. Para isso,
pontua, seria necessária uma mudança nas políticas industrial e
energética, porque o modo como elas se “estabeleceram em nosso país é um
exemplo de falta de eficiência energética”."
Qual é o futuro da política energética brasileira? Entrevista especial com Célio Bermann
“O próprio governo se
mantém cego à perspectiva de contribuir de uma forma evidente para a
melhoria da eficiência no consumo de energia no nosso país”, afirma o
pesquisador.
Imagem: calderas-de-gas-calentadores.com |
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, Bermann critica a referência de segurança energética
adotada pelos últimos governos, porque ela favorece “que os interesses
empresariais se sobressaiam”, e sugere, em contrapartida, que se adote o
conceito de eficiência energética, que tem como fundamento “utilizar a
energia disponível, tanto a eletricidade quanto os combustíveis, de
forma mais eficiente, porque hoje o consumo se dá de forma extremamente
ineficiente: gasta-se muito mais energia do que aquela que poderia ser
consumida para satisfazer as necessidades energéticas”. Para isso,
pontua, seria necessária uma mudança nas políticas industrial e
energética, porque o modo como elas se “estabeleceram em nosso país é um
exemplo de falta de eficiência energética”.
Célio Bermann
(foto abaixo) é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade
de São Paulo - USP, mestre em Planejamento Urbano e Regional pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e doutor em Planejamento
de Sistemas Energéticos pela Universidade Estadual de Campinas -
Unicamp. É professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP.
Confira a entrevista.
Foto: www.iea.usp.br |
Célio Bermann – De uma forma geral, tanto no Brasil como no panorama internacional, a condição preconizada em todos os planos de energia é a segurança energética.
Busca-se, portanto, tanto no sistema capitalista quanto nas
experiências comunistas mal sucedidas no século XX, produzir mais
energia para trazer maior segurança.
Segurança energética
Essa posição, inclusive, é preconizada pela Agência Internacional de Energia,
conforme aponta um documento de 2014, no qual a Agência aponta a
segurança energética como a forma pela qual os investimentos na
ampliação da oferta de energia devem seguir a linha do desenvolvimento
econômico. Portanto, essa definição de segurança energética reproduz as
bases do sistema capitalista, no sentido de procurar garantir que os
recursos naturais e as forças produtivas sejam alocados e organizados
com vistas à reprodução ampliada e à máxima remuneração do capital.
Do mesmo modo, no Brasil os investimentos na ampliação da oferta energética estão alinhados com o desenvolvimento econômico e são apresentados anualmente nos Planos Decenais de expansão de energia, elaborados pela Empresa de Pesquisa Energética, subordinada ao Ministério de Minas e Energia. Assim, como as previsões de crescimento do Produto Interno Bruto - PIB são superdimensionadas, a demanda energética prevista também acaba sendo superdimensionada.
No caso da eletricidade, a relação entre o crescimento da demanda por eletricidade e o crescimento do PIB é
da ordem de 1,3, isto é, para cada unidade de crescimento do PIB são
necessárias 1,3 unidades de energia elétrica. Isso acontece em função
das características do perfil industrial brasileiro, dado que cerca de
50% da demanda por eletricidade provém do setor industrial e a metade
desta demanda (ou 25%) provém do aumento da capacidade de produção das
assim denominadas indústrias eletrointensivas.
Essa situação configura o panorama
energético brasileiro e esse panorama ressalta a crescente demanda por
eletricidade no país, que encontra, na opinião pública, uma aceitação
generalizada. Isso acontece porque naturalmente ninguém quer que falte
luz ou que ocorram apagões, pois a disponibilidade de energia elétrica é
absolutamente vital para a população brasileira, para que ela possa
usufruir das benesses que os serviços energéticos proporcionam: força
motriz para o funcionamento dos equipamentos eletrodomésticos,
iluminação, refrigeração, entre outros. Esse sentimento de que não pode
faltar energia é corroborado pela percepção de que o governo, ao ampliar
a oferta de eletricidade, está assegurando a energia para o
desenvolvimento do país. Isso explica porque a população brasileira, de
modo geral, não se opõe à construção de hidrelétricas na Amazônia, porque, segundo a propaganda do governo, são elas necessárias para o alegado desenvolvimento do país.
Esse é o contexto em que estamos vivendo
e, é preciso lembrar, sempre vivemos nos últimos tempos. Sempre existiu
o que podemos chamar de uma amálgama de interesses empresariais na produção hidrelétrica, que são apresentados de forma recorrente nos diversos documentos governamentais.
