PICICA: "Relegar o racismo a outros momentos históricos ou outras latitudes é
com certeza mais conveniente do que discuti-lo em sua atualidade. A
atualidade nos indica um sistema de exploração difusa e estrutural, que o
racismo alimenta e o torna possível, em seus diversos graus. Um
dispositivo intrínseco à produção capitalista que examina todas e todos,
racializados e não. O racismo é, dito de outra forma, a síntese mais
infame e violenta de uma exploração que todas e todos conhecemos e
vivemos. É por isso, então, que combater o racismo não é mera
solidariedade, mas uma luta comum que nos espreita de perto, talvez mais
do que às vezes pensávamos."
Porque Angelo Panebianco é racista
por ANNA CURCIO
Na terça, o coletivo estudantil de Bolonha HoboOccupato e outros ativistas escracharam o professor Angelo Panebianco, pixando a porta de sua sala e os muros da faculdade de ciência política. Dirigida “contra os barões da universidade”, o estopim do protesto foi um artigo desse professor, publicado no jornal Corriere della sera. Sob o título “Hipocrisias demais sobre os imigrantes“, o professor argumenta, entre outras pérolas, que “o único critério sobre o que se pode fundar uma política racional de imigração, por mais árido ou ‘mesquinho’ pareça a quem não tenha apreço pela ética da responsabilidade, é portanto aquele da conveniência, da nossa conveniência.” Noutras palavras, Panebianco se comporta como aqueles compradores de escravos que, nos portos coloniais, inspecionavam os dentes dos recém-chegados para decidir quais estariam em condições de trabalhar para os brancos colonizadores.
Digamos a verdade:, estamos nesta altura a tal ponto mal-acostumados
com comentários racistas circulando cotidianamente pelos meios de
comunicação, com os argumentos mais disparatados, que quase não ligamos
mais. Mas, apesar disso, existem determinados momentos quando o discurso
racista se desnuda até o ponto de tornar-se insustentável. Nessas
horas, quando a raiva e a indignação estão por cima, não dá pra evitar
tomar a palavra. É certo que a precarização e a exploração da vida
comprimem frequentemente as nossas às margens do possível, onde acabamos
sobrepujados pela cotidiana lei da sobrevivência e suas necessidades.
Mas, como se sabe, o que é demais nunca é o bastante.
Dito isto, quando leio a declaração de Angelo Panebianco, ao comentar a legítima e sacrossanta contestação feita por estudantes bolonheses, e depois o editorial de segunda do jornal Corriere della sera, me vejo obrigada a por de lado os meus surtos e acessar o computador. Não o faço, não somente, em solidariedade aos trabalhadores e trabalhadoras imigrantes que foram eficaz e cinicamente compilados pela filosofia como “hipocrisias demais sobre os imigrantes”, nem simplesmente por um puro sobressalto ético. Tomar a palavra contra o racismo imperante, para mim, quer dizer sobretudo combater a exploração e a precarização de todos os dias. Porque as lutas, bem mais que os professores universitários, me ensinaram que combater o racismo quer dizer lutar para mudar o estado de coisas. Mas avancemos com ordem.
Nas declarações emitidas no jornal da manhã de terça-feira, 14 de janeiro, enquanto se afastava da faculdade de Ciência política de Bolonha, onde estava em curso a contestação, Angelo Panebianco alegou, a título de defesa, que o editorial do Corriere della sera não “tratava evidentemente dos refugiados”, mas dos “fluxos de força trabalho”. Assim, se até o momento era possível não ver, e assim podermos distrair-nos com outras premências, com essa declaração a ordem do discurso assumia a sua forma mais precisa. Eis ali, ressaltada, a matriz profundamente racista, não deixando que ainda outra vez pudéssemos contornar o racismo e calar sobre esse tema. A matriz de fundo do discurso de Angelo está rapidamente dada: para os refugiados, não vale a pena desperdiçar análises em páginas de um jornal prestigiado, basta um bocadinho de compaixão chorosa e lágrimas de crocodilo derramadas nos dias seguintes de massacres invariavelmente anunciados; por sua vez, essa da “força trabalho” é, na verdade, uma matéria bem mais substantiva e, diferentemente de miseráveis silenciosos e tutelados pelas leis internacionais que não podem sequer ser postos pra trabalhar, chama à causa maior e mais nobre da organização do trabalho e da produção… O racismo, não me cansarei de repeti-lo, não é um vício ideológico dos vários Panebiancos espalhados pelo país, nem uma patologia social que acometa a classe dominante, o racismo é um potente dispositivo de organização do trabalho, imediatamente contextualizado na produção capitalista.
