janeiro 10, 2014

"Representações de gênero e sexualidade nos quadrinhos de super-heróis", por Renato Silva

PICICA: "O universo dos super-heróis faz parte da realidade. Como qualquer dimensão da indústria cultural, gera expectativas, reforça comportamentos, produz e reproduz a realidade, reflete e intervém nela. Ele nos ajuda a entender muitas coisas, entre elas a historicidade do que é o gênero e o quanto muda o tanto que permanece com o tempo. É importante que ela seja um instrumento na transformação a partir da representação, em direção a um mundo mais igualitário e livre. Se os super-heróis não são mais coisa de criança, é hora de assumir seus deveres com o mundo, pois eles mesmos nos ensinaram que “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”."

Representações de gênero e sexualidade nos quadrinhos de super-heróis

As representações do Masculino

 
O mundo do quadrinhos dos super-heróis é um universo de homens. Da chamada Era de Ouro (1938) até os dias atuais, o protagonismo de personagens masculinos é gritante. Esta dominância do masculino é numérica (mais personagens homens do que mulheres) e qualitativa. Personagens não-masculinos geralmente são secundários e/ou em geral muito pouco explorados e menos “tridimensionais”, menos profundos que os masculinos.

Diferentes ligas, mesma desproporção.
Diferentes ligas, mesma desproporção.

Existem determinadas características que são identificadas como “sendo de homem” (masculinos) e “sendo de mulher” (femininos). Dos masculinos, os mais óbvios nos quadrinhos de super-heróis são a força, o corpo e o vestir.

action comics primeira aparicao do super
Capa de Action Comics n.1, primeira aparição de qualquer super-herói.

O primeiro super-herói (Super-Homem) estabeleceu as características que iriam persistir (e mesmo ser imitadas) na criação de outros supra-humanos.  O que naturalmente se destaca do personagem em seu princípio é sua força descomunal, um poder que fundamenta simultaneamente a parte de super e a de homem, já que força física é um dos elementos que são associados à masculinidade, ao “ser homem”. A necessidade de evidenciar este poder é tamanha que a capa de sua primeira edição é justamente o próprio levantando o carro sobre sua cabeça e quebrando-o contra uma rocha, enquanto seus adversários (na edição, os sequestradores de Lois Lane) saem apavorados.

A força sobrehumana é, portanto, também associada a dois elementos nesta primeira aparição: o subjugar de demais homens e também a proteção a outros personagens, identificados como mais frágeis. Embora nesta história específica o kryptoniano esteja protegendo uma mulher, não é incomum que ele também defenda outros homens nestas primeiras edições (de outros homens, contudo). Uma destas histórias inclui a intervenção na relação entre mineradores e seu inescrupuloso e caricatural empregador (Action Comics #3).

Super-Homem protegendo Lois Lane.
Super-Homem protegendo Lois Lane.

A proteção daqueles abaixo do herói é um elemento persistente e essencial ao caráter do herói nos quadrinhos. Já em sua primeira aparição, Jerry Siegel e Joe Shuster apresentavam Super-Homem como “campeão dos oprimidos” e “a maravilha [física] que jurou devotar sua existência a ajudar os necessitados!” Não há proteção, contudo, que não derive de uma posição de superioridade, e também as heroínas, ao protegerem, se tornam superiores.

Se a força é um elemento fundamental para a afimação da masculinidade do herói, a forma como concebemos a força e, principalmente, o corpo necessário para despender tal força também é histórico e, por isso, muda com o tempo. Os elementos que se mantém são os queixos quadrados e largos, o corpo grande (ao ser comparado aos demais personagens) e os músculos ressaltados. Porém, o que é ser grande e o que é ter os músculos ressaltados mudou significativamente ao longo da história dos quadrinhos.

Batman corpo
Batman: de forte a halterofilista.

