PICICA: "Oh minha França bela França, meu mundo belo mundo machista, racista
e ainda hoje colonialista por que eu tenho a impressão de que as mulheres
continuam sendo usadas nas mãos de homens poderosos e não só poderosos como
Kechiche, mas como Steven Spielberg, presidente do júri dessa edição do
festival? É só quando Kechiche embranquece o seu cinema e a referência ao
colonialismo torna-se uma simples alusão muito distante e que as personagens
principais serão as musas brancas que ele vencerá Cannes, com um filme sobre
amor entre mulheres que repete clichês do amor heteronormativo. Nada de novo no
front, não em Cannes, mas não será lá que inventaremos novos amores."
Azul demais, nada de mais
Le bleu est une couleur chaude Julie Maroh http://djou-bd.over-blog.com/ |
Tentei escrever esse texto sobre
o filme "Azul a cor mais profunda", partindo primeiro das impressões
que tive ao assistir ao filme sem saber da polêmica em torno dele e aos poucos
acrescentar o que veio com leituras posteriores, o fora-tela. Tentei... depois
misturou tudo. O texto é dedicado à Diana, Bruno e Davi pelas conversas, inspirações depois e a partir do filme.
Adèle, ai que
tédio sua cara de peixe morto e sua boca entreaberta vista bem de perto nesse
tom sensual. Logo que ela aparece já sabemos: essa é a musa que não quer ser
musa, patinho feio só que não, bunda bonita que aparece todo o tempo, na calça
apertada meio desengonçada por que é adolescente, no pijaminha dormindo. Aí a
gente se pergunta, será que o diretor quer que a gente vá com o diário ou
desconfie desse diário? O que incomoda no filme são esses caras bacanas e essas
mulheres perfeitas que são um tédio. Será que o diretor acredita mesmo que o
mundo é assim ou ele está sendo irônico? Ele tá tirando da cara de todo mundo?
Será que ele está sendo tão manipulador e a sua violência com o mundo é essa de
produzir esse discurso, essa estética, ou de reproduzi-la? Mas deixa eu tentar
voltar pro que eu tava falando. Da Adèle, que é um tédio, olha o mundo, é
profunda, ela lê e conversa com o carinha que não lê, pensando no amor
verdadeiro que ela viu na rua, uma mulher perfeita de cabelo azul, olhos azuis.
E tem aquela coisa do mundo parar quando elas se vêem. Ah, mas é um diário,
então será que ela é perfeita só no diário? Elas são perfeitas só no diário? Aí
o diretor estaria perdoado? Princesa encontra princesa. Ela vai nas boates gay
e não dança, no bar lésbico mas não beija, bem mais tarde na trama encontra o
colega de trabalho numa salsa e também não chega a dançar tanto. Vista sempre
muito de perto com olhos de quem lhe coloca uma pureza, ou contada pelo seu
diário que evoca essa pureza e, na mesma medida em que Adèle é pura o azul dos
olhos e dos cabelos de Emma brilham, sua inteligência e seu modo descolado se
destacam, ela faz belas artes e cita Sartre. Socorro. Deixa eu fugir do cinema.