“Sempre existiu o que podemos chamar de uma amálgama de interesses empresariais na produção hidrelétrica, que são apresentados de forma recorrente nos diversos documentos governamentais” |
IHU On-Line – Então, segundo o
que o senhor diz, não há necessidade de ampliar a oferta energética no
Brasil? Que conceito sugere para substituir o da segurança energética?
Célio Bermann – É preciso abandonar a referência de segurança energética
como eixo para as políticas a serem desenvolvidas no setor de energia,
porque ela acaba possibilitando que os interesses empresariais se
sobressaiam. Atualmente a tarefa governamental tem sido a de buscar, a
todo custo, a garantia para a oferta de uma demanda
que, na crise atual, está na verdade diminuindo. Pelo que se observa, a
demanda tanto por combustíveis quanto por eletricidade, em função da crise econômica, tem diminuído.
Vejamos o exemplo da produção de alumínio primário. Sabemos que grande parte da energia produzida em Tucuruí é dirigida para duas fundições de alumínio – a Albrás e a Alumar, em São Luís do Maranhão.
Comparando os dados de 2005 com os de 2014, percebemos que houve uma
redução significativa da produção de alumínio primário: em 2005 o Brasil
produzia 1,497 milhão de toneladas de alumínio primário. Essa produção
caiu para 962 mil toneladas em 2014. Os dados de 2015 apontam uma
redução ainda maior, para 772,2 mil toneladas, ou seja, em 10 anos a
produção de alumínio caiu pela metade. Isso pode ser saudado como um
resultado positivo para o Brasil, embora eu sempre faça referência ao
fato de que os planos decenais de energia recentes (2014–2023) apontam,
para 2020, um aumento da produção de alumínio primário para chegar a
2,540 milhões de toneladas. Isto não está ocorrendo, mas tal perspectiva
acaba aumentando de forma irreal a demanda por eletricidade.
Isso mostra o descolamento do planejamento energético
em relação aos fatos. Enquanto o alumínio primário em 2008 tinha uma
capacidade instalada da ordem de 1,6 milhão de toneladas, essa
capacidade instalada ainda se manteve, mas a única planta que continua
produzindo como produzia nos últimos anos é a Albrás, que tem 98% de sua
produção destinada ao Japão.
Ainda, para se ter outra ideia, a
expectativa brasileira era de que houvesse um crescimento da produção do
aço bruto, que saltaria de 33 milhões de toneladas em 2014 para 72,3
milhões de toneladas em 2019. É esta previsão que baliza a expansão de
eletricidade através dos documentos oficiais, e é esse balizamento que
condeno. Procuro evidenciar a necessidade de redefinição da forma como o
planejamento energético é feito no Brasil. Isso tudo envolve,
inclusive, a não presença, na formulação das políticas energéticas, de
dois membros que estão previstos no Conselho Nacional de Política Energética, que foi criado em 1997, no final do 1º governo Fernando Henrique: a presença de um representante da academia e de um representante da sociedade civil, ambos especialistas em energia.
Esses dois postos, depois do primeiro governo Lula
e nos últimos 14 anos, não estão sendo preenchidos, e são eles que
possibilitariam um envolvimento no acesso à informação e numa discussão
mais ampla para a definição da política energética do
país. Então, além do descolamento da realidade, o planejamento
energético hoje no Brasil não possibilita que se abra a caixa preta
energética do país. Essa caixa preta poderia ser aberta com a presença
de representantes da sociedade civil e da academia.
Alternativas
Além de abandonar a referência da segurança energética, a principal referência que se poderia fazer em relação ao suprimento de energia, é dar uma atenção maior ao conceito de eficiência energética.
Isto é, utilizar a energia disponível, tanto a eletricidade quanto os
combustíveis, de forma mais eficiente, porque hoje o consumo se dá de
forma extremamente ineficiente: gasta-se muito mais energia do que
aquela que poderia ser consumida para satisfazer as necessidades
energéticas.
O modo como as políticas industrial e energética se estabeleceram em nosso país é um exemplo de falta de eficiência energética.
Por exemplo, atualmente 98% dos automóveis saem de fábrica com motor bicombustível
(também chamado de carros flex), adaptado tanto para gasolina quanto
para etanol, e essa alternativa, lançada a partir de 2004, foi saudada
como o grande avanço tecnológico brasileiro. Entretanto, o fato é que o
motor desses carros não é otimizado nem para gasolina nem para etanol.
