PICICA: "Particularmente considero Hilda Hilst uma das melhores poetas, devo
salientar que a mesma não aceitava o título de poetisa, pois remetia à
uma mulher frágil o que ela não era, do Brasil. E ainda sinto-me
surpreendida quando em conversas com amigos percebo que muitos ainda não
a conheçam.
Infelizmente este não é um fato isolado, na verdade é possível contar
nos dedos as pessoas que eu conheço e que realmente absorveram as obras
desta fantástica escritora. Mas não é por acaso."
A Santa que levantou a saia para o vira-lata
"Quem és? Perguntei ao desejo. Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada." Hilda Hilst. Do Desejo, 1992.
Particularmente considero Hilda Hilst uma das melhores poetas, devo salientar que a mesma não aceitava o título de poetisa, pois remetia à uma mulher frágil o que ela não era, do Brasil. E ainda sinto-me surpreendida quando em conversas com amigos percebo que muitos ainda não a conheçam.
Infelizmente este não é um fato isolado, na verdade é possível contar nos dedos as pessoas que eu conheço e que realmente absorveram as obras desta fantástica escritora. Mas não é por acaso.
XIV
Fui monja vestida de negro em labirinto azul.
Antes do Ser havia um homem consciente destruindo o lirismo descuidado das minhas madrugadas.
Estava presente nas conversas dos bares - solitárias histórias. Estava presente na fusão dos homens medíocres e dos homens sem cor.
Em azul e negro eu vi o esboço de um caso triste, aquele doido procurando as mãos. As mãos que deixara sobre alguma mesa de mármore azulado em algum labirinto azul.
Andei tanto por corredores vagos que nas minhas chagas não existem pés. Inconsciente monja vestida de negro, teus cabelos eram feitos de conchas, teu véu de redes do mar. Entre os dedos tinhas contas coloridas. Mas, havia um homem consciente destruindo o lirismo das tuas madrugadas.
Morreu o mundo das monjas. Morreu o mundo das mãos. Sou doida desfigurada procurando mãos mergulhadas em azul.
Sou quase morta no descanso estéril da cor negra.
(Hilda Hilst, Presságio, 1950.)
Nascida na cidade de Jaú, em 21 de abril de 1930, filha única do fazendeiro de café, jornalista, poeta e ensaísta Apolônio de Almeida Prado Hilst e de Bedecilda Vaz Cardoso, Hilda Hilst foi uma mulher que sofreu precocemente com os tormentos e inquietudes das doenças mentais. Seus pais separaram-se quando ela tinha 2 anos de idade. Seu pai sofria de esquizofrenia paranóica e aos 35 anos foi internado em um sanatório e por muitos outros passou até a sua morte. Hilda, com dezesseis anos visitou o pai na fazenda em Jaú, mas a visita deixou-a muito perturbada, mesmo assim, a poeta sempre dedicou suas obras ao seu pai, o qual tinha muita admiração. Era uma ligação muito forte que ela mantinha com ele mesmo com todo distanciamento. Devido a este fato, Hilda sempre teve muito medo de perder a lucidez ao envelhecer, a mesma não teve filhos por medo de que tivessem esquizofrenia como seu pai.
Seu primeiro livro, Presságio, foi publicado no ano de 1950. Década onde muitos nomes faziam história na literatura brasileira. Ao longo dos anos 50, poetas das gerações anteriores continuavam a publicar e serem lidos como: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Cecília Meireles e Vinicius de Moraes. Na prosa, também, nomes conhecidos continuavam a produzir: Graciliano Ramos, Jorge Amado, Érico Veríssimo, Fernando Sabino, Rubem Braga e João Guimarães Rosa. Podemos constatar que havia um time de peso durante este período.
Em sua juventude, considerada como boêmia, teve vários namorados e muitos admiradores. Era comum a frase: “Além de bonita, pensa e escreve.” Todos esses acontecimentos formam as bases de seus complexos poemas e textos: a paixão, a tristeza e o medo. Porém, fora do círculo literário e da elite paulistana, nem todos à compreendiam.
No entanto suas poesias são profundas, reflexivas e marcantes. A falta de sensibilidade e compreensão das palavras da poeta pode ser responsável por afastar leitores, pois é sabido que muitos preferem ler o que a razão compreende, mas a leitura dos poemas de Hilda devem ser feitas com a emoção, mesmo que necessites de um dicionário, em alguns casos, ao seu lado.
XI
Amado, quando morreres mil estrelas cor de sangue virão recobrir-te o peito. Uma delas ficará perdida por entre os dedos. À outra tu contarás o livro que não fizeste reza que não aprendeste e vontade que tiveste de ver amigos chorando chorando por causa tua.
E todos hão notar água claras nos teus olhos e sombra nos teus cabelos e pena que vai crescer no teu coração de luto.
Pena desses que ficaram consumidos na incerteza ou pena daquele amante que nunca soube dizer o que sonharas ouvir.
Os homens hão de chorar no teu momento de morte. Porque dirás às estrelas todas as coisas caladas que só a mim revelaste.
(Hilda Hilst, Balada de Alzira, 1951.)
Em 1969, durante entrevista ao jornal Correio Popular, Hilda declarou: “Quero ser lida em profundidade e não como distração, porque não leio os outros para me distrair, mas para compreender, para me comunicar. Não quero ser distraída. Penso que é a última coisa que se devia pedir a um escritor: novelinhas para ler no bonde, no carro, no avião.”
