novembro 04, 2012

Dia de Finados em São José do Jatuarana, às margens do rio Amazonas

PICICA: Estive no Dia de Finados, na companhia da bióloga Elisa Wandelli, na comunidade tradicional dos ribeirinhos de São José do Jatuarana. Testemunhamos a importância da região que o exército nacional insiste em não reconhecer a histórica presença dos ribeirinhos, desconsiderando inclusive os títulos de propriedade existentes. Depois da tentativa frustrada de deslocar os riberinhos para a região de Cuieiras, no rio Negro, o exército acaba de perder mais uma batalha: a do Luz Para Todos. Duas comunidades deram o exemplo de resistência às intimidações e manobras que visavam a entrega de suas terras. A expansão da região metropolitana de Manaus deve encontrar os ribeirinhos mais organizados. Sem essa organização, seus direitos correm riscos.

São José do Jatuarana é uma das 19 comunidades do beiradão do rio Amazonas situada abaixo do Puraquequara, sendo uma das que compõe a área rural do município de Manaus-AM. Desde o século XIX, com o progressivo extermínio indígena, os remanescentes dos povos dessa região habitam o lugar. Atualmente é uma das comunidades tradicionais de ribeirinhos que resistem ao exército nacional. Essa instituição governamental, desde 1996, vinha insistindo em fazer do lugar área de treinamento de Guerra na Selva. Pior; até recentemente era proibida a pesca, a produção de farinha e o enterro dos mortos no Cemitério de São José do Jatuarana, que é mais antigo que o Cemitério de S. João Batista em Manaus, criado em 1891. Nos últimos oito anos o programa Luz Para Todos, do governo federal, foi impedido pelos militares de chegar à região. A arbitrariedade está com os dias contados. O Ministério Público Federal foi acionado pelo movimento social e a interdição foi suspensa, como noticiado pela imprensa (clique aqui para ler) Das duzentas famílias ali existentes antes do conflito, restam pouco mais de noventa. A comunidade não vê a hora de regularizar o programa de vacinas, a merenda escolar e outros benefícios que a energia trará para a região.

Durante todo o dia dezenas de barcos da região transportam centenas de pessoas para reverenciar os mortos queridos. Vem gente das duas margens. Da terra firme às várzeas; da Terra Nova ao Careiro da Várzea, à margem direita; e uma dezena de comunidades ribeirinhas da margem esquerda, entre elas São Francisco do Mainã e Santa Luzia do Tiririca, que junto com São José do Jatuarana há oito anos estão privadas de acesso ao programa Luz Para Todos por interferência do exército nacional.

No cemitério de São José do Jatuarana estão enterrados cerca de cinco gerações de ribeirinhos, além dos fundadores daquela comunidade tradicional. Numa das covas jaz o jovem de dezesseis anos que nos anos 1990 perdeu a vida depois de manipular um artefato de guerra - uma granada - deixado pelos militares durante treinamento em área imprópria. Até o cemitério serviu como "palco" de guerra. Ainda hoje, moradores tem guardadas as cápsulas de balas de festim usadas pelos militares. Vale lembrar que o exército nacional não poderia ter ultrapassado os limites da área própria para as operações de "Guerra na Selva", ou seja 5 km de floresta até a beira do rio Amazonas.

Não surpreende que a área rural de Manaus não receba a atenção devida da Prefeitura Municipal. Todos os prefeitos, até o presente momento, costumam visitar a região apenas uma vez. Se você pensou na eleição municipal, acertou. Apenas nessa ocasião é que aparecem em busca de votos. O descaso é notório. A fotografia acima é o testemunho desse descaso: túmulos são arrastados pelas cheias anuais do rio Amazonas, sem que a autoridade administrativa mova um dedo para impedir a erosão provocada pelas águas. No caso do litígio com o exército nacional, nenhum parlamentar saiu em defesa dos ribeirinhos. No caso do programa Luz Para Todos, idem. Mas, o pior está por vir. Está sendo projetada para essa região a construção do Polo Naval. Das conversações, os ribeirinhos estão alijados. Nenhum representação foi convocada. A desinformação é geral. Uns afirmam que uma estrada já estaria em construção até o local em que será erguido o Polo Naval, cujo lugar também é ignorado por todos. Outros dizem que muitos comunitários deverão ser convidados a sair do lugar. Alguns dos líderes não cooptados pelo poder público e seus agentes, depois de conseguir uma vitória parcial no Ministério Público Federal para que o exército não interfira mais na execução do programa Luz Para Todos, já começam a se articular em defesa dos seus direitos. Só a suprema arrogância pode querer subtrair de suas vidas o modo riberinho de viver. A luta continua!

Nenhum comentário: