PICICA: No Amazonas, a Pastoral da Juventude abraçou a causa do movimento socioambiental Encontro das Águas. No Brasil, as Pastorais Sociais abraçaram a causa do movimento antimanicomial, contrário à internação compulsória de usuários de drogas em clínicas de segregação. Sobre esta última, leia o documento oficial da CNBB e sua posição sobre a atual Política Nacional de Combate ao Álcool e outras Drogas.
Marcha dos Excluídos - Manaus-AM, 2011 - Foto: Valéria Machado
Contribuições
para o debate sobre a Política Nacional de Combate ao Álcool e outras Drogas
A
política nacional antidrogas preconizada pelo governo convocou a sociedade para
uma reflexão que traz ao debate, entre outros temas, a garantia da cidadania e
da não segregação do seu povo. Tais garantias constitucionais colocam o Brasil
entre os países democráticos que asseguram uma ordem ético-política reconhecida
e legitimada por todos seus cidadãos e por outros países do mundo.
A
CNBB, por intermédio de diversas Pastorais Sociais, que atuam historicamente,
junto ao lado de populações que vivem em situação de extrema miséria e
vulnerabilidade, vem trazer algumas reflexões. Essa contribuição é feita no
desejo de ajudar, sobretudo a partir do entendimento de que o pressuposto
primeiro de uma política de atenção ao usuário de álcool e outras drogas deve se
pautar no respeito à pessoa humana, à sua liberdade e, conseqüente, no direito
à equidade e universalidade.
Além
disso, a política deve reconhecer o protagonismo histórico que se dá na
encarnação da vida experimentada em sociedade, nos vínculos estabelecidos pela
relação do eu com o outro, na não segregação dos habitantes da cidade e do
campo em gozo dos direitos e deveres civis e políticos de um Estado.
Ressaltamos
o papel do Estado enquanto “cuidador” das pessoas, que não vem fazendo o
caminho utilizado no que tange a essa questão, conforme ressalta Zaluar, 2003:
“Ao Estado compete assegurar os direitos
sociais, políticos, civis e os de quarta geração (os ecológicos) dos cidadãos.
Mas o estado, no caso do uso das drogas ilícitas, tem apresentado sua outra
feição: a de repressor das atividades condenadas criminalmente.” Além
disso, a relação do homem com a droga
não é fruto da modernidade, mas, ao contrário, é fato presente em todos os
tempos históricos e nas diferentes culturas humanas, recebendo, em cada tempo e
lugar um sentido e valor, não necessariamente associado a práticas marginais ou
criminosas. O sentido de experiência marginal é o elemento novo desta histórica
relação.
Não
obstante as implicações relativas ao tráfico, que, indubitavelmente merecem
outro debate e atenção diferenciada do Estado, levanta-se aqui a preocupação em
torno do uso das drogas e, nesse sentido consideramos:
1.
A
importância de evitar reducionismos considerando sempre o caráter multifacetado
do fenômeno. A droga, entre outros tantos usos, como um dos objetos e formas de
acesso ao prazer; a droga como condutora de diferentes comportamentos, nem
todos considerados de dependência; a droga como objeto de trabalho e modo de
inserção produtiva, especialmente, para crianças, adolescentes e adultos pobres
quando se inserem no mundo do tráfico.
Essa característica multifacetada aponta para outras questões sociais
importantes e todos esses fatores devem ser considerados, na perspectiva de uma
política pública;
2.
O
vínculo com álcool e outras drogas pelas pessoas em situação de vulnerabilidade
social, sobretudo aquelas que vivem nas ruas, não caracteriza, sempre e
necessariamente, uma relação de dependência, sendo muitas vezes identificada
como um modo de estabelecimento de laços e sociabilidade para fazer frente ao
abandono; fruto da precariedade dos laços sociais, da desigualdade e exclusão,
da falta de oportunidades e condições para a construção de uma vida digna;
3.
A
importância da intersetorialidade das políticas de assistência social, educação,
esporte, cultura, direitos humanos, trabalho e moradia para atuarem de forma
conjunta com o SUS, possibilitando assim a superação da vulnerabilidade e a
redução da demanda por drogas;
4.
A
defesa dos direitos humanos dos usuários de álcool e outras drogas e das
populações vulneráveis e, sobretudo, as que fazem uso da rua, se sobreponha e
faça oposição às propostas de internação compulsória e involuntária;
5.
A
necessidade de serviços que possam responder pelas demandas de suporte e
proteção social, criando espaços de convívio, sociabilidade e moradia
transitória para os usuários em tratamento nos serviços substitutivos e por
estes encaminhados e dentro do território de referência e vida do usuário; não esquecendo, entretanto, que
o investimento público deve ser, prioritariamente, destinado à criação e
ampliação da rede de serviços substitutivos.
6.
