setembro 01, 2011

A práxis antimanicomial, os centros de convivência e os reformistas de araque

PICICA: Definitivamente, são os reformistas de araque que contribuem para o atraso da Reforma Psiquiátrica no Amazonas. Direis que estou a poupar os governantes. Explico-me. Diante da omissão histórica dos primeiros, os últimos deitam e rolam no mar de descompromisso com a vida de mais de 55 mil pessoas atendidas no único hospício da cidade. A despeito desses reformistas, o hospício finalmente será fechado. Já vai tarde. E se não foi antes credite-se parte da responsabilidade a este segmento mal informado, que ajudou a dar fôlego à mais sinistra das instituições. A confusão ideológica desse segmento ainda está por ser analisada. Já foi pior. Pelo menos até 2003. Não tenho a menor expectativa de que este segmento me ouça. Ouvir não ouvem, mas me leem. Dirijo-me, entretanto, às novas gerações de leitores, dentro e fora do universo psi. Para os primeiros, houve uma época que investi em informação como nunca. No campo da formação, por falta de recursos financeiros deixei para as novas gerações apenas um pequeno legado, devidamente constituído - a residência médica em psiquiatra - durante minha gestão como Coordenador Estadual de Saúde Mental (2003-2007). E isto, graças a ajuda inestimável do Secretário de Saúde da Capital, Dr. Raymison  Monteiro, na gestão do Dr. Wilson Alecrim à frente da Secretaria Estadual de Saúde. Para as demais categorias, chamei pra mim a responsabilidade de oferecer inúmeras Oficinas sobre a Reorientação do Modelo de Saúde Mental. Ocorre que santo de casa não faz milagre. Muitos fizeram ouvido de mercador. Por aqui, meus caros, prevalece um canibalismo social sem igual. Por isso escrevo como testemunho de quem acredita na potência de novas gerações, não porque elas sejam boas por si só, já que não há bondade na natureza humana - inclua-se aí governantes e governados -, mas porque a construção da resistência só é feita por quem sabe distinguir entre a obediência que faz o súdito da invenção da liberdade que faz o cidadão. Uma das formas de sair da ignorância, seria conhecer a experiência brasileira que foi sendo tecida para além de nossas florestas. No meu caso, fui beber numa das nossas melhores fontes: a experiência mineira de reforma psiquiátrica antimanicomial. Umas das suas artífices, por minha indicação esteve no Amazonas para discutir Reforma Psiquiátrica, numa rara tentativa de diálogo inter-institucional, e foi solenemente ignorada. É dessa teimosia em se fechar para outras experiências que resultaram iniciativas contrárias à ética da reforma psiquiátrica antimanicomial. Duas delas refletem a perda da dimensão social e cultural da reforma psiquiátrica que queremos. São elas: a tentativa de implantar projetos de "economia solidária" dentro do hospício e a tentativa de implantar Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) igualmente entre os muros do velho  hospício. Esta última foi concebida depois que impedimos uma outra idéia contrária aos princípios éticos da reforma psiquiátrica. Refiro-me à tentativa de implantar os SRTs na periferia da cidade. A lógica que move tais iniciativas pretende suprimir os conflitos em nome da paz com o conservadorismo institucional e social vigente na província. Tudo isso em nome do amor ao próximo. Como se o enfraquecimento das paixões fosse capaz de esconder a miséria intelectual que fez morada entre os que perderam a capacidade de resistir a todas as formas de dominação e a capacidade de inventar uma sociedade autônoma produtora de uma vida mais humana. Uso este breve texto e as imagens abaixo para ilustrar a chamada do CRP-SP para o I Encontro Estadual de Centros de Convivência, a ser realizado em São Paulo, no dia 23 de setembro. Se dependesse do governo do Estado de São Paulo, São Paulo seria o túmulo da reforma psiquiátrica antimanicomial. São profissionais como os que estão envolvidos neste Encontro que nos faz crer na prática de afirmação e da resistência à dominação. 

Centro de Convivência Arthur Bispo do Rosário - Fotos: Rogelio Casado - BH, 2005

O mês é julho de 2005, mas a festa é junina

Ao centro, Miriam Abou-Yd, que ciceroneou a mim e o pessoal do Ceará

Atelier Nise da Silveria - Arte e lazer presentes no Centro de Convivência

Centro de Convivência Arthur Bispo do Rosário, longe dos muros do manicômio


I Encontro Estadual de Centros de Convivência  
"A delicada arte de produzir encontros" 


A partir de 2001, com a promulgação da Lei 10216, uma série de transformações na assistência em Saúde Mental está em curso no País. Houve uma ampliação significativa dos números de CAPS, de Residências Terapêuticas, e as formas de cuidar dos sujeitos adoecidos psiquicamente têm se transformado no cotidiano. O cuidado em liberdade, a inclusão social, a autonomia vão permeando as ações e os serviços da rede substitutiva de atenção em Saúde Mental. Os Centros de Convivência são dispositivos fundamentais integrantes dessa rede. No Estado de São Paulo temos hoje 34 Centros concentrados em quatro municípios apenas: 21 na cidade de São Paulo, 11 em Campinas, 1 em Embu das Artes e 1 em Mogi das Cruzes. 

Da riqueza dessa experiência ímpar de inclusão social por meio do encontro das diferenças, surge a necessidade de realizar um encontro para discutir e problematizar o que são os Centros de Convivência e que lugar têm de fato ocupado na rede substitutiva. De que forma contribuem para a desinstitucionalização e a desconstrução do modelo e das práticas manicomiais? Como estão constituídas as experiências de Economia Solidária nesses locais? Qual a construção possível com a rede intersetorial? 

Há muito a ser contado, mostrado, pensado, refletido... Muita delicadeza construída no cotidiano entre trabalhadores e usuários, que passa por trocas de todos os tipos, desvios singelos, sutis a tudo que estigmatiza, amordaça, paralisa, num local onde a consigna não é a doença, o que falta, mas, sim, a potência, o saudável, o criativo, o movimento, a vida..., que, apesar de tudo, ainda pode ser bonita! Práticas que respondem de maneira contra-hegemônica à patologização de toda forma de sofrimento e solidão, por meio de linhas, tecidos, miçangas, dança, teatro; medicaliza-se menos; respostas mais solidárias às mazelas da violência e do desemprego são alinhavadas em praças e bairros; as dores de corpos e almas ganham nova tradução com movimentos, cores, fitas, música, baile; temperos especiais são os ingredientes das oficinas de culinária que dão novos sabores a bolos, pastéis e a vida de todas e todos que adentram os seus espaços. 
Seja bem vindo! 

Vamos juntos refletir e celebrar a práxis antimanicomial! 

Participe!




Fonte: CRP-SP

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