Não que essas características tenham algum problema por si sós, mas a maneira
como são colocadas lado a lado num encontro de dois seres perfeitos, com suas
belas tiradas de quem está no parque olhando o céu "e está tão bom"
dizem elas... e então... a cena de sexo que, pela trama, aaaah ainda bem que
ela existe! Até que enfim! Por que eu não aguentava mais tudo aquilo que se
passava só na cabeça e nos olhos de Adèle, aquela perfeição de seu diário. Só
ali então é que algo que parecia construído numa idealização de relação se
torna real, pessoas fazem sexo e fazem sexo com closes, sem luz especial para
isso. Se todo o filme é assim, não nos poupando das bundas, bocas, olhos e
pessoas mastigando bem de perto por que agora o diretor nos pouparia, achei que
foi importante, pois marca uma passagem do
filme, quebra com aquele amor platônico (apesar de depois na trama ele deixar
de ser platônico para passar a ser heteronormativo, cada uma cumprindo um papel
bem claro: o homem e a mulher) e toda uma interioridade. Mas aí tem aquela
vontade de perfeição que parece persistir também ali. O problema é que deixa de
ser idealizada talvez a relação entre elas, mas não deixam de ser idealizados
os corpos e a visão da mulher. Elas estavam no parque se olhando com cara de
paixão como se fossem duas criaturas intocáveis e de repente uma cena de 10
minutos de sexo. Achei necessário por que aquela criatura nem se mexia, era o
encontro de duas musas, a cena longa de sexo quebra um pouco da pureza e
idealização das personagens, o que não quebra é a maneira como é filmado, não vou entrar ainda não questão do assédio moral alegado
pelas atrizes no setting de filmagem (http://www.slate.fr/culture/77196/lea-seydoux-adele-exarchopoulos-kechiche),
mas o resultado dessa cena e do filme é de corpos belos no sentido do corpo
padrão, o próprio diretor defendendo-se das acusações em relação ao
autoritarismo afirmou que não entendeu as acusações por que o que se queria
passar era o desenho do encontro das personagens como uma pintura. Ah seu
Kechiche, “like paintings?” (http://www.theupcoming.co.uk/2013/05/26/an-interview-with-abdellatif-kechiche-director-of-cannes-winner-blue-is-the-warmest-colour/),
não era pra ser o desejo, o encontro? Novamente as deusas intocáveis que,
vistas em seu momento sagrado, todos querem profanar? Então é isso? Preferiria fosse
um rala e rola mesmo, com corpo todo errado. Nesse sentido a filmagem da cena
de sexo de Adèle com o namorado do início do filme é mais interessante (fora a
cara dela de sempre de “ai que tédio”), por ter imperfeições. Eles estão
desconfortáveis, ela bate a cabeça na parede, o corpo não encaixa direito, mas
isso é feito pra dizer que ela não está gostando, não gosta dele ou não gosta
de mulheres, e não por que o quarto é pequeno, ou por que nossos corpos são
mesmo imperfeitos ou somos descoordenados e não sabemos o que fazer num
primeiro encontro e temos que aprender juntos como se faz. Mulheres ou homens.
Duas mulheres transando não são “like paintings” mesmo se estão loucas de tesão
e se amando mais que tudo.
O ponto alto
do filme é a comida e não a boca aberta das respirações vazias. O ponto alto de
Adèle é a comida, é o que ela consegue afirmar. É um dos prazeres, uma das
paixões, e a cozinha uma de suas qualidades. O que é impecável no filme são as
cenas das pessoas comendo, desde o primeiro encontro com o menino comendo um
sanduíche na rua, cenas nas mesas com closes das bocas comendo e falando, a fome, a cena do
jantar, o cruzamento das falas da vida com as falas sobre a comida, ou de como
a comida compõe sem ser citada, ou marca uma posição social, como na cena do
jantar na casa de Emma, seu primeiro vernissage em que ela e seus amigos falam,
numa conversa bastante intelectualizada, de como o prazer não é compartilhável,
é particular, ao mesmo tempo em que estão todos comendo a mesma comida, de uma
maneira quase irascível, estão todos unidos pelo estômago, devorando a massa
cozinhada por Adèle, com as bocas sujas, falando de boca cheia. Ela que se
sentia ali tão deslocada era que havia provocado esse comum de que as pessoas
participavam, mas nem percebiam como havia sido criado, apesar de a
reconhecerem nesse espaço, era ela quem se sentia invisível, desconfortável.
Desconforto que só é percebido por Samir - interpretado pelo ator Salim
Kechiouche - personagem árabe que trabalha como ator de filmes de ação nos EUA,
que só conseguia papéis de terrorista e que acaba servindo a massa para Adèle.
É nesse personagem que talvez possamos ver onde se localiza o olhar de Kechiche
no filme, esse personagem surge como uma espécie de crítica ao mundo dos
intelectuais artistas do mundo de Emma, ao mesmo tempo ele não está totalmente
identificado com a narração do diário de Adèle, mas lhe é mais solícito,
disponível. Ele e Adèle tem um encontro
por ambos não pertencerem àquele mundo. Mas aqui aparece outra questão do
filme, a de que essa solicitude, esse apoio que Adèle encontra em alguns
personagens do filme, num filme de amor entre duas mulheres, acontece
justamente através de personagens masculinos. As cenas de mão estendida por
parte de amizades do colégio também vão nesse sentido, seu melhor amigo era um
menino, ajudando a reforçar a crença de que mulheres não sabem cultivar
vínculos entre elas, não se apoiam mutuamente.