Isso que Panebianco faz no editorial contestado e, depois, na réplica também publicada pelos jornais é produzir distinções, invocar explicitamente “intervenções seletivas” em matéria de imigração, apenas para, a seguir, dedicar-se a estabelecer uma hierarquia entre imigrantes “bons” e “maus”. Os primeiros são os que se integram, dispostos a anular a própria identidade social e cultural em nome do primado da branqueza e de um sistema de relações verticais. E sobretudo os que aceitam sem pestanejar formas ferozes de exploração sobre o trabalho. É por isso agora que, sem hesitação, digo que Panebianco é racista. E é racista porque recorre ao princípio da raça — que não é nenhum atributo biológico, mas constructo social de marginalização e discriminação, que evoca o pertencimento nacional, a religião e, mais em geral, comportamentos que se presumem naturais, não só a cor da pele — para construir segmentos separados e, entre eles, disputando internamente no bojo da força trabalho: uma verdadeira e própria taxonomia racial por meio do que quanto mais embaixo se esteja, quanto mais seja considerado “mau”, tanto mais poderá ser explorado e subremunerado no mercado de trabalho. Um princípio verdadeiramente simples de entender. Tão simples quanto politicamente problemático, uma vez exposto em alto e bom tom. E é por isto que a estratégia das elites políticas, neste país e não só, é sempre essa: embaralhar as cartas, oscilar entre “acolhimento” e “conveniência”, entre refugiados e “clandestinos”, entre imigrantes “bons” e “maus”.
Ora, é sabido que o problema não é Angelo Panebiando enquanto tal, ou melhor, o problema não é somente Angelo Panebianco, o problema real que as declarações do professor bolonhês ocultam tem a ver com um sistema global de poder. Este não tem cor política, mas sustenta e legitima, de modo bipartido, o racismo: como dispositivo de exploração que acompanha e sustenta o capitalismo desde os seus albores. Por isto, ademais, a tentativa de Panebianco de desmarcar-se das críticas dos estudantes, observando que estava sendo acusado simultaneamente de neoliberalismo e fascismo, não funciona, porque o racismo, como constante do capitalismo, não distingue entre fascismo e neoliberalismo. Pinochet e os Chicago boys eram ao mesmo tempo fascistas, neoliberais e racistas. E os estudantes evidentemente sabem disso melhor do que ele, pelo menos que, ao professá-lo, não se deixe isso passar em branco.
Relegar o racismo a outros momentos históricos ou outras latitudes é com certeza mais conveniente do que discuti-lo em sua atualidade. A atualidade nos indica um sistema de exploração difusa e estrutural, que o racismo alimenta e o torna possível, em seus diversos graus. Um dispositivo intrínseco à produção capitalista que examina todas e todos, racializados e não. O racismo é, dito de outra forma, a síntese mais infame e violenta de uma exploração que todas e todos conhecemos e vivemos. É por isso, então, que combater o racismo não é mera solidariedade, mas uma luta comum que nos espreita de perto, talvez mais do que às vezes pensávamos.
* Tradução por UniNômade Brasil.
Na terça, o coletivo estudantil de Bolonha HoboOccupato e outros ativistas escracharam o professor Angelo Panebianco, pixando a porta de sua sala e os muros da faculdade de ciência política. Dirigida “contra os barões da universidade”, o estopim do protesto foi um artigo desse professor, publicado no jornal Corriere della sera. Sob o título “Hipocrisias demais sobre os imigrantes“, o professor argumenta, entre outras pérolas, que “o único critério sobre o que se pode fundar uma política racional de imigração, por mais árido ou ‘mesquinho’ pareça a quem não tenha apreço pela ética da responsabilidade, é portanto aquele da conveniência, da nossa conveniência.” Noutras palavras, Panebianco se comporta como aqueles compradores de escravos que, nos portos coloniais, inspecionavam os dentes dos recém-chegados para decidir quais estariam em condições de trabalhar para os brancos colonizadores.