No ano de 1990, por ocasião do lançamento de "O caderno Rosa de Lori Lamby", Hilda Hilst declarou em entrevista à TV Cultura: “A Santa levantou a saia!”.
Após 40 anos, escrevendo poemas, romances e crônicas em 1990, Hilda Hilst em sua literatura inovou, arriscou, provocou e acertou com a proposta do livro "O caderno Rosa de Lori Lamby". Conseguiu chamar a atenção da mídia e do público com um livro de viés pornográfico. Porém, a intenção dela sempre foi ser lida, afinal essa é a meta do escritor.
IV
Se eu disser que vi um pássaro Sobre o teu sexo, deverias crer? E se não for verdade, em nada mudará o Universo. Se eu disser que o desejo é Eternidade Porque o instante arde interminável Deverias crer? E se não for verdade Tantos o disseram que talvez possa ser. No desejo nos vêm sofomanias, adornos Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro Voando sobre o Tejo. Por que não posso Pontilhar de inocência e poesia Ossos, sangue, carne, o agora E tudo isso em nós que se fará disforme?
Existe a noite, e existe o breu. Noite é o velado coração de Deus Esse que por pudor não mais procuro. Breu é quando tu te afastas ou dizes Que viajas, e um sol de gelo Petrifica-me a cara e desobriga-me De fidelidade e de conjura. O desejo Esse da carne, a mim não me faz medo. Assim como me veio, também não me avassala. Sabes por quê? Lutei com Aquele. E dele também não fui lacaia.
(Hilda Hilst, Do Desejo, 1992)
Quero destacar mais uma frase dita nesta entrevista citada, com a qual desejo desvencilhar neste artigo: “Você não pode pensar em português.”. Direta e circunstancialmente Hilda declara à emissora o preconceito dos brasileiros, no caso mais explicitamente os editores, em aceitar a literatura brasileira. Onde não há o valor devido às obras nacionais, como se o escritor, ou a escritora, não tivesse capacidades para atingir o público, para fazê-los refletirem e admirar suas produções.
Com esse pressuposto, quero relacionar essa situação com o Complexo de Vira-Latas, termo criado pelo escritor Nelson Rodrigues quando se referiu ao trauma sofrido pelos brasileiros na Copa de 1950, segundo o mesmo “por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo.”( Manchete Esportiva, 31/5/1958)
Fora do âmbito futebolístico, o complexo de vira-latas pode ser relacionado em vários seguimentos de nossa cultura. A falta de autoestima do brasileiro e sentimento de inferioridade em relação ao estrangeiro é marcante em muitos aspectos. Com isso, relaciono o descaso dos editores nos anos iniciais de Hilda Hilst, assim como a falta de interesse dos brasileiros na mesma. Por exemplo, é mais comum alguém conhecer o escritor irlandês James Joyce e nunca ter ouvido falar em Hilda Hilst, fiz esta comparação pelo fato da “complexidade” da leitura de ambos. Em outra crônica Nelson Rodrigues ainda afirmou “O brasileiro gosta muito de ignorar as próprias virtudes e exaltar as próprias deficiências, numa inversão do chamado ufanismo. Sim, amigos: — somos uns Narcisos às avessas, que cospem na própria imagem.” (Manchete Esportiva, 26/1/1957).
Podemos considerar que isto ocorre devido à evolução do mundo capitalista, onde a cultura dominante impõe o conceito de aceitação. Especificamente nos anos 50 o que vinha de fora era melhor, porém não podemos ser hipócritas em dizer que só neste período, até nos dias de hoje nos deparamos, quase diariamente, com pessoas que pensam assim. Mexendo com as mentalidades, ou seja, no meio psicológico esse sentimento de inferioridade e falta de consideração deixa o indivíduo suscetível ao pessimismo e negação à própria nacionalidade. Hilda precisou “apelar” para ter seu merecido reconhecimento e conseguiu, mesmo que não da forma que sempre almejou.
Com a leitura correta das poesias de Hilda Hilst podemos nos abrigar em um esconderijo onde encontramos paz e podemos preencher a mente e o coração.
X
Se todas as tuas noites fossem minhas Eu te daria, Dionísio, a cada dia Uma pequena caixa de palavras Coisa que me foi dada, sigilosa E com a dádiva nas mãos tu poderias Compor incendiado a tua canção E fazer de mim mesma, melodia. Se todos os teus dias fossem meus Eu te daria, Dionísio, a cada noite O meu tempo lunar, transfigurado e rubro E agudo se faria o gozo teu.
(Hilda Hilst, Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão, 1974)
Recomendo o (re)conhecimento desta escritora simplesmente por ela ter sido uma grande "ente": atraente, inteligente, marcante e poeticamente reluzente. Seus textos, a imensidão de seus sentimentos, trazem-nos à luz!
Ilumine-se com Hilda Hilst!
Publicado originalmente para Revista Rever
Adriana Caló
Reflexiva sobre a vida e as ações cotidianas. Curiosa e intuitiva, rabisca poesias, brinca com pincéis e tintas. Amadora por natureza com uma marcante característica: Liberdade Artística! .Fonte: OBVIOUS
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