O diretor
mostrou-se espantado e disse não entender o que significava uma visão masculina
da história, que o acusavam de ter
realizado. "Do I need to be a woman, and a lesbian,
to talk about love between women? We're talking about love here – it's
absolute, it's cosmic.” (http://www.theguardian.com/film/2013/oct/27/abdellatif-kechiche-interview-blue-warmest).
Não, você não precisa ser uma mulher lésbica para falar do amor
entre mulheres, mas o amor, ah o amor, ele não é cósmico, ele é cosmicamente
heteronormativo. E para não o ser precisa ser reconstruído conjuntamente. Para
dizer que o amor é cósmico, além da cultura, em que cosmo você vive Kechiche? A
palavra Cosmos vem do grego, e na antiguidade significava a existência de ordem
e harmonia superiores, guiando um universo aparentemente caótico. A ideia de um
“amor cósmico” parece ressoar essa crença numa harmonia suprema, uma beleza
unânime, presentes nos altos sentimentos, capazes de elevar-nos do mundo do
interesse, do particular e do instinto. Essa ideia de amor cósmico parece muito
próxima das musas desenhadas por Kechiche, musas sem marcas que, quando são
marcadas ao longo da trama, pouco a pouco faz o amor acabar.
Não é que seja
masculino simplesmente por não ser realizado por mulheres ou por lésbicas, como
se devesse adaptar-se à realidade, pois não é a realidade, apesar de Kechiche
falar em realismo, é sim cinema. Por isso, também dizer que a cena de sexo não
é verossímil, pois duas mulheres não fariam isso não faz sentido, pois já
estaríamos julgando o que cabe ou não caberia a duas mulheres fazer, ou seja,
formulando ainda outra norma do “sexualmente correto”. O problema é justamente
reproduzir dos corpos o discurso masculino. A própria afirmação de que gostaria
de se fazer uma cena de sexo onde os corpos delas sejam reproduzidos como uma
pintura, é uma visão masculina da história e da mulher. A visão de que existe a
Mulher, para endeusar nos quadros e aquela para colocar para trabalhar. Aquela
para colocar o vestido de gala, com joias e ir para Cannes, mas que tem que
ficar em silêncio em relação a situações que tenha achado desconfortáveis em
relação a violências sofridas durante a filmagem, pois afinal essa é uma
provação de sua capacidade, “Se
ela realmente viveu o que contou, porque ela veio à Cannes chorar, agradecer,
subir as escadas e passar o dia vestindo jóias e roupas? Qual é seu trabalho?
Atriz ou artista de gala?”
(http://www.telerama.fr/cinema/polemique-autour-de-la-vie-d-adele-abdellatif-kechiche-s-explique-dans-telerama,102550.php).
Mulheres
fazem sexo, é lindo sim, mas a nossa carne não é como uma pintura, nós
fazemos sexo e é lindo como adoram dizer, bom, mas também feio,
maldoso, engraçado, do jeito que nós quisermos. Não, o amor não é
cósmico, o
amor é cultural e para que seja algo bom é preciso transformá-lo. Ele é
localizado como o machismo e como o racismo, outro possível personagem
dessa
história toda que não foi citado em nenhum
momento. Uma das afirmações de Léa Seydoux é de que na França não é como
nos
Estados Unidos. O diretor tem todo o poder. Quando você é um ator
filmando na
França e você assina um contrato, você tem que se doar de tal maneira
que você
está preso. O que não é dito por Léa Seydoux, mas torna-se uma arma numa
sociedade racista é que esse é um filme filmado na França por um diretor
franco-tunisiano. São os métodos
violentos de um diretor franco-tunisiano ou tunisiano, dependendo qual
convenha
ressaltar, que estão em questão. Afinal,
isso é ressaltado o tempo todo em que se fala do diretor. Qual é o peso
dessa marcação silenciosa nessa história? Os
corpos marcados pelo racismo é inclusive um dos temas que se apresenta no filme
sutilmente com a presença do personagem que desiste de ser ator de Hollywood
por que só conseguia papéis de terrorista.