O peitoral largo e o corpo em forma foram dando espaço para músculos cada vez mais definidos e maiores, principalmente a partir do impacto da injeção de testosterona que os heróis de ação do cinema nos anos 80 teve. O período em que os heróis foram claramente desenhados com corpos mais volumosos foi certamente os anos 90, com nomes como Jim Lee e Rob Liefield, que representavam os heróis como halterofilistas (no caso do primeiro) e como monstros deproporcionais, no caso do segundo. O traço de Jim Lee transformou até mesmo o comissário Gordon, um policial sexagenário, em um homem em forma e com o corpo definido. A caricatura que são os rabiscos de Rob Liefeld (não, aqueles não são desenhos) são muito significativos no que diz respeito ao que deveria ser identificado como um corpo com marcadores de masculinidade: braços cujo volume é maior que a cabeça, e peitorais desproporcionais a ponto de gerar o famoso “Capeitão América”.

Ciclope em diferentes momentos.
Ciclope em diferentes momentos.

Outro critério fundamental na masculinidade dos heróis é sua heterossexualidade. Este parece ser um elemento tão fundamental que os heróis que tiveram esta características questionadas (muito em função da falsa pesquisa presente em “A Sedução dos Inocentes”) tiveram histórias não apenas de namoro e de envolvimento amoroso, mas de relações sexuais semi-explícitas. O caso mais famoso é o de Batman que, após a DC Comics resolver zerar suas revistas, logo na primeira edição da revista da Mulher Gato, as imagens finas afirmam explicitamente a heterosexualidade do herói.

DC grita: “O Batman gosta de mulher, viu?”
DC grita: “O Batman gosta de mulher, viu?”

A heterossexualidade masculina também é manifesta na necessidade de um interesse amoroso para os heróis, mesmo quando os mesmos passam por experiências que seriam altamente traumáticas. O Lanterna Verde Kyle Rayner, por exemplo, teve sua primeira namorada assassinada e esquartejada pelo Major Força, e teve seus restos mortais depositados em uma geladeira. Kyle não encontrou qualquer problema para se envolver com Dana Troy e, posteriormente, com Jade.

O caso em que a perda talvez tenha sido melhor explorada neste sentido é o de Ciclope, que desde a última morte de Jean Grey (nos quadrinhos de super-herói morrer e ressuscitar é quase tão simples e comum quanto fazer uma viagem) se envolveu com Emma Frost, mas o rondar do fantasma do relacionamento anterior é uma constante.

Os uniformes masculinos são de maneira geral bem colados ao corpo e cobrem a maior parte dele. Quando não cobrem tudo, costumam evidenciar os músculos saltados.

Ainda que não seja o assunto principal do texto, é sempre bom ressaltar que a maioria dos heróis além de homens cissexuais e héteros, são brancos. Os que tem origem pobre seguem em muitos casos uma narrativa de self made men, de superação dos problemas econômicos de origem a partir de um esforço individual, ainda que auxiliado por um mentor ou protetor, também quase sempre masculino (ainda que seja espiritual, as entidades são quase sempre masculinas).

Representação do Feminino

Se a força, o tipo de corpo e o uniforme são o que definem o que é masculino, a sensibilidade, a exposição e sexualização do corpo e uniformes sensuais são as marcas do que é aceito como feminino no mundo dos super-heróis.

Boa parte das histórias da Era de Ouro são explicitamente sobre mulheres na condição de “donzela em perigo”. A mulher é representada como indefesa e necessita de um sujeito masculino para resgatá-la de sua condição de perigo que, não raramente, é apresentada pela história como fruto de negligência, ignorância, imprudência ou imperícia da própria mulher. As primeiras aventuras do Super-Homem incluíam salvar uma mulher que foi injustamente acusada e julgada e que estava no corredor da morte; em outra estória ele evita um caso de violência doméstica (marido batendo na esposa). Interessante notar que para salvar a acusada do corredor da morte o herói não invade a cadeia e a retira da prisão, mas confronta o juiz e o convence a perdoá-la (Action Comics #1).

A despotencialização da figura feminina não se limita, contudo, a esta primeira Era dos quadrinhos. O tema do resgate do infortúnio prevalece, de maneira repetida e repetitiva. Mesmo quando as personagens apresentadas têm poderes, é comum que as mesmas necessitem da ajuda de um personagem masculino, ou que as mesmas cometam algum erro a partir do qual a ajuda dos personagens masculinos se faça necessário. Um exemplo recente é a Crise Final da DC Comics, na qual a decisão da Mulher-Maravilha de matar Maxell Lord é transmitida ao mundo inteiro, iniciando uma crise de confiança da opinião pública sobre a Liga da Justiça.

Mulher Maravilha mata Maxwell Lord diante de um Super-Homem atônito.
Mulher Maravilha mata Maxwell Lord diante de um Super-Homem atônito.

O caso da Mulher Maravilha merece uma observação mais detalhada. Seu criador (via de regra os autores de gibis são homens) foi o psicólogo americano William Marston, inventor do teste de pressão sanguínea sistólica, elemento fundamental no polígrafo ou “detector de mentiras”. É comum falar que, por ser psicólogo, o autor usou elementos de fetiche relativamente comuns para criar a personagem. O “laço da verdade” seria portanto uma mistura da sua citada invenção com o fetiche do bondage, e boa parte do sucesso da personagem estaria atrelado a estes elementos silenciosos, que atrairiam público.

A história é mais complicada. Marston já havia publicado um artigo no qual defendia o potencial educativo dos quadrinhos, e decidiu criar um super-herói. Sua esposa Elizabeth teria insistido para que fosse uma mulher. Ele ressaltou que não pretendia criar mais um super-heróis que resolvesse seus problemas com os punhos, mas com amor. Sua esposa teria dito que tudo bem, mas que o mais importante era que fosse uma mulher. Para criar a personalidade da heroína, o criador se baseou na personalidade de Elizabeth e na de Olive Byrne (uma aluna sua), formando assim o que seria segundo ele uma modelo de mulher moderna, poderosa e liberta. A heroína teve sua aventura publicada em 1941 e em 1943 Marston escreveu que nem as garotas queriam ser garotas uma vez que o arquétipo feminino é de ausência de força e poder. As qualidades femininas seriam indesejadas pela ausência de força; o autor decidiu portanto criar uma personagem feminina com toda a força do super-homem, “mas com todo o atrativo de uma boa e bela mulher”.

A primeira super-heroína nasce a partir de uma idéia do que as mulheres devem ser. Muito embora seu criador estivesse empoderando a personagem, é fundamental para ele que ela não deixasse de ser carinhosa, submissa e amante da paz.

Safiras Estrelas: personagens femininos tão amorosos que praticamente não tem vontade própria.
Safiras Estrelas: personagens femininos tão amorosos que praticamente não tem vontade própria.

Estas características são bem comuns aos personagens femininos. O amor é considerado uma característica sobretudo feminina, praticamente um dever. Esta função não se limita a servir de interesse amoroso aos protagonistas. O exemplo mais claro disto é a tropa das Safiras Estrelas. Quando o universo do Lanterna Verde se expandiu, foi revelado que a energia verde que os Lanternas Verdes manipulam não é a única do universo. Há na verdade um espectro de cores, cada uma correspondendo a uma emoção dos seres sentientes (não apenas humanos). O Verde, por exemplo, é a Força de Vontade, e por ficar no meio do espectro, o usuário do anel consegue controlar esta energia de forma melhor. Quanto mais para as pontas do espectro de luz, menos controle o usuário do anel possui. Os que carregam anéis das cores extremas são mais hospedeiros do anel do que propriamente usuários deles. Em uma ponta está a cor vermelha, que representa a ira. Na outra ponta está o violeta, o amor, e as portadoras do anel são chamadas de Safiras Estrelas. Portadoras – não há membros masculinos neste grupo. Segundo a DC, em todo o universo, há apenas criaturas femininas que portam o anel cujo poder é baseado no amor.

A famosa "voadora de perna aberta" da Psylocke.
A famosa “voadora de perna aberta” da Psylocke.

Os corpos femininos também passaram gradativamente pelo processo de aumento de tamanho. Além disso, as poses nas quais as mulheres são retratadas são claramente sexualizadas. Mais uma vez, o momento em que isso foi mais evidente foram os anos 90, em que era comum encontrar personagens femininas dando voadoras cujo enquadramento não poderia ter objetivo outro que deixar as personagens erotizadas e sexualizadas. Não é incomum inclusive encontrar gritantes erros de anatomia nos desenhos provocados por esta necessidade de sexualização.

