PICICA: "Muitos editores ainda tratam o leitor como se vivêssemos em 1980 e o
jornal ainda fosse o formulador das grandes agendas política, social e
econômica da sociedade. Ainda imaginam que o jornal é a grande praça
onde todos se encontram para falar de política, dos assuntos que
interferem no cotidiano das pessoas e para fazer negócios consultando as
seções de anúncios classificados. Há uma alienação injustificada. Os
jornais estão perdendo sua capacidade de interpretar a realidade, de
hierarquizar e intermediar a informação e entregar contextualizada,
customizada e refletida ao leitor. Começa a haver uma disrupção entre o
jornal e o leitor."
MÍDIA & MERCADO
O lento suicídio dos jornais
Por José Tadeu Gobbi em 28/01/2014 na edição 783
No fim da década de 1990 e início de 2000, quem precisava recrutar
talentos ou procurava empregos costumava se utilizar das edições
dominicais de grandes jornais diários. Em São Paulo, jornais como O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo
circulavam aos domingos com milhares de ofertas de empregos em mais de
100 páginas de classificados cada um. Lembro-me que se pagava na época
aproximadamente 9 mil reais por um anúncio de empregos de 4 colunas
(11,7cm) x 9 cm num grande jornal de SP, o que resultava num faturamento
médio de 130 mil reais por uma única página impressa no caderno de
classificados de empregos.
Vivíamos na ocasião o auge da bolha das pontocom com a internet
povoando a imaginação e o valor das ações no mercado de capitais. Em
1996, consultorias de RH, sobretudo a Catho, em São Paulo, desenvolveram
e operacionalizaram portais de serviços de RH online, com divulgação de
vagas e cadastros de currículos de profissionais interessados. Diante
da ameaça dos serviços oferecidos por portais de emprego e Recursos
Humanos, os jornais reagiram com passividade. Observaram olimpicamente o
serviço de ofertas de vagas e busca de empregados migrar gradativamente
para o meio digital sem que fosse esboçada qualquer reação a altura da
ameaça. O resultado é que perderam este segmento para a internet. A
gorda receita advinda deste segmento simplesmente evaporou do caixa dos
jornais.
O mesmo comportamento ocorreu quando foi lançado o serviço de
classificados online de venda e compra de veículos, o site Webmotors.
Lançado em 95 e depois adquirido por uma grande instituição bancária em
2002 o movimento deste portal no mercado de veículos novos e usados foi
subestimado pelos jornais. O modelo de negócios do Webmotors se replicou
e atraiu o trade do mercado de veículos. O segmento de veículos nos
cadernos de classificados dos jornais era robusto em variedade e
ofertas. Quem queria comprar ou vender carros, motos, caminhões, ônibus
se socorria das páginas dos jornais. Hoje boa parte deste segmento
migrou para a internet e esvaziou os cadernos de veículos dos jornais.
A logística de distribuição
A derrocada das empresas pontocom no início de 2001 deu aos executivos
de jornal na ocasião a falsa ideia de que o novo fenômeno da internet
não tinha fôlego para ameaçar sua confortável posição no mercado,
entretanto, a tendência que havia se projetado a partir desta bolha
parecia bastante ameaçadora para ser ignorada. A reação dos jornais foi
construir sites burocráticos e pouco amigáveis para o leitor. Nenhuma
preocupação com design, tecnologia, acesso, serviços e navegação que
entregasse ao leitor uma forma mais intuitiva, agradável e amigável de
consumir informação no mundo digital. Nenhum recurso gráfico e
tecnológico que propiciasse uma experiência nova e agradável com a
marca. Pegava-se o material produzido para a versão impressa com uma
edição de jornal impresso e colava-se na página digital.
Os portais de veículos de comunicação, jornais, revistas, rádio,
televisão são historicamente grandes geradores de tráfego e audiência
qualificada na internet. Tendo em mãos o grande volume de tráfego e
audiência na sua plataforma digital, por que a indústria de jornais
optou por negligenciar esta vantagem competitiva e não desenvolveu e
ofereceu serviços de classificados online utilizando a expertise
adquirida no jornal impresso? Por que não integrou gradativamente as
duas plataformas, impressa e digital, oferecendo ao anunciante maior
retorno com a soma das audiências on e offline, mantendo, é claro, a
geração de valor na versão impressa?
