PICICA: "P.S.
- Ah, senhores, façam um esforço também de localizar os nomes dos
índios “desaparecidos” na luta contra a ditadura, entre eles alguns
Waimiri-Atroari, Krenhakore, Kané, Surui, Cinta Larga e tantos outros
que foram assassinados porque se opunham aos projetos de exploração
econômica e aos belos montes da ditadura militar."
CARTA ABERTA À COMISSÃO DA VERDADE
José Ribamar Bessa Freire
25/09/2011 - Diário do Amazonas
Ofício nº 01/2011
Assunto: Cadê o Thomazinho?
Senhores Membros da Comissão da Verdade,
Saudações,
Daqui, das páginas do Diário do Amazonas, escrevo-lhes
para solicitar que esclareçam o paradeiro de Thomaz Antônio da Silva
Meirelles Neto, o único amazonense incluído na lista oficial de
“desaparecidos” na ditadura militar.
Sei
que a Comissão não foi ainda constituída, que sua estrutura só será
votada no Senado nos próximos dias, que seus integrantes sequer foram
escolhidos. Se me antecipo, é apenas para garantir um lugar na fila. É
que os “desaparecidos” são centenas, e apenas sete os membros da
Comissão que, entre outras tarefas, terá de descobrir, no prazo de dois
anos, as graves violações dos direitos humanos praticadas entre 1946 e
1988.
Assim,
quando a presidente Dilma indicar os nomes, a Comissão já encontrará
sobre sua mesa este ofício, contendo dados que podem facilitar vosso
árduo trabalho. Anotem: Thomazinho nasceu em 1º de julho de 1937, em
Parintins. Mudou para Manaus em 1950, onde estudou no Colégio Estadual
do Amazonas. Viajou para o Rio de Janeiro, em 1958. Foi eleito
secretário geral da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES)
em 1961. Ouçam o depoimento do titiriteiro Euclides Souza, roraimense
que hoje vive no Paraná e com ele conviveu naquela época:
- “Viajei
com Meirelles por todo o Brasil na UNE-volante, ele representava a
União Nacional dos Estudantes e eu o CPC – Centro Popular de Cultura.
Como nós dois éramos caboclos e comunistas, ficávamos sempre no mesmo
quarto e passávamos as noites discutindo cultura popular e socialismo”.
Foi
aí que Thomazinho ganhou uma bolsa de estudos para a Universidade
Lomonosov, em Moscou. Lá, casou com Miriam Marreiro, uma amazonense que
estudava Direito na Universidade Patrício Lumumba. Com ela teve dois
filhos: Larissa, nascida na Rússia, em 1963, e Togo, no Brasil, para
onde o casal voltou depois do golpe militar de 1964.
Acontece
que quando Thomazinho saiu do Brasil, quem governava o país era um
presidente eleito democraticamente pelo voto popular. Quando voltou, a
situação era outra. Os militares, descumprindo o juramento que fizeram
de obedecer às leis vigentes, haviam rasgado a Constituição e ocupado o
poder pela força, instaurando uma ditadura militar através de um golpe.
Thomaz e outros companheiros deram, então, combate à ditadura. Quem
estava na ilegalidade eram os militares e não os que contra eles
lutavam.
Thomaz
e seus companheiros sonhavam com um Brasil sem injustiças, onde o chibé
seria compartilhado entre todos. Entregou-se, generosamente, à luta por
este ideal, sacrificando família, conforto, bem-estar, carreira
pessoal. Por causa de sua luta, enfrentou policia, sofreu prisão, foi
espancado e torturado. Saiu de lá todo quebrado.
- “Meu filho estava bastante machucado, tinha muitas marcas no corpo” –
revelou sua mãe, dona Maria, que conversou com ele em fevereiro de
1973, num “ponto” em Copacabana. Essa foi a última vez que o viu. Ele
permaneceu na clandestinidade até ser preso outra vez no dia 7 de maio
de 1974.
Senhores,
de acordo com o projeto aprovado nesta semana pela Câmara de Deputados,
a Comissão da Verdade poderá colher testemunhos, receber documentação
com garantia de anonimato e requisitar informações de órgãos públicos,
mesmo aquelas classificadas como sigilosas. Requisitem, portanto,
documentos do Arquivo do DOPS/SP, onde está registrada a prisão de
Thomazinho, efetuada quando viajava do Rio para São Paulo.
Busquem,
senhores membros da Comissão da Verdade, o Relatório do Ministério da
Marinha, que confirma a prisão de Thomazinho. Encontrem outros
documentos. Chequem a notícia publicada pelo Correio da Manhã (03/08/79)
que revelou uma lista com 14 mortos, entre os quais está o nome de
Thomaz Meirelles, cujo corpo até hoje não foi localizado. Identifiquem e
convoquem, para serem ouvidos, aqueles que violaram os direitos
humanos, torturaram e mataram presos que estavam sob a guarda do Estado.
Ao
contrário de outros países, no Brasil a Comissão da Verdade não poderá,
lamentavelmente, punir ou perseguir judicialmente os torturadores,
cujos salários eram pagos pelo contribuinte e que praticaram tais crimes
hediondos contra a humanidade. Na Argentina, no Chile e no Peru, vários
agentes do Estado, entre eles generais e ex-presidentes da República,
responsáveis por torturas e mortes, estão presos. É nessas horas que
sentimos inveja de argentinos, peruanos e chilenos, que não
contemporizaram com a tortura.
Mesmo
assim, senhores, apesar dessas limitações, descubram os nomes dos
assassinos de Thomazinho. Se eles não podem ser punidos judicialmente,
serão moralmente execrados pela opinião pública. Dessa forma - quem
sabe? - a luta para descobrir o paradeiro de Thomaz Meirelles pode
contribuir para coibir a tortura que continua a ser praticada hoje, no
Brasil, contra negros, mulatos, pobres, favelados.
Localizem,
senhores membros da Comissão da Verdade, o túmulo de Thomazinho para
que possamos ir lá depositar uma flor e fazer uma oração, como queria
sua mãe, que morreu sem qualquer informação sobre o seu paradeiro.
Nem
mesmo o sistema ditatorial mais cruel da história da humanidade aprovou
uma lei determinando a ocultação de cadáveres. A família e os amigos
dos “desaparecidos” têm o direito de saber o que aconteceu com eles, da
mesma forma que a sociedade brasileira tem o direito de conhecer a
história e de construir uma narrativa sobre ela, para evitar que tais
crimes sejam cometidos outra vez. Só dessa forma Thomazinho e tantos
outros “desaparecidos” poderão descansar em paz.
P.S.
- Ah, senhores, façam um esforço também de localizar os nomes dos
índios “desaparecidos” na luta contra a ditadura, entre eles alguns
Waimiri-Atroari, Krenhakore, Kané, Surui, Cinta Larga e tantos outros
que foram assassinados porque se opunham aos projetos de exploração
econômica e aos belos montes da ditadura militar.
Fonte: TAQUIPRATI
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