Esses motores trabalham com uma taxa de compressão fixa estabelecida na
média entre a taxa de compressão ótima para a baixa octanagem da
gasolina, e a taxa de compressão ótima para a alta octanagem do etanol. O
resultado disso é que o consumo de combustível, tanto de gasolina como
de etanol, é maior que o necessário.
Diversas análises de desempenho dos
carros flex têm demonstrado que o consumo de gasolina é cerca de 17% a
23% superior em relação ao consumo do motor monocombustível à gasolina,
mesmo considerando que estes automóveis já utilizam uma mistura de 20% a
25% de etanol anidro. O mesmo acontece quando se compara o desempenho
do motor flex em relação aos automóveis com motor monocombustível com
etanol hidratado. Maior consumo significa também maiores emissões.
Temos, portanto, um parque de automóveis flex ineficiente e esta
ineficiência está sendo apregoada pelas montadoras e pelo governo
brasileiro como a solução que deve ser reproduzida no mundo inteiro.
A indústria automobilística
tem trabalhado com a possibilidade de resolver e superar esse problema.
O desafio tecnológico atual está no desenvolvimento de motores flex com
compressão variável, ou na adoção de turbocompressores com injeção
direta ou indireta, onde a taxa de compressão poderia ser mantida fixa.
Mas a tecnologia disponível para resolver essa questão custa
aproximadamente 30% do valor do automóvel, o que torna inviável
comercialmente introduzir essa inovação tecnológica nos motores
bicombustíveis. Então, a população brasileira é obrigada a usar o modelo
que está disponível.
“O modo como as políticas industrial e energética se estabeleceram em nosso país é um exemplo de falta de eficiência energética” |
IHU On-Line – Então sua proposta
de eficiência energética consiste em sugerir mudanças para o setor como
um todo, inclusive em relação à eficiência dos automóveis?
Célio Bermann – Sim, e isso torna a situação energética
muito mais complexa, porque envolve não apenas a política pública
energética, mas também a política pública industrial, de forma a
promover a eficiência energética nos próprios bens que são produzidos.
Esse é um aspecto bastante importante, já que estamos falando em
eficiência energética. Esse esforço vem sendo disseminado há algum tempo
pelo governo brasileiro em relação aos equipamentos de
eletrodomésticos, como geladeiras com selos Procel, mas
o fato é que os equipamentos mais eficientes são também mais caros.
Embora o consumidor possa estar sensibilizado de que o investimento
feito na compra de uma geladeira mais eficiente compensa a longo prazo, o
preço do produto recai sobre o seu bolso.
Para tratar essa questão, apontaria a
necessidade de se ter um fundo, que poderia ser do Banco Nacional do
Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, para
subsidiar a aquisição de equipamentos mais eficientes. Estou mencionando
a geladeira como exemplo, mas isso também se estende a fogões,
liquidificadores e demais eletrodomésticos. Esse tipo de política
possibilitaria que o consumidor utilizasse uma parte desse fundo para
complementar a aquisição de um equipamento mais eficiente. Nesse
sentido, o BNDES poderia parar de financiar grandes e caras obras e
passar a financiar o consumo de bens mais eficientes.
O envolvimento do BNDES no investimento à construção da Usina de Belo Monte
é estarrecedor: a quantidade de recursos (80% dos custos de
investimento) que são provenientes dos fundos públicos, fundamentalmente
do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, para serem dirigidos para uma megaobra, que tem apresentado sérios problemas do ponto de vista ambiental e social, é absurda.
O consumo residencial
de energia elétrica corresponde a 25% do consumo total. Ou seja, o
consumo residencial apresenta a mesma ordem de grandeza que o consumo
das indústrias eletrointensivas. É preciso priorizar o atendimento à
demanda residencial no país, e este atendimento passa por medidas de eficiência energética
no consumo final e em fontes de geração de dimensão pequena,
disseminadas pelo território brasileiro, baseada nas fontes renováveis.
Ao mesmo tempo, é preciso articular a política energética a uma política industrial
que incentive a produção de bens com maior valor agregado. Isso
significa interromper a perspectiva de aumento de bens primários (aço
bruto, alumínio primário, ferroligas, entre outros) e privilegiar
setores produtivos mais eficientes, com mais tecnologia.
IHU On-Line – O senhor critica o
“descolamento” dos planos de energia e diz que eles estão descolados da
realidade. Como, então, deveria ser elaborado o Plano Decenal de
Expansão de Energia, para dar conta da realidade?