A resposta é canibalização. O medo que imobilizou os jornais foi o medo
da canibalização do jornal impresso, o grande gerador de caixa da
empresa. Nos jornais se trabalhou com a premissa de que alimentar uma
versão digital de sucesso nos classificados seria um tiro no pé que na
pratica resultaria no comprometimento de seu caixa. O ambiente digital é
inóspito e ninguém ainda tem um modelo de negócios de jornal na
internet autossustentável e rentável. Experiências como a do iTunes e da
Amazon passam distantes do imaginário dos estrategistas dos jornais. O long tail
é apenas mais um paradigma que se encaixa na logística de distribuição
como um desenho da distribuição dos assinantes por um determinado
território. O conceito que vale é que a receita de 130 mil por uma
página não seria gerada pela plataforma digital nem entregando uma
audiência maior e mais qualificada nem um volume maior de ofertas.
Notícia velha, sem análise e acrítica
O imobilismo foi a pior decisão, a transferência de clientes dos
cadernos de classificados e noticiário para serviços online parece
irreversível. Como negócio o jornal permitiu que estas empresas
crescessem em seu mercado oferecendo serviços que ele jornal, como
indústria poderia oferecer, ou seja, tráfego, maior audiência
qualificada, ofertas organizadas de produtos e serviços, volume de
ofertas vindas de seus cadernos de classificados e mais importante, a
força, a credibilidade e a confiança de sua marca. Em vez de estabelecer
políticas de inovação e integração de plataformas os jornais optaram
por negligenciar a ameaça digital e investiram em amplos, modernos e
caríssimos parques gráficos.
O resultado é que a queda das receitas de publicidade tem obrigado
empresas jornalísticas a promover rigorosos ajustes em sua estrutura. O
meio jornal reage ao cenário que se desenhou de maneira visceral com
grandes cortes nas redações e o sacrifício da qualidade editorial. A
perda de leitores pela conveniência e instantaneidade da internet é
agora potencializada pela queda na qualidade da cobertura do jornal
impresso.
A este cenário soma-se a falta de ousadia e a soberba das cabeças
analógicas no comando das redações e na direção dos jornais brasileiros.
Escolha aleatoriamente qualquer título de jornal em qualquer estado
brasileiro e vai se verificar que o conteúdo editorial permanece o
mesmo, o mesmo tipo de abordagem, as mesmas editorias, o mesmo padrão de
cobertura numa época em que as pessoas consomem informação em tempo
real pela internet sob o signo dos novos paradigmas one to one e on demand.
Entregar notícia velha, sem análise, sem reflexão e de forma acrítica
ainda é o padrão do jornal impresso e com a pretensão de que o leitor vá
até a banca comprar o produto.
Suicídio lento
Muitos editores ainda tratam o leitor como se vivêssemos em 1980 e o
jornal ainda fosse o formulador das grandes agendas política, social e
econômica da sociedade. Ainda imaginam que o jornal é a grande praça
onde todos se encontram para falar de política, dos assuntos que
interferem no cotidiano das pessoas e para fazer negócios consultando as
seções de anúncios classificados. Há uma alienação injustificada. Os
jornais estão perdendo sua capacidade de interpretar a realidade, de
hierarquizar e intermediar a informação e entregar contextualizada,
customizada e refletida ao leitor. Começa a haver uma disrupção entre o
jornal e o leitor.
Neste início de 2014, é desesperador o silêncio das empresas
jornalísticas diante da avassaladora campanha de empresas do meio
digital oferecendo serviços de classificados online. Vemos estas
empresas com campanhas bem produzidas convidando o cidadão a anunciar em
seus serviços. Não se vê qualquer jornal divulgando seus classificados e
convidando o anunciante a vender para sua base de leitores. Não se vê
nenhuma grande novidade que seduza o leitor e o anunciante a permanecer
nas páginas do jornal ou a mantê-lo na condição de produto indispensável
em qualquer plataforma, impressa ou digital.
Fonte: Observatório da Imprensa
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