PICICA: "Temos que nos voltar para o Brasil menor, aquele do cotidiano e das lutas, na medida em que o sonho do Brasil Maior
cultivado por Lula e Dilma ruiu com o escândalo de corrupção da
Petrobrás. A crise na principal empresa do país, de capital aberto, mas
sob controle majoritário do governo federal, não vem de hoje, os tucanos
que o digam, mas a sua crise simboliza a ruína do neodesenvolvimentismo
que tentou ser intensificado durante o primeiro governo Dilma e que
teve nas megabarragens, megaprojetos e megaeventos seus símbolos
principais, com Eike Batista, agora empresário falido e penhorado.
Junte-se a isso, por exemplo, o recente cancelamento de seis projetos de
hidrelétricas na Amazônia. Não por conta de qualquer preocupação
ambiental, mas por falta de capacidade de investimento, e teremos o
cenário de ruína deste Brasil Maior que se pretendia onipotente. O atual governo acerta quando falha — seria irônico não fosse trágico."
Alternativas ao deserto da polarização da representação política
Por Marcelo Castañeda, UniNômade—
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Temos que nos voltar para o Brasil menor, aquele do cotidiano e das lutas, na medida em que o sonho do Brasil Maior cultivado por Lula e Dilma ruiu com o escândalo de corrupção da Petrobrás. A crise na principal empresa do país, de capital aberto, mas sob controle majoritário do governo federal, não vem de hoje, os tucanos que o digam, mas a sua crise simboliza a ruína do neodesenvolvimentismo que tentou ser intensificado durante o primeiro governo Dilma e que teve nas megabarragens, megaprojetos e megaeventos seus símbolos principais, com Eike Batista, agora empresário falido e penhorado. Junte-se a isso, por exemplo, o recente cancelamento de seis projetos de hidrelétricas na Amazônia. Não por conta de qualquer preocupação ambiental, mas por falta de capacidade de investimento, e teremos o cenário de ruína deste Brasil Maior que se pretendia onipotente. O atual governo acerta quando falha — seria irônico não fosse trágico.
O revés do neodesenvolvimentismo veio a reboque de uma austeridade econômica que nos faz sentir o clima da década de 1990 no ar: cortes e mais cortes nos orçamentos federal e estaduais, com a tesoura de Levy, quase um primeiro-ministro, servindo de exemplo. Junte-se a isso, na esfera política, uma polarização sempre reavivada entre PT e PSDB, tendo o PMDB como fiel da balança de uma governabilidade sempre instável. A crise é o paradigma dos bons negócios: onde muitos perdem, uns poucos ganham e é assim que o capital segue triunfante. É com este cenário que tento aqui buscar uma análise da derrocada política e econômica em que estamos inseridos neste começo de 2015, o que chamo de deserto da polarização da representação política, buscando vislumbrar saídas para não ficar somente no terreno da crítica.
Essas saídas do deserto passam pelas lutas que continuam acontecendo, apesar da fragmentação concomitante com o processo de restauração que a repressão, a Copa do Mundo e as eleições comandaram durante o ano de 2014: a revolta se instaura nas favelas do Rio contra a militarização/pacificação, revolta de professores, funcionários públicos e caminhoneiros do Paraná contra a austeridade, nas ruas de São Paulo e Rio de Janeiro contra o aumento das passagens de ônibus, nas formas biopolíticas que ousam desafiar o biopoder. São essas lutas que podem vir a contaminar as cidades e o país por mais democracia. As lutas autônomas darão o tom das possíveis saídas a construir-se no deserto da polarização da representação política que se instaurou em 2015.