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Dito isto, quando leio a declaração de Angelo Panebianco, ao comentar a legítima e sacrossanta contestação feita por estudantes bolonheses, e depois o editorial de segunda do jornal Corriere della sera, me vejo obrigada a por de lado os meus surtos e acessar o computador. Não o faço, não somente, em solidariedade aos trabalhadores e trabalhadoras imigrantes que foram eficaz e cinicamente compilados pela filosofia como “hipocrisias demais sobre os imigrantes”, nem simplesmente por um puro sobressalto ético. Tomar a palavra contra o racismo imperante, para mim, quer dizer sobretudo combater a exploração e a precarização de todos os dias. Porque as lutas, bem mais que os professores universitários, me ensinaram que combater o racismo quer dizer lutar para mudar o estado de coisas. Mas avancemos com ordem.
Nas declarações emitidas no jornal da manhã de terça-feira, 14 de janeiro, enquanto se afastava da faculdade de Ciência política de Bolonha, onde estava em curso a contestação, Angelo Panebianco alegou, a título de defesa, que o editorial do Corriere della sera não “tratava evidentemente dos refugiados”, mas dos “fluxos de força trabalho”. Assim, se até o momento era possível não ver, e assim podermos distrair-nos com outras premências, com essa declaração a ordem do discurso assumia a sua forma mais precisa. Eis ali, ressaltada, a matriz profundamente racista, não deixando que ainda outra vez pudéssemos contornar o racismo e calar sobre esse tema. A matriz de fundo do discurso de Angelo está rapidamente dada: para os refugiados, não vale a pena desperdiçar análises em páginas de um jornal prestigiado, basta um bocadinho de compaixão chorosa e lágrimas de crocodilo derramadas nos dias seguintes de massacres invariavelmente anunciados; por sua vez, essa da “força trabalho” é, na verdade, uma matéria bem mais substantiva e, diferentemente de miseráveis silenciosos e tutelados pelas leis internacionais que não podem sequer ser postos pra trabalhar, chama à causa maior e mais nobre da organização do trabalho e da produção… O racismo, não me cansarei de repeti-lo, não é um vício ideológico dos vários Panebiancos espalhados pelo país, nem uma patologia social que acometa a classe dominante, o racismo é um potente dispositivo de organização do trabalho, imediatamente contextualizado na produção capitalista.
Isso que Panebianco faz no editorial contestado e, depois, na réplica também publicada pelos jornais é produzir distinções, invocar explicitamente “intervenções seletivas” em matéria de imigração, apenas para, a seguir, dedicar-se a estabelecer uma hierarquia entre imigrantes “bons” e “maus”. Os primeiros são os que se integram, dispostos a anular a própria identidade social e cultural em nome do primado da branqueza e de um sistema de relações verticais. E sobretudo os que aceitam sem pestanejar formas ferozes de exploração sobre o trabalho. É por isso agora que, sem hesitação, digo que Panebianco é racista. E é racista porque recorre ao princípio da raça — que não é nenhum atributo biológico, mas constructo social de marginalização e discriminação, que evoca o pertencimento nacional, a religião e, mais em geral, comportamentos que se presumem naturais, não só a cor da pele — para construir segmentos separados e, entre eles, disputando internamente no bojo da força trabalho: uma verdadeira e própria taxonomia racial por meio do que quanto mais embaixo se esteja, quanto mais seja considerado “mau”, tanto mais poderá ser explorado e subremunerado no mercado de trabalho. Um princípio verdadeiramente simples de entender. Tão simples quanto politicamente problemático, uma vez exposto em alto e bom tom. E é por isto que a estratégia das elites políticas, neste país e não só, é sempre essa: embaralhar as cartas, oscilar entre “acolhimento” e “conveniência”, entre refugiados e “clandestinos”, entre imigrantes “bons” e “maus”.
