PICICA: "Um
rolezinho - como está acontecendo - pode fazer "sozinho" emergir as
contradições fundamentais do nosso capitalismo periférico à brasileira."
Opinião
18/01/2014 - Copyleft
Rolezinho e o problema da críticaUm rolezinho - como está acontecendo - pode fazer "sozinho" emergir as contradições fundamentais do nosso capitalismo periférico à brasileira. |
Duas críticas se colocam quando
vemos os rolezinhos e suas recepções. Uma, a de que o rolezinho acirra o
real, não o distorce, mas sim faz aparecer com mais luz e violência; a
outra os esvazia fazendo com que sejam vistos como eventos volúveis que
servem a esta ou aquela (ou ambas) ideologia. O convite não é que se
façam cortes e recortes para que então se chegue à “verdade dos
rolezinhos”, é ver como a constituição do processo social obriga a
qualquer um que quer entender esse evento e sua consequência a aceitar o
seu caráter contraditório.
O
primeiro contraste que me veio foi a força que teve o rolezinho em
organizar um aparente consenso no discurso da esquerda. Fica, então, um
entrave que deve ser posto antes: o rolezinho - pelo olhar crítico da
esquerda - demonstrou um problema (nada) adormecido no seio das relações
de classes sociais, mas é estranho perceber que o mesmo olhar não foi
acionado quando enfrentou a questão da tática Black Bloc que ainda susta
muitos argumentos prontos das autoridades de esquerda.
Mas
voltemos ao tema específico do texto, e também a uma das críticas de
que citei no início: o rolezinho acirrou a realidade - não a distorce, e
sim traz com violência algo que existe, subjaz normalmente. Os eventos
do facebook mostram que a politização não é motor do encontro,
entretanto a partir do momento que o evento ocorre, algo surge para além
dele. Mesmo a mais trivial aglomeração de jovens de periferia pardos e
negros pode se tornar o sopro para fazer desabar esta conciliação que a
inclusão pelo consumo dos últimos anos possibilitou. O embate classista
se dá de maneira tão gritante que até o “causar” despreocupado de jovens
da periferia, do bonde da ostentação assume brado emancipatório.
É
preciso, no entanto, ponderar todas as provocações, o conceito, a
ideia de emancipação no capitalismo tal como estamos vivendo -
financeirista, global e abstrato, mas ainda excludente, desigual e
explorador - se conforma de maneira difusa e, pior, cada vez mais
suscetível a virar mais um nicho de mercado. Exemplo interessante é ver
que enquanto um livro elabora de maneira crítica e forte teses
revolucionárias é publicado ao sabor das demandas do mercado editorial,
um rolezinho - como está acontecendo - pode fazer “sozinho” emergir as
contradições fundamentais do nosso capitalismo periférico à brasileira. A
realidade complica muito nossas equações.
Racista,
patriarcal e excludente. Foi assim que se constituiu o capitalismo
moderno no Brasil; a mão invisível do mercado aqui não se deteriora, não
permanece realmente fora do lugar, mas se atualiza: o capitalismo não é
um algo "x" que foi deportado das terras europeias e então se comporta
como um estrangeiro, e sim uma relação que se atualiza e toma suas
medidas a partir daí, tornando-se nativo. É complicado fazer qualquer
resumo desse "deslimite" do capitalismo e seu caráter de fugir de
qualquer categorização fixa; se há alguma possibilidade de qualifica-lo é
deixar claro que ele escapa de suas próprias medidas, as reiventa e as
suspende no momento seguinte, reproduzindo a si mesmo mais uma vez. É o
seu processo.
É
daí que então sai o perigo da segunda crítica: o de esvaziar algo a
serviço disto ou daquilo, alguns caracterizando o rolezinho como novo
indivíduo revolucionário; outros como... bem, não há pretensão de
pensamento, há só reprodução de status quo pela direita. E finalmente, o
pior dos esvaziamentos: “não há o que ver nos rolezinhos”. Ele
certamente não foi uma manifestação da insatisfação da classe que pode
vir a representar, no entanto, não é - muito menos - mera retórica
marxista dizer que a reação a esses rolezinhos pôs em choque o
conflito que parecia silenciado pelo consumo, base inequívoca da relação
social. Dou razão àqueles que não engolem o puro messianismo de que no
par “explorador-explorado” um deles aparece como o sujeito
revolucionário. Temos de lidar com um deserto muito maior do que nos é
confortável acreditar, contudo o simples rechaço à coloração brasileira
de nosso capitalismo serve a uma crítica que naturaliza os conflitos
sejam eles de raça, gênero ou qualquer outro.
Fonte: Carta Maior
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