E não estou aqui falando de possíveis protestos pelo impeachment da presidenta ou reações a este movimento, que já surgem de forma antecipada, em ambos os casos renovando a polarização que nos governa há mais de 20 anos. Fosse com o PSDB ou mesmo Marina Silva, o governo federal estaria aplicando o mesmo receituário de austeridade, talvez com gritos de “eu avisei: eles eram neoliberais”. Aliás, essa reação em tom de guerra, bradada por Lula, clamando pelo “exército de Stédile” vem reafirmar a irresponsabilidade do PT. Tal reação intensificou-se a partir de junho de 2013, quando os protestos foram desqualificados pela esfera governista como se fosse um “golpe da direita”, reproduzindo um binarismo artificioso e mistificado, bem como justificando a opção preferencial pelo poder em detrimento à potência das lutas. O governo e o PT moveram-se assim cada vez à direita que tanto invoca como inimigo externo, como demonstram as primeiras tristes ações governamentais em 2015. O problema começa quando a austeridade é aplicada com afinco pela coalizão comandada pelo PT, praticante hoje do neoliberalismo.
Mas como criticar a onda vermelha que contagiou corações e mentes no final de outubro, tornando-os quase estéreis em seu apego a símbolos sagrados em vez de ações reais de mudança? A saída mais simples é dizer que todos os problemas começaram com o PSDB e FHC. Ao reforçar essa polarização perniciosa da representação, esvaziadora de qualquer debate e comprometedora da construção de outras vias, somos colocados cada vez mais num deserto de alternativas. Não é, portanto, pela repolarização em 2015 que pretendo caminhar. É hora de romper com o simplismo esquemático da polarização, que se perpetua como um moto contínuo entre dois lados que se definem pela negação belicosa do outro. Ou alguém acha que o PSDB governar há mais de 20 anos São Paulo é pouca coisa? Ou então: até que ponto seria legítimo pedir o impeachment de Beto Richa (PSDB-PR), sem achar que isso não vai resvalar no mesmo pedido para Dilma Rousseff?
Não vejo saída por dentro das instituições atuais, e aqui incluo os próprios movimentos sociais e o campo ativista de um modo geral, quando arrastados pelo redemoinho de subjetividades, produzido pela polarização molar, desde cima. As alternativas só podem ser construídas a partir de lutas autônomas que consigam passar inteiramente ao largo da polarização PT/PSDB. Não podemos nunca esquecer, o teatro da polarização tem o PMDB como uma espécie de regente necessário. Sair da polarização e da pemedebização vigentes, bem como criar novas instituições e também movimentos, é o desafio para sair do deserto em que estamos. Sem saber muito bem se encontraremos um oásis.
Precisamos de novas experiências de organização e instituições e isso leva tempo e dá trabalho, pois não existem fórmulas, mas uma construção aberta, precária, e que envolve desejo e afeto de quem está disposto a fazer e a experimentar. E até errar, mais até do que simplesmente pensar ou diagnosticar. Estamos no momento de prognósticos mais ações.
Neste cenário, talvez, a cidadania seja uma ideia-chave para tatear pela saída. De que falamos quando pensamos em cidadania? A nossa constituição vilipendiada pode dar boas pistas de como podemos trabalhar nos marcos da legalidade, para constituir um movimento cidadanista que se faça em múltiplas escalas.
Ir além da polarização significa pensar uma democracia que seja constituída de encontro ao simulacro que se apresenta atualmente e mata diariamente nas favelas do Rio, ocupa o complexo da Maré com o exército, processa criminalmente uma geração de ativistas não alinhados com o governo no Rio de Janeiro, e cuja política econômica de austeridade vai afetar, principalmente, os mais pobres. Sair do deserto é a única alternativa, sendo que não se trata, como imaginou Bruno Cava recentemente, de um labirinto onde podemos nos perder. No entanto, as infinitas possibilidades do deserto podem nos deixar tontos, perdidos e com sede, do mesmo modo.
Em conclusão, o que melhor podemos fazer é caminharmos juntos com a indignação que paira no ar e alimenta a esperança de construir alternativas, institucionais inclusive. Ir devagar, mas urgentemente estabelecendo o que queremos: um com outra, mais outro e mais uma e mais até sermos uma ciranda de círculos cidadãos que se configurem algo além do que está falido. Esse é um projeto de Brasil menor, do cotidiano e das lutas, para irmos além do deserto da polarização e construirmos democracia de fato.
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Marcelo Castañeda é sociólogo, pós-doutorando pela UERJ, participa da UniNômade e do Círculo de Cidadania Rio
Fonte: UniNômade
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