Léa Seydoux,
quando acalmaram-se os ânimos afirmará: “eu nunca critiquei Kechiche,
critiquei seus métodos”, mas são os métodos que são ou não “tirânicos”,
“abusivos” e são essas críticas que devem ser levadas adiante, pois não é
indiferente trabalhar com um diretor que tem métodos asfixiantes, tirânicos ou
não respeita direitos trabalhistas (http://www.la-croix.com/Culture/Cinema/Polemique-autour-du-tournage-de-la-Vie-dAdele2013-05-29-966063).
Alíás,
isso de não respeitar os direitos trabalhistas foi o menos repercutido,
mas é muito expressivo de como as coisas funcionam. Extenuantes horas de
trabalho precisam de técnicos e de toda uma
equipe em prontidão pra trabalhar, atores e diretor têm
seu cachê garantido e o retorno através do
reconhecimento do trabalho, enquanto isso as horas extras da equipe
técnica precisam ser realizadas só pelo bem de um trabalho que
nunca será reconhecido como deles, que aparecerá apenas nas letrinhas
miúdas
dos créditos que ninguém lê e sem o
devido pagamento?
Somente
bate-bocas e intriguinhas de bilheteria essas? Podem ser, mas o que expressam
vão além delas e o filme realmente extrapolou-se, impôs-se para além de si, a
violência que existe no cotidiano das mulheres, essa violência ser ligada
também ao ambiente de trabalho, o ambiente de trabalho como espaço explorador.
E o prêmio final, concedido pela primeira vez na história do festival de Cannes
também a atrizes e não só ao diretor, como um reconhecimento a seu protagonismo
e intervenção na construção da obra. Esse prêmio compartilhado pela primeira
vez e com mulheres, feito a se comemorar, e pela primeira vez que é
compartilhado... o diretor é um
franco-tunisino. Oh minha França bela França, meu mundo belo mundo machista, racista
e ainda hoje colonialista por que eu tenho a impressão de que as mulheres
continuam sendo usadas nas mãos de homens poderosos e não só poderosos como
Kechiche, mas como Steven Spielberg, presidente do júri dessa edição do
festival? É só quando Kechiche embranquece o seu cinema e a referência ao
colonialismo torna-se uma simples alusão muito distante e que as personagens
principais serão as musas brancas que ele vencerá Cannes, com um filme sobre
amor entre mulheres que repete clichês do amor heteronormativo. Nada de novo no
front, não em Cannes, mas não será lá que inventaremos novos amores.
Voltando rapidamente ao filme:
Não li os quadrinhos franceses, mas para o filme acho bastante adequado o nome “La vie d'Adèle”, tal como é em francês, pois em seu diário as coisas apenas passam, e a personagem é realmente ela. A manifestação de que ela participa no período do colégio nós nem sabemos qual seja, além disso ela apenas passa pela marcha LGBT como espectadora, amigos desaparecem assim do nada, como o colega de trabalho, o amigo do colégio e a família. A única marca é o passar do tempo presente na amargura do rosto. Existem sim Adèle e Emma, e isso o diário nos mostra como elas, se tornam mais reais uma para a outra, se machucam, mudam, e o amor entra em crise quando elas não conseguem mudar juntas. Elas mudam, mas não necessariamente se transformam, mudam assim como estações do ano ou fases da vida, acabou a escola, agora é fase de trabalhar e viver o grande amor? Termina o filme e cada uma leva a outra consigo. Adèle caminha. É um filme sobre o amor sim, mas Adèle amou, ama uma mulher e ainda não sabe o que é amar uma mulher sendo uma mulher... não sei também se é uma questão de saber, mas Adèle, a Exarchopoulous, a atriz, disse que acha que Adèle é das personagens a quem mais se entregou, a que faz o papel do sacrifício (se separou da família, dos amigos) e que também esse não é um filme que fala sobre a questão lésbica, mas sobre o amor entre duas pessoas (http://www.youtube.com/watch?v=TGKlgZQwVAM). Mas podemos pensar essas duas coisas separadas? A escolha forçada entre um mundo e outro não é forçada justamente por espaços heteronormativos, por uma separação construída? Termina o filme e Adèle está indo para casa. Ela é uma professora do primário, ela tem ainda muitos amores para construir, muitos amores por que lutar e entrar nessa luta.
