PICICA: "Não convém consumir o longa sem critério. Antes de tudo, é um filme sobre o trabalho, em que a submissão é ao patrão"
Cinema
'50 Tons de Cinza', o filme de sexo para quem não o faz
Não convém consumir o longa sem critério. Antes de tudo, é um filme sobre o trabalho, em que a submissão é ao patrão
por Rosane Pavam
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publicado13/02/2015
Erotismo de supermercado
É o filme achincalhado do
ano, sexo para quem não o faz, coisa de mulher, todos dizem. Doe 50
dólares a quem combate o abuso sexual, não veja o abusivo 50 Tons de Cinza de uma indústria milionária, pregam as redes sociais. Grave sua transa e dispense o filme inglês,
proclama Samuel L. Jackson, o ator americano que não abre mão do porte
de armas. Evite o inferno, fuja do filme, vocifera Edir Macedo no
salomônico púlpito. Enquanto isso, a obra da inglesa Sam Taylor-Johnson
baseada no best seller de uma executiva da BBC, a mãe de 51 anos E. L.
James, estreia para que os namorados comemorem. No Brasil, ele é como um espelho (côncavo ou convexo?) da antiga canção do Roberto.
50 Tons até pode ajudar alguém enquanto o engana.
Por isso, talvez seja melhor tentar decifrá-lo do que consumi-lo sem
critério. O filme funciona como aventurar-se no supermercado.
Não convém comprar sexo com fome, o gasto será desmedido. Nem se pode
dizer uma obra sobre a submissão erótico-romântica se a heroína
Anastasia dribla teimosamente o dominador. Neste primeiro item de uma
série, ela apanha no traseiro e anda sem vacilar. As paródias mirarão os
diálogos risíveis, os tiros interpretativos de pouco alcance, a
iluminação artificialíssima. Este prato gélido e limpo, em que estão
descartados os galopes no cavalo branco da série Sabrina, é um
filme mais sobre o trabalho no escritório do que sobre o sexo. A
submissão é a seu patrão. E o contrato de trabalho não diz tudo sobre
seu futuro sofrimento, nem poderia.
Dakota Johnson, a neta de Tippi Hedren,
não é a Valentina fotógrafa dos gibis. Jamie Dornan está muito distante
do Philippe Rembrandt, seu protetor desbancado como protagonista depois
que Guido Crepax introduziu Valentina na história, em 1965. O mundo que
gerou essa bela figura inspirada em Louise Brooks, submetida às cordas
ideológicas ora em sonho, ora com deboche, projeção das angústias de um
grande artista, está morta. E. L. James escreveu sua trama em um BlackBerry, mirando reformar a cozinha. Alguma coisa naqueles anos 1960 nos falta e nos dói.
Fonte: Carta Capital
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