Célio Bermann – O planejamento energético foi redefinido no primeiro governo Lula,
mas abandonou as diretrizes que tinham sido formuladas no seu plano de
governo. O descolamento da realidade persiste e acaba definindo a
necessidade de expansão na produção de petróleo, de gás natural e de
eletricidade, prioritariamente a partir de grandes empreendimentos hidrelétricos.
O assunto energia é referenciado como um
assunto restrito a especialistas, quando na verdade ele envolve o dia a
dia do cidadão comum. Como já salientei, o Conselho Nacional de Política Energética
não conta, entre seus membros, com representantes da academia e da
chamada sociedade civil. Então, esse distanciamento não é fortuito. Ele é
pensado como forma de fazer prevalecer os interesses empresariais
imiscuídos no governo como interesses públicos, em detrimento da
sociedade.
“O assunto energia é referenciado como um assunto restrito a especialistas, quando na verdade ele envolve o dia a dia do cidadão comum” |
IHU On-Line - São os interesses empresariais que impedem a discussão da eficiência energética?
Célio Bermann – Claro! O próprio governo se mantém cego à perspectiva de contribuir de uma forma evidente para a melhoria da eficiência no consumo de energia
no nosso país. Sinto que é muito difícil mudar essas coisas se não
houver um envolvimento da sociedade para exigir essas mudanças. Não cabe
ao acadêmico Célio Bermann ficar buscando redefinir a política energética.
Isso só será possível com o envolvimento da sociedade, e esse
envolvimento não existe atualmente. Não há fóruns de discussão; há
esforços marginais envolvendo movimentos sociais e ONGs,
que buscam se transformar em atores no processo de redefinição da
política energética. Mas não se confere espaço para esse tipo de
intervenção.
No Instituto de Energia e Ambiente da USP, realizamos um estudo que consistiu em comparar o Plano Decenal de Energia que foi lançado em novembro de 2014, cobrindo o período de 2014 a 2023, e submetido pelo Ministério de Minas e Energia
ao que eles chamaram de “consulta pública”. Nós analisamos a primeira
versão submetida à consulta pública e fizemos uma comparação das mais de
quatrocentas páginas do Plano Decenal na sua versão final, apresentada a
público como último ato do Ministro Edson Lobão, antes
de ele abandonar o governo no início de 2015. No último parágrafo da
sua apresentação, o então ministro fez a seguinte menção:
“Ao apresentar o Plano Decenal de
Expansão de Energia – PDE 2023, resultado de um processo interativo de
planejamento energético, subsidiado por estudos da Empresa de Pesquisa
Energética, o Ministério de Minas e Energia agradece a colaboração
recebida por meio da consulta pública, da qual participaram entidades da
sociedade civil, órgãos governamentais, empresas e agentes do setor
energético”.
Em realidade, o texto final só teve duas
modificações de conteúdo: a primeira reelaborando a metodologia de
avaliação do sistema de transporte de gás natural - abandonaram, na versão preliminar, o modelo de expansão do gás natural que tinha sido definido pelo Plano Decenal de Expansão da Malha de Transporte Dutoviário - PEMAT e seguiram outro modelo na versão final; e fizeram uma modificação no uso energético de um derivado de petróleo – a nafta. Essas foram as duas únicas modificações de um Plano Decenal “submetido” à consulta pública.
Durante esse processo, as críticas e proposições que foram encaminhadas - através de um e-mail que o Ministério de Minas e Energia
apresentou para o envio de críticas e propostas ou proposições - não
estiveram abertas ao público, então não se sabe o que foi proposto,
muito menos por quem. E pior do que isso, o mais evidente é que não
houve nenhuma modificação substancial no Plano. Esse afastamento, que é
intencional, no meu modo de ver, acaba também dificultando o
envolvimento da população brasileira em participar das definições da política energética no país.
Em resumo, a propalada “consulta pública ao PDE 2023” tratou-se de uma falsidade, algo que não aconteceu e que não tem acontecido se consideramos o último PDE 2024.
IHU On-Line - Como a transição energética deveria ser pensada, considerando a atual situação do petróleo no mundo?
Célio Bermann – Há dois anos, em uma matéria do IHU, fiz menção às diversas alternativas que poderiam evitar os altos custos da geração de eletricidade com as termoelétricas. Fiz referência, particularmente, à possibilidade de utilizar o bagaço da cana-de-açúcar
ao invés de utilizar óleo diesel, óleo combustível e carvão mineral
para a produção de energia elétrica. Isso porque existe uma capacidade
de utilização do excedente do bagaço da cana-de-açúcar em nosso país, o
qual não é utilizado.