Ora, é sabido que o problema não é Angelo Panebiando enquanto tal, ou melhor, o problema não é somente Angelo Panebianco, o problema real que as declarações do professor bolonhês ocultam tem a ver com um sistema global de poder. Este não tem cor política, mas sustenta e legitima, de modo bipartido, o racismo: como dispositivo de exploração que acompanha e sustenta o capitalismo desde os seus albores. Por isto, ademais, a tentativa de Panebianco de desmarcar-se das críticas dos estudantes, observando que estava sendo acusado simultaneamente de neoliberalismo e fascismo, não funciona, porque o racismo, como constante do capitalismo, não distingue entre fascismo e neoliberalismo. Pinochet e os Chicago boys eram ao mesmo tempo fascistas, neoliberais e racistas. E os estudantes evidentemente sabem disso melhor do que ele, pelo menos que, ao professá-lo, não se deixe isso passar em branco.
Relegar o racismo a outros momentos históricos ou outras latitudes é com certeza mais conveniente do que discuti-lo em sua atualidade. A atualidade nos indica um sistema de exploração difusa e estrutural, que o racismo alimenta e o torna possível, em seus diversos graus. Um dispositivo intrínseco à produção capitalista que examina todas e todos, racializados e não. O racismo é, dito de outra forma, a síntese mais infame e violenta de uma exploração que todas e todos conhecemos e vivemos. É por isso, então, que combater o racismo não é mera solidariedade, mas uma luta comum que nos espreita de perto, talvez mais do que às vezes pensávamos.
* Tradução por UniNômade Brasil.
2014-01-10
Los nuevos-nuevos movimientos sociales
En un libro clásico y monumental, Theda Skocpol analiza las tres grandes revoluciones (francesa, rusa y china) desde una mirada centrada en los estados, su desintegración y la reconstrucción posrevolucionaria. En Los estados y las revoluciones sociales (Fondo de Cultura Económica, 1984), pone bajo la lupa cómo los procesos revolucionarios afectaron y modificaron las instituciones. Para quienes nos formamos en Marx, llega a conclusiones incómodas.Luego de la comparación minuciosa de los tres procesos, concluye que el estado ha sido central en todos, pero que los cambios estatales no pueden explicarse en función de los conflictos de clase. Destaca “el poder autónomo” de los Estados, no reductible a ninguna de las clases sociales, aunque tampoco neutral respecto a ellas.
El aspecto más actual de su análisis estriba en tres conclusiones que destila al final de su trabajo. La primera es que las revoluciones no se producen por actividades deliberadas de las vanguardias; cita en su apoyo al militante antiesclavista Wendell Phillips: “Las revoluciones no se hacen, ellas solas vienen” (p. 41).
La segunda es que la desintegración de los estados del antiguo régimen activó la espoleta del conflicto social que se tradujo en la expropiación de las clases dominantes. La irrupción de los de abajo fue decisiva para modificar las relaciones entre las clases, evitar el triunfo de la contrarrevolución y neutralizar las estabilizaciones liberales.
La tercera es que “de las tres revoluciones surgieron estados más centralizados, burocráticos y autónomamente poderosos en el interior y en el exterior” (p. 441). En el interior, “los campesinos y los obreros quedaron más directamente incorporados a la política nacional y a los proyectos apoyados por el Estado”.
El análisis histórico es inobjetable, realista y contundente. Otra cosa es que resulte agradable, para quienes seguimos pensando que el Estado es una maquinaria opresiva y aspiramos –siguiendo a Marx y a Lenin– a su “extinción”.
Lo que no señala la autora es que las fuerzas antisistémicas estaban dispuestas de modo jerárquico, con una distribución del poder interno que era “calco y copia” de las instituciones estatales, y llevaban el saber desde fuera a los sujetos rebeldes. Tampoco señala que los estados nacidos de las revoluciones se convirtieron con el tiempo en maquinarias de dominación, muy similares a las que sustituyeron, al punto de que se pudo comparar el régimen de Stalin con el de Pedro el Grande, y a los funcionarios comunistas chinos con los mandarines imperiales.
El último ciclo de luchas en la región sudamericana parece confirmar la tesis de Scokpol: los estados fueron debilitados por las privatizaciones neoliberales, lo que disparó el conflicto social que llevó al gobierno a fuerzas progresistas que cerraron el ciclo con el fortalecimiento de los estados. En paralelo, los “nuevos” movimientos cumplieron su ciclo histórico: nacieron en la etapa final de las dictaduras, crecieron bajo el neoliberalismo, se institucionalizaron y entraron en lento declive.