A
ausência de cuidados e a exclusão social que atingem de forma histórica e
contínua as pessoas que consomem álcool e outras drogas apontam para a
necessidade do fortalecimento e criação de serviços que promovem e garantem o
direito de cada cidadão à saúde. Para tanto a Saúde, desde a sua atenção básica
até o atendimento às necessidades específicas, passa pelas Maternidades, pelos
Hospitais Gerais, e seus leitos de atenção integral, pelos Serviços de Urgência
(SAMU), pelos Centros de Convivência, Centros de Atenção Psicossocial Álcool e
outras Drogas (CAPS – AD), pelos Consultórios de Rua e práticas da Redução de
Danos, todos estes que devem ser oferecidos de maneira contínua e eficaz. Não
objetivando o lucro financeiro das Instituições que administram a gestão em
saúde, mas objetivando a própria saúde dos cidadãos;
7.
O
princípio da humanização, o respeito ao território comunitário e a não
segregação são condições fundamentais à saúde e fundamentais aos atendimentos.
Os tratamentos devem pautar-se pelo acolhimento, estabelecendo-se os vínculos,
potencializando os fatores positivos na atenção com o objetivo da construção de
projetos. Sabe-se que cotidianamente
crianças e adolescentes, no Brasil, são vítimas de violência, não têm seus
direitos fundamentais concretizados em políticas públicas efetivas e parece que
não estão sendo prioridade absoluta na agenda dos municípios, estados e governo
federal.
8.
A
criação de um conjunto articulado de redes de cuidados sociais e comunitários
como estratégia na mobilização para a busca de ações práticas na superação dos
riscos. A integração dos diversos serviços e políticas públicas na promoção
para o acesso ao trabalho, lazer, exercício de direitos civis. O fortalecimento
de laços comunitários e familiares visando a autonomia e a dignidade das
pessoas enquanto superam seus problemas. Propostas universalizantes e
normatizadoras que não se traduzem em resultados concretos imediatos, mas que
são processos necessários, urgentes e insubstituíveis.
Acionar políticas emergenciais como esta
de internar involuntariamente implica em atualizar modelos de intervenção
amplamente criticados por profissionais, por pesquisadores na área de ciências
humanas e sociais e pelos movimentos sociais, como o da Luta Antimanicomial.
Desde a década de 40, no século XX, há denúncias da ineficácia da segregação em
asilos e em equipamentos sociais de fechamento que acabavam funcionando como espaços
de reclusão da miséria e da produção de estigmas e violência.
O
correlato da internação era a tutela dos corpos aprisionados e não o cuidado
integral e a garantia de cidadania. Por isto, questionamos este tipo de ação de
encaminhamento de crianças, adolescentes e adultos usuários de crack de maneira
compulsória às instituições de isolamento sob a rubrica de tratamento.
Nesse
sentido, sobretudo por acreditarmos que a luta pela efetivação da democracia
real, pela participação efetiva de todos e superação das desigualdades deve ser
a nossa meta, é que defendemos que esse processo não pode excluir os que fazem
uso de álcool e outras drogas, mas ao contrário, deve alcançá-los. Para tanto é
necessário criar políticas que recusem a segregação, a exclusão e as práticas
higienistas como solução para o sofrimento humano. É receoso e equivocado
tratar os que vivem nas ruas pela perspectiva da segurança pública, pois isso é
autorizar, mais uma vez, a violência como método terapêutico. O que nos parece
absurdo e ineficaz.
Propomos
também a construção deste processo na reflexão junto ao sujeito, buscando
alternativas de vida alicerçadas no protagonismo e no estabelecimento de novos
comportamentos, novas atitudes e referências seguras, rompendo o ciclo do
isolamento e adoecimento que as internações compulsórias provocam.
Por
fim, propomos que se articule junto à Presidente um Comitê Interinstitucional
com a participação dos Ministérios afins, representantes da sociedade civil
organizada, incluindo os sujeitos envolvidos nesta questão para que se
estabeleça um debate amplo e que responda aos princípios preconizados nos
direitos humanos e na Carta Magna da República.
Belo Horizonte, 05 de agosto de 2011
Pastoral
Carcerária
Pastoral do Menor Nacional
Pastoral do Menor Nacional
Pastoral
da Mulher Marginalizada
Pastoral Nacional do Povo da Rua
Pastoral Nacional do Povo da Rua
Pastoral
da Saúde
Pastoral da Sobriedade
Pastoral da Sobriedade
Pe.
Ari Antonio dos Reis - Assessor das Pastorais Sociais da CNBB
Dom Guilherme Antonio Werlang-
Presidente da Comissão para a Caridade, da Justiça e
da Paz da CNBB
Referências Bibliográficas - Zaluar, Alba. O xadrez
da droga no Brasil. In: Outro Olhar: Revista de Debates, Ano III, Nº 3. Belo
Horizonte: Segrac Editora. Outubro de 2003.
Posicionamento do Conselho Federal de Psicologia
frente à internação compulsória de crianças e adolescentes usuários de crack – Agosto
de 2011
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