As formas e os enquadramentos absurdos nos quais as personagens femininas são apresentadas nos gibis geraram iniciativas interessantes de contestação, na qual destaco a “Hawkeye Initiative” ou “Iniciativa Gavião Arqueiro”, na qual artistas desenham o Gavião Arqueiro reproduzindo as poses das personagens femininas (que muitas vezes parecem não ter coluna). A Iniciativa tem, entre outros, os méritos de deixar claro a desigualdade na representação de gênero e a exploração comercial da sexualidade feminina.

Os uniformes também foram sendo reduzidos de forma a acompanhar esta crescente sexualização. Muitos deles não têm qualquer sentido prático – lutar de salto alto é comum nos quadrinhos de super-heróis.

Por algum motivo meia arrastao e salto alto parecem um bom uniforme para o combate ao crime.
Por algum motivo meia arrastao e salto alto parecem um bom uniforme para o combate ao crime.

Um dos motivos para a caracterização mais aprofundada das personagens femininas é o fato da maioria dos trabalhadores dos quadrinhos serem homens, assim como os leitores. Se o machismo é reproduzido acriticamente de um lado, é consumido pela outra ponta com pouca contestação pela posição de privilégio que ocupam nas relações de gênero. O emprego de roteristas femininas, contudo, não garante que o ciclo seja quebrado. Os roteiros de  Duane Swierczynski e de Gail Simone para Birds of Prey (por exemplo) reproduzem estereótipos e as mesmas marcações de gênero.

A dificuldade é tamanha que um trabalho que consiga desenvolver bem esta dimensão normalmente é tipo como modelar e exemplar – como é o caso de Joss Whedon em “Os Supreendentes X-man”, no qual um dos personagens principais é Kitty Pride, a Lince Negra. Anteriormente uma protegida de Wolverine, a Lince é agora uma das protagonistas da história, e explorada como poucas vezes.

Para além da heteronormatividade

Se a sexualidade é ausente ou mal trabalhada no caso dos heterossexuais, para os personagens não héteros a situação é muito mais complicada.

Personagens LGBT eram proibidos pelo selo de censura “Comics Code Authority”, muito embora algumas editoras tentassem burlá-los ou, a partir de um determinado momento (que varia de acordo com a editora) passaram a ignorá-lo.

O caso de Estrela Polar é o mais emblemático. A princípio ele era apenas um membro de um grupo de super-heróis a serviço do governo canadense (A Tropa Alfa). Ao desenvolver melhor o grupo e a personalidade de seus membros, John Byrne queria assumir o personagem como gay. O editor da Marvel à época, Jim Shooter era contra a inclusão de personagens homoafetivos (sob o argumento do código de censura), e Byrne passou apenas a insinuar a sexualidade de Estrela Polar. A falta de interesse por personagens femininas e o comportamento “excêntrico” (fugindo do que é considerado masculino) do personagem foram explicados de formas esdrúxulas, entre elas a obsessão por ganhar um campeonato de esquí, ser um elfo (!), entre outras coisas. O escritor Bill Mantlo chegou a tentar dizer que o personagem era portador de AIDS – mas a tentativa não foi adiante. Apenas em 1992 (Alpha Flight #106) que o personagem criado em 1979 pode dizer explicitamente “Eu sou gay”. As histórias recentes do personagem são elogiadas, e ele foi um dos envolvidos no primeiro casamento LGBT no mundo dos super-heróis.

Casamento de Estrela Polar e Kyle.
Casamento de Estrela Polar e Kyle.

O exemplo positivo da DC é a Batwoman. O trabalho de JH Williams III (por vezes juntamente a Greg Rucka) já colecionou diversos prêmios pela forma com a qual a dimensão da sexualidade da personagem é trabalhada. Sempre é ressaltado como ela é explorada, mas não de forma gratuita, e tampouco ignorada. A homoafetividade da personagem também não incorre em associá-la a características tidas como tipicamente masculinas. Os artistas envolvidos na revista decidiram recentemente que Batwoman casaria, e a editora decidiu que isso não poderia acontecer, sob a desculpa de que “heróis não devem ter vidas privadas felizes.”

