PICICA: "Bastaram duas semanas de atuação para que o novo presidente da Câmara
dos Deputados exibisse o seu arsenal de atributos como caudilho,
oligarca e cacique. Junto, mostrou como funciona uma blitzkrieg
política em ambientes dominados pela inércia. Exemplo perfeito das
virtudes do voluntarismo onde campeia a apatia. A supremacia da
onipotência sobre a impotência, do mandonismo escancarado sobre
desmandos sussurrados."
POLÍTICA & REGULAÇÃO
O meteoro Eduardo Cunha
Por Alberto Dines em 16/02/2015 na edição 837
Reproduzido do El País, 14/2/2015; intertítulo do OI
Bastaram duas semanas de atuação para que o novo presidente da Câmara
dos Deputados exibisse o seu arsenal de atributos como caudilho,
oligarca e cacique. Junto, mostrou como funciona uma blitzkrieg
política em ambientes dominados pela inércia. Exemplo perfeito das
virtudes do voluntarismo onde campeia a apatia. A supremacia da
onipotência sobre a impotência, do mandonismo escancarado sobre
desmandos sussurrados.
Führer típico, determinado, ídolo dos medíocres, aliado
predileto dos pusilânimes. No mostruário de lideranças fornecido pela
Revolução Francesa, situa-se entre Georges Danton, o demagogo audacioso e
Joseph Fouché, o conspirador-manipulador, eterno sobrevivente,
sacerdote capaz de fingir-se ateu para ganhar
mais poder. Comparado com antigos parceiros como Collor e Garotinho, é
um profissional padrão “intocável”, tal como Daniel Dantas e outros
ex-associados.
Eduardo Cunha é, neste exato momento, o político mais poderoso do país.
Muito mais eficaz do que o partido que elegeu e reelegeu os dois
últimos presidentes, mais safo e esperto do que o presidente honorário
da sua agremiação e vice-presidente da República – com uma só cartada
converteu Michel Temer em volume-morto e a presidente reeleita, a durona
Dilma Rousseff, em figura decorativa.
Mão na boca
Quando operava na esfera estadual metia-se em constantes trapalhadas,
chegou a sofrer um atentado e foi acusado de fazer negócios com famoso
narcotraficante. Carioca que joga pesado, não brinca em serviço, foi
quem descobriu um erro na documentação eleitoral do animador Sílvio
Santos e assim tirou-o da corrida presidencial.
Ao ingressar na esfera federal (2003), percebeu o alcance dos novos
holofotes, mudou o estilo, guardou a metralhadora, passou a servir-se de
fuzis de precisão – não errou um tiro. Em apenas 12 anos, foi alçado ao
Olimpo. O ex-presidente Lula não ousa desafiá-lo: recomendou
publicamente à sucessora uma reconciliação.
Forte candidato a converter-se no primeiro déspota parlamentar, símbolo
das deformadas democracias representativas do século 21 que fundiram o
corporativismo de Mussolini com um bolchevismo de direita, messiânico.
Preside a Casa do Povo, mas não consegue esconder a forte vocação
autoritária e o gosto pelo exercício do poder absoluto. Já passou por
três partidos – PRN, PPB-PP e PMDB, este o mais “progressista”. Na
verdade é um espécime legítimo da era pós-ideológica, conservador,
populista que poderá até proclamar-se parlamentarista para mais
rapidamente tomar o poder.
Sua adesão ao ideário evangélico e a obsessão em implementá-lo a
qualquer preço faz dele um exemplar calvinista. Como operador, porém,
prefere a lógica do capitalismo.
A promessa de impedir qualquer tentativa de regulação da mídia (como
deseja parte do PT) nada tem de devoção à liberdade de imprensa.
Qualquer projeto que corrija distorções no sistema midiático, por mais
leve que seja, passaria obrigatoriamente pela anulação de concessões de
rádio e TV a parlamentares e pela proibição de cultos religiosos nas
emissoras de TV aberta – largamente utilizados por confissões
religiosas, especialmente evangélicas. Na última semana criou um
comissariado para unificar a orientação dos diversos veículos da Câmara
dos Deputados (jornal diário, rádio, portal e TV).
Além das obsessões e preparo físico, ostenta um desembaraço verbal de
radialista, suficiente para não cometer gafes grosseiras. Engravatado,
certinho, sem barba nem bigode, óculos leves, passa a imagem de
confiável, protetor, bom vizinho, bom burguês, capaz de sonhar com
rupturas, mas não com o caos. Numa coleção de dez fotos tomadas já na
presidência da Câmara, cinco delas mostravam-no com a mão na boca,
truque que até jogar de futebol apreendeu para não ser surpreendido por
experts em linguagem labial.
Fonte: OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA
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