Não li os quadrinhos franceses, mas para o filme acho bastante adequado o nome “La vie d'Adèle”, tal como é em francês, pois em seu diário as coisas apenas passam, e a personagem é realmente ela. A manifestação de que ela participa no período do colégio nós nem sabemos qual seja, além disso ela apenas passa pela marcha LGBT como espectadora, amigos desaparecem assim do nada, como o colega de trabalho, o amigo do colégio e a família. A única marca é o passar do tempo presente na amargura do rosto. Existem sim Adèle e Emma, e isso o diário nos mostra como elas, se tornam mais reais uma para a outra, se machucam, mudam, e o amor entra em crise quando elas não conseguem mudar juntas. Elas mudam, mas não necessariamente se transformam, mudam assim como estações do ano ou fases da vida, acabou a escola, agora é fase de trabalhar e viver o grande amor? Termina o filme e cada uma leva a outra consigo. Adèle caminha. É um filme sobre o amor sim, mas Adèle amou, ama uma mulher e ainda não sabe o que é amar uma mulher sendo uma mulher... não sei também se é uma questão de saber, mas Adèle, a Exarchopoulous, a atriz, disse que acha que Adèle é das personagens a quem mais se entregou, a que faz o papel do sacrifício (se separou da família, dos amigos) e que também esse não é um filme que fala sobre a questão lésbica, mas sobre o amor entre duas pessoas (http://www.youtube.com/watch?v=TGKlgZQwVAM). Mas podemos pensar essas duas coisas separadas? A escolha forçada entre um mundo e outro não é forçada justamente por espaços heteronormativos, por uma separação construída? Termina o filme e Adèle está indo para casa. Ela é uma professora do primário, ela tem ainda muitos amores para construir, muitos amores por que lutar e entrar nessa luta.
--
P.S.: Sobre o voyeurismo:
Acho uma graça os homens não
vendo nada de mais no modo como ele filmou a cena, afinal ele filmou tudo de
perto, em close. Citando o José Geraldo Couto "limpando a boca com a mão
ao comer um lanche; dormindo de boca aberta; chorando como uma criança, com
catarro escorrendo do nariz; erguendo as calças pela cintura, feito uma menina
caipira." (http://revistaforum.com.br/blog/2013/12/quem-tem-medo-de-mulher-pelada/). Eu também não vejo nada de mais no de perto em si, como disse no texto, é o
que esse de perto quer mostrar e como mostra, a questão é perguntar-se o que
esse de perto realmente mostra. José Geraldo Couto continua falando também:
“Truffaut costumava dizer, talvez não totalmente de brincadeira, que o papel do
diretor de cinema é “mostrar uma mulher bonita fazendo coisas bonitas”. E
que “Kechiche mostrou logo duas, fazendo
a coisa mais linda que elas poderiam fazer. Quem não quiser ver, que mude de
canal, ou melhor, de sala.”. Eu pergunto para ele e os demais voyeurs: e se fossem duas "feias" iriam
dizer que era de "péssimo gosto", utilizando expressão que o próprio
José Geraldo Couto também usa no texto? É claro que os homens não veem nada de mais
na cena, é inclusive esse não ter nada de mais a questão, ela não traz outro
discurso sobre a mulher que não seja o que já está aí dos corpos belos a serem
admirados. A cena realmente não tem nada de mais, a violência está nos olhos de
quem não percebe que a disponibilidade aos olhos é o que torna o corpo da mulher
tão disponível a abusos.
Além do mais, o autor, nesse
utiliza o infeliz exemplo do filme O Último tango em Paris (França,
Bernardo Bertolucci, 1972), estigmatizado por causa de um abuso que a
atriz sofreu durante as filmagens que o próprio diretor Bernardo
Bertolucci vergonhosamente pediu
desculpas depois da morte dela. Ah sim, pobre filme estigmatizado. Não são as
mulheres que são violentadas, são os homens que violentam que são
estigmatizados.
Fonte: A morte é uma borboleta
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