A dupla que trabalhava na revistas (Williams III e Haden Blackman) decidiram deixar a revista após o incidente. A decisão da DC, contudo, foi no contrassenso comercial, uma vez que a revista é uma das poucas que consegue manter solidamente sua base de leitores.

Batwoman
Batwoman

A reação a personagens deste tipo ou que fogem a padrões que seguiam anteriormente geralmente geram reações acaloradas e homofóbicas, tanto no Brasil (a reação homofóbica brasileira foi notícia lá fora) quanto fora. Mesmo que os personagens não sejam homoafetivos, por possuírem características diferentes da norma que seguiam são hostilizados.

Escapando do Binarismo 

Quase todos os transgêneros dos quadrinhos são vítimas de um “super-poder”: a invisibilidade. A transgeneridade tem como um de seus arqui-inimigos o binarismo, que é pensar o gênero e a sexualidade de forma dual, apenas no sentido homem-mulher.

Lord Fanny, os Invisiveis n.2.
Lord Fanny, os Invisiveis n.2.

Pouco ou quase nenhum espaço foi dado até hoje a personagens transsexuais nos quadrinhos. Talvez justamente por este motivo, os dois casos mais famosos são relativamente bem trabalhados. O primeiro é o caso da Lord Fanny, da revista Os Invisíveis, de Grant Morrison. Lord Fanny é um dos personagens mais poderosos do grupo de magos e feiticeiros do qual faz parte, e sua sexualidade é explorada sempre em conexão com o desenvolvimento do personagem e da sua personalidade.

O segundo personagem, Alysia Yeoh, que divide apartamento com a Batgirl (Barbara Gordon) revelou ser transgênero e bissexual para a Batgirl (Batgril #1). Segundo Gail Simone (a roteirista), ela teve a idéia na convenção WonderCon, ao conversar com o escritor de Batwoman sobre ver dezenas re rostos na convenção e muitos serem LGBT e não estarem representados nos gibis. Ela ainda teria questionado o motivo desta grande ausência, e teria mencionado que o problema de boa parte dos personagens foram criados há mais de 50 anos atrás, e que os quadrinhos não podem ficar se baseando nos conceitos (dominantes) daquela época.

transdc

É importante notar que a categoria dos transgêneros é enorme e encobre muita diversidade dentro dela. Lord Fanny é diferente de Alysia; a Batgirl só percebe que sua companheira de morada é transgênero quando a mesma anuncia. Em outras palavras, ela tem passabilidade: não é evidente que ela seja trans, o que o contrário de Lord Fanny.

Potencial Desperdiçado

Tanto a Marvel quanto a DC possuem uma grande quantidade de personagens transmorfos, que podem alterar seus corpos para assumirem a forma de outras pessoas e mesmo de animais. Contudo, pouco ou nada foi pensado e explorado no sentido da densidade que esta possibilidade representa no que diz respeito as identidades de gênero e a vivência de sexualidade, à psicologia destes personagens. John Byrne quando estava à frente dos X-Men queria fazer Mística (usando seus poderes transmorfos) pai de noturno, e Sina, sua companheira, mãe do mesmo. A editoria da Marvel barrou a ideia.

O universo dos super-heróis faz parte da realidade. Como qualquer dimensão da indústria cultural, gera expectativas, reforça comportamentos, produz e reproduz a realidade, reflete e intervém nela. Ele nos ajuda a entender muitas coisas, entre elas a historicidade do que é o gênero e o quanto muda o tanto que permanece com o tempo. É importante que ela seja um instrumento na transformação a partir da representação, em direção a um mundo mais igualitário e livre. Se os super-heróis não são mais coisa de criança, é hora de assumir seus deveres com o mundo, pois eles mesmos nos ensinaram que “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”.
Fonte: Capitalismo em desencanto

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