O BNDES, por exemplo,
ao invés de se ater aos interesses empresarias, poderia utilizar os
fundos públicos para aumentar a eficiência nas caldeiras das usinas
produtoras de açúcar e álcool e, com isso, aumentar a quantidade de
eletricidade que poderia ser colocada na rede. Também se poderia
modificar a norma que a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL dispõe em relação à produção de eletricidade excedente nas usinas sucroalcooleiras.
Atualmente, cabe à unidade sucroalcooleira investir na implantação da
rede elétrica até o sistema elétrico nacional integrado. Trata-se de
investir em 10, 15 ou 30 km de rede elétrica. O BNDES poderia criar uma
linha de crédito para que as usinas pudessem acrescentar algo em torno
de novos 5.000 MW na época da safra, que coincide justamente com o
período de restrição hídrica. Medidas como essa facilitariam que a
energia entrasse na rede. Perceba, estamos falando de alguma coisa na
ordem de cinco mil megawatts, que poderiam entrar na rede no período da
safra, o que significa uma ordem de grandeza superior à energia média
que será fornecida pela megaobra de Belo Monte, com um custo infinitamente menor.
O que proponho é que o BNDES
crie duas linhas para fomentar essa alternativa: uma, para aumentar a
eficiência nas caldeiras; e outra, para possibilitar que a transmissão
possa chegar à rede de distribuição de energia elétrica nacional.
Essas são possibilidades que poderiam
ser disponibilizadas com um custo extremamente menor do que aquele que
foi incorrido na utilização da alternativa da termoeletricidade a partir
do óleo diesel, do óleo combustível, do carvão mineral e do gás
natural. A questão é: onde está a lógica na política energética?
Ela deixa seu lugar para os interesses empresariais, via de regra
envolvendo empresas que hoje estão envolvidas nos fatos que as operações
da Polícia Federal têm evidenciado.
“Preços no mercado internacional inferiores a 40 dólares prejudicariam ou tornariam inviável a recuperação do petróleo do pré-sal - é o que estamos vivenciando hoje” |
Transição energética
Quero ainda fazer referência a uma
situação que precisa ser mencionada nesse contexto energético atual, que
é a redução, a partir do final de 2014 e durante 2015, do preço do barril de petróleo. Há algumas semanas o mundo presencia uma flutuação do preço do barril de petróleo, que varia de 32 a 27 dólares o barril.
Em 2008 o barril de petróleo chegou a
140 dólares por causa do cenário econômico internacional. No mesmo
período o Brasil vivia a euforia em função da possibilidade de
recuperação do petróleo do pré-sal brasileiro. Vale a
pena fazermos uma reflexão rápida em relação ao que significa, neste
contexto de redução dos preços do petróleo, a transição energética para a
qual você chama a atenção. Esta redução dos preços do petróleo tem como
repercussão uma redução dos investimentos nas chamadas energias renováveis.
É uma questão de comparar os custos de produção do biodiesel e do
etanol com o diesel mineral e a gasolina produzidos a partir de um
petróleo a esse preço.
Nós ainda não temos os dados
consolidados sobre o que aconteceu em 2015 e o que está acontecendo em
2016, mas uma das consequências disso é a redução na ampliação da oferta das energias renováveis, em função desse quadro de queda do preço do petróleo.
Não entrarei em consideração sobre o debate acerca do aproveitamento do
petróleo do pré-sal, cujos custos para torná-lo comercialmente viável,
em documento da própria Petrobras há alguns anos, flutuavam na ordem de
40 dólares. Isto é, preços no mercado internacional inferiores a 40
dólares prejudicariam ou tornariam inviável a recuperação do petróleo do
pré-sal - é o que estamos vivenciando hoje.
Essa situação se agrava também com a
redução da produção de petróleo e gás natural no Brasil, através do
pré-sal. Por outro lado, o petróleo e o gás natural recuperado do shale gas ou do shale oi, denominado de fontes não convencionais, teve também uma repercussão bastante importante nos últimos meses, nos Estados Unidos,
quando a produção desse gás natural também foi reduzida em função da
redução dos preços do petróleo no mercado internacional. Não tenho uma
bola de cristal para dizer até quando esse cenário vai perdurar, mas
posso afirmar que ele traz uma grave e contundente repercussão numa
desejável transição energética.
Por último, quero lembrar que a atual crise política por que estamos passando deve também levar a uma reflexão sobre o futuro da política energética no país. E, infelizmente, temo que não há elementos que indiquem que o contexto energético que vivemos irá mudar.
Por Patricia Fachin
Para ler mais:
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Fonte: IHU
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