Sin embargo, los movimientos que protagonizaron este ciclo eran distintos de aquellos que los precedieron, cuyo molde y modelo fueron los sindicatos tradicionales. No todos se plegaron a los nuevos modos de gobernar y algunos siguen caminos propios, mostrando que la historia no es un camino delineado por las lógicas estructurales. Aunque no pudieron romper completamente con las viejas culturas políticas estadocéntricas, fueron más lejos que la camada de movimientos anteriores y dejaron huellas potentes que siguen siendo referencias.
En los últimos años está naciendo una nueva camada de movimientos que se diferencian no sólo de los viejos, sino también de los “nuevos”. En varias ocasiones hemos mencionado al Movimiento Passe Livre (MPL), de Brasil, y a la Asamblea Coordinadora de Estudiantes Secundarios (ACES), de Chile. No son los únicos, aunque quizá sean los más conocidos. El movimiento contra la minería en Perú puede ser incluido en esta camada, así como el Movimiento Popular La Dignidad, de Argentina, y otros que no hay espacio para mencionar.
Algunos han nacido tiempo atrás, como el MPL, con características novedosas, tanto por su cultura política (autonomía, horizontalidad, federalismo, consenso, apartidismo) como por las formas de acción que emplea. Otros movimientos se han reinventado o refundado en procesos de resistencia. Los Guardianes de las Lagunas peruanos nacieron a partir de las Rondas Campesinas, organizaciones comunales de defensa creadas en los setenta.
Entre los “nuevos” y los más recientes, los nuevos-nuevos, existe una notable diferencia de cultura política: no se referencian en el Estado, con el que pueden mantener diálogos y negociaciones, ni reproducen en su interior las formas jerárquico-patriarcales. Los Guardianes de las Lagunas se inspiran en las comunidades andinas; los estudiantes chilenos y los jóvenes brasileños en sus formas de vida cotidiana en las periferias urbanas, en sus grupos de sociabilidad y afinidad, en el hip-hop, en las diversas culturas juveniles en resistencia.
No han formado estructuras-aparatos, ni han entronizado dirigentes permanentes por encima de los colectivos. Son movimientos que nacieron después de las dictaduras (los nuevos nacieron contra el autoritarismo) y reciben la influencia de dos movimientos que emergieron en el continente en las últimas décadas: el feminista y el indígena.
Se nutren de sus variantes más antisistémicas: los feminismos campesinos y populares, los feminismos comunitarios e indígenas; comparten con un sector del movimiento indio su vocación autonómica, su aspiración a cambiar el mundo por fuera del Estado y a crear instituciones posestatales, como las Juntas de Buen Gobierno. Se organizan para construir un mundo nuevo, no para incrustarse en las instituciones. Encarnan la posibilidad concreta de que florezca una nueva cultura política que trabaje para que los cambios vengan de abajo.
Los nuevos-nuevos movimientos sociales
En un libro clásico y monumental, Theda Skocpol analiza las tres grandes revoluciones (francesa, rusa y china) desde una mirada centrada en los estados, su desintegración y la reconstrucción posrevolucionaria. En Los estados y las revoluciones sociales (Fondo de Cultura Económica, 1984), pone bajo la lupa cómo los procesos revolucionarios afectaron y modificaron las instituciones. Para quienes nos formamos en Marx, llega a conclusiones incómodas.Luego de la comparación minuciosa de los tres procesos, concluye que el estado ha sido central en todos, pero que los cambios estatales no pueden explicarse en función de los conflictos de clase. Destaca “el poder autónomo” de los Estados, no reductible a ninguna de las clases sociales, aunque tampoco neutral respecto a ellas.
El aspecto más actual de su análisis estriba en tres conclusiones que destila al final de su trabajo. La primera es que las revoluciones no se producen por actividades deliberadas de las vanguardias; cita en su apoyo al militante antiesclavista Wendell Phillips: “Las revoluciones no se hacen, ellas solas vienen” (p. 41).
La segunda es que la desintegración de los estados del antiguo régimen activó la espoleta del conflicto social que se tradujo en la expropiación de las clases dominantes. La irrupción de los de abajo fue decisiva para modificar las relaciones entre las clases, evitar el triunfo de la contrarrevolución y neutralizar las estabilizaciones liberales.
La tercera es que “de las tres revoluciones surgieron estados más centralizados, burocráticos y autónomamente poderosos en el interior y en el exterior” (p. 441). En el interior, “los campesinos y los obreros quedaron más directamente incorporados a la política nacional y a los proyectos apoyados por el Estado”.
