PICICA: "O ano de
2014 começou na velocidade da luz. Para quem apostou no fim, ou no
enfraquecimento, das manifestações a potência do protesto contra a
realização da Copa do Mundo surpreendeu. Antes, o fenômeno dos
rolezinhos impôs uma dura derrota ao elitismo e ao racismo tradicionais.
Neste post, que marca o aniversário de cinco anos d'O Descurvo e a entrada no Ano VI,
a nossa hipótese para essa tremenda esfinge é a seguinte: não se trata
de um processo explicável pela análise de correlação de forças
políticas, do equilíbrio macroeconômico ou algo do tipo, mas sim de algo
que decorre de uma nova composição social, de uma nova forma de
sociabilidade e, até, de pensamento para além da vida em "sociedade"."
Ano VI: No Meio do Caminho da Democracia havia um Fusca.
O ano de
2014 começou na velocidade da luz. Para quem apostou no fim, ou no
enfraquecimento, das manifestações a potência do protesto contra a
realização da Copa do Mundo surpreendeu. Antes, o fenômeno dos
rolezinhos impôs uma dura derrota ao elitismo e ao racismo tradicionais.
Neste post, que marca o aniversário de cinco anos d'O Descurvo e a entrada no Ano VI,
a nossa hipótese para essa tremenda esfinge é a seguinte: não se trata
de um processo explicável pela análise de correlação de forças
políticas, do equilíbrio macroeconômico ou algo do tipo, mas sim de algo
que decorre de uma nova composição social, de uma nova forma de
sociabilidade e, até, de pensamento para além da vida em "sociedade".
Parece
simples, mas não é. O avanço do capitalismo cognitivo, o trabalho
imaterial, a globalização, a internet etc trouxeram mudanças sim
relevantes, mas o que interessa aqui é que graças a uma nova perspectiva
antropológica tudo isso tomou um significado novo. E quando falamos em
homem, com efeito, é de desejo que estamos falando: o que há de
relevante nas mudanças brasileiras dos últimos anos, não é que tudo
mudou pelo motivo de que reformas socioeconômicas mudaram objetivamente
as coisas, mas que aquilo que há de relevante nessas transformações foi
uma intensa liberação do desejo.
Trocando
em miúdos, as gentes mestiças e pobres, as minorias oprimidas no sistema
brasileiro, sentiram-se autorizadas a desejar. Numa sociedade marcada
por um esquema rígido de exclusão e opressão, isso mudou tudo. É, numa
simplificação grosseira, uma nova sociedade brasileira, marcada por
novas tensões e, consequentemente, um novo equilíbrio. É preciso aceitar
que um novo mundo já está aí, e que no Brasil, mais ainda.
Enquanto
os velhos atores políticos conservadores procuram criar, do caos, a
saída para seu beco sem saída, a esquerda partidária aproveita mais
porque se reporta, e quer se reportar, a um mundo que não existe mais --
um mundo no qual o partido, o sindicato, o jornal geravam tendências.
Nunca
antes na história [recente] desse país houve tanto movimento para gerar
transformações. Mas ao mesmo tempo, a resposta que nós temos é a
retranca política. A realização da Copa do Mundo, que será ainda objeto
de muita discussão e quetais, é simples: exige envergadura política do
governo. Não adianta surfar em uma onda de repressão e escândalo
público. A Copa exige geração de direitos. A juventude precisa olhar
para o horizonte e poder sonhar com mais do que uma vida média.
Da parte
da esquerda, é necessário independência, prudência e a fuga constante do
fascismo. Não como ameaça externa, mas como o próprio risco de nos
tornamos algo menos do que vampiros. E não apenas o fascismo sujeito
histórico, mas o conceito de fascismo. A vontade de resolver o que não
se compreende pela violência, a atração fatal pelo poder. A diferença
entre o autoritário e o democrata será sempre a postura adotada face aos
questionamentos políticos, num primeiro momento, incompreensíveis. É
isso.
P.S.: Sem mais essa história essa de fusca queimado por manifestantes. Não foi nada disso que aconteceu. A violência que importa, aqui e agora, é a violência de Estado (a menos que você concorde com coisas como isso ou isso).
P.S. 2: Se
Dilma se reuniu ou se reunirá com sua equipe para discutir a Copa, eu
não sei. Mas ela que se toque do que está acontecendo. Fazer política
não dói, ou não deveria -- como o Mais Médicos poderia ter ensinado.
Fonte: O Descurvo
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