El análisis histórico es inobjetable, realista y contundente. Otra cosa es que resulte agradable, para quienes seguimos pensando que el Estado es una maquinaria opresiva y aspiramos –siguiendo a Marx y a Lenin– a su “extinción”.
Lo que no señala la autora es que las fuerzas antisistémicas estaban dispuestas de modo jerárquico, con una distribución del poder interno que era “calco y copia” de las instituciones estatales, y llevaban el saber desde fuera a los sujetos rebeldes. Tampoco señala que los estados nacidos de las revoluciones se convirtieron con el tiempo en maquinarias de dominación, muy similares a las que sustituyeron, al punto de que se pudo comparar el régimen de Stalin con el de Pedro el Grande, y a los funcionarios comunistas chinos con los mandarines imperiales.
El último ciclo de luchas en la región sudamericana parece confirmar la tesis de Scokpol: los estados fueron debilitados por las privatizaciones neoliberales, lo que disparó el conflicto social que llevó al gobierno a fuerzas progresistas que cerraron el ciclo con el fortalecimiento de los estados. En paralelo, los “nuevos” movimientos cumplieron su ciclo histórico: nacieron en la etapa final de las dictaduras, crecieron bajo el neoliberalismo, se institucionalizaron y entraron en lento declive.
Sin embargo, los movimientos que protagonizaron este ciclo eran distintos de aquellos que los precedieron, cuyo molde y modelo fueron los sindicatos tradicionales. No todos se plegaron a los nuevos modos de gobernar y algunos siguen caminos propios, mostrando que la historia no es un camino delineado por las lógicas estructurales. Aunque no pudieron romper completamente con las viejas culturas políticas estadocéntricas, fueron más lejos que la camada de movimientos anteriores y dejaron huellas potentes que siguen siendo referencias.
En los últimos años está naciendo una nueva camada de movimientos que se diferencian no sólo de los viejos, sino también de los “nuevos”. En varias ocasiones hemos mencionado al Movimiento Passe Livre (MPL), de Brasil, y a la Asamblea Coordinadora de Estudiantes Secundarios (ACES), de Chile. No son los únicos, aunque quizá sean los más conocidos. El movimiento contra la minería en Perú puede ser incluido en esta camada, así como el Movimiento Popular La Dignidad, de Argentina, y otros que no hay espacio para mencionar.
Algunos han nacido tiempo atrás, como el MPL, con características novedosas, tanto por su cultura política (autonomía, horizontalidad, federalismo, consenso, apartidismo) como por las formas de acción que emplea. Otros movimientos se han reinventado o refundado en procesos de resistencia. Los Guardianes de las Lagunas peruanos nacieron a partir de las Rondas Campesinas, organizaciones comunales de defensa creadas en los setenta.
Entre los “nuevos” y los más recientes, los nuevos-nuevos, existe una notable diferencia de cultura política: no se referencian en el Estado, con el que pueden mantener diálogos y negociaciones, ni reproducen en su interior las formas jerárquico-patriarcales. Los Guardianes de las Lagunas se inspiran en las comunidades andinas; los estudiantes chilenos y los jóvenes brasileños en sus formas de vida cotidiana en las periferias urbanas, en sus grupos de sociabilidad y afinidad, en el hip-hop, en las diversas culturas juveniles en resistencia.
No han formado estructuras-aparatos, ni han entronizado dirigentes permanentes por encima de los colectivos. Son movimientos que nacieron después de las dictaduras (los nuevos nacieron contra el autoritarismo) y reciben la influencia de dos movimientos que emergieron en el continente en las últimas décadas: el feminista y el indígena.
Se nutren de sus variantes más antisistémicas: los feminismos campesinos y populares, los feminismos comunitarios e indígenas; comparten con un sector del movimiento indio su vocación autonómica, su aspiración a cambiar el mundo por fuera del Estado y a crear instituciones posestatales, como las Juntas de Buen Gobierno. Se organizan para construir un mundo nuevo, no para incrustarse en las instituciones. Encarnan la posibilidad concreta de que florezca una nueva cultura política que trabaje para que los cambios vengan de abajo.
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Fonte: Commonware
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