PICICA: "Documentários indicados ao Oscar fazem refletir sobre o sentido da labuta"
O trabalho nas telas
Documentários indicados ao Oscar fazem refletir sobre o sentido da labuta
por Thomaz Wood Jr.
Entre os cinco documentários indicados ao Oscar de 2015 encontram-se duas obras sobre fotografia: The Salt of the Earth, codirigido por Wim Wenders e Juliano Salgado, e Finding Vivian Maier,
codirigido por John Maloof e Charlie Siskel. Além de tratar de
fotografia, os dois filmes expõem, nos entrequadros, a tempestuosa
relação entre o homem e o trabalho.
The Salt of the Earth (que este
escriba não assistiu) mostra a vida e a fabulosa obra fotográfica do
brasileiro Sebastião Salgado. Nascido em Aimorés (MG), em 1944, Salgado
graduou-se em economia e exilou-se na Europa durante o período militar. A
partir da base parisiense viajou pelo mundo, trabalhando para
organizações internacionais. No início da década de 1970, desistiu de
uma boa oferta de trabalho e aventurou-se nas trilhas do fotojornalismo,
uma ocupação totalmente nova para ele. Trabalhou para as grandes
agências do mundo, inclusive a mitológica Magnum, antes de criar, com a
esposa e colaboradora, sua própria agência.
Seguiram-se projetos de
grande vulto, que geraram exposições e livros. Estão sempre presentes
em sua obra a visão humanista e a preocupação com temas sociais: a
pobreza, a injustiça, os conflitos pela terra, as migrações e o
trabalho. Seu último projeto, Genesis, resultou de quase uma
década de viagens ao redor do mundo, em busca de paisagens intocadas
pelo homem e de comunidades que ainda vivem segundo tradições
ancestrais. Em entrevistas, Salgado declarou que, antes de Genesis,
vivia um momento difícil, de depressão e descrença, motivadas pelo
contato com as mais contundentes tragédias humanas do planeta. O projeto
representou uma reviravolta positiva na vida e no trabalho do
fotógrafo.
Finding Vivian Maier (assistido por este escriba)
traz duas narrativas paralelas: apresenta a obra da fotógrafa
norte-americana e conta as aventuras do codiretor e coprodutor John
Maloof para descobrir a pessoa por trás das imagens. Tudo começou quando
Maloof arrematou, por acaso, em um leilão, uma caixa cheia de negativos
de fotografia. Seguiu-se a descoberta de uma obra ímpar, cujas imagens
lembram grandes nomes da fotografia do século XX, como Diane Arbus,
Robert Frank, Weegee e Dorothea Lange. Ocorre que Maier nunca mostrou ou
divulgou suas fotografias. Sobreviveu como babá, aproveitando seus
momentos de folga e suas férias para fotografar.
A investigação de Maloof revela um pouco
de Maier e deixa outro tanto por conta da imaginação da plateia. Ela era
gentil com as crianças, porém eventualmente cruel. Vivia reclusa e era
um pouco excêntrica. Tinha uma personalidade reservada e morreu
solitária, pouco antes de ter sua obra descoberta por Maloof.
O trabalho é fonte de prazer e
sofrimento, realização e frustração. Um trabalho que faz sentido,
afirmam os especialistas, é aquele que permite a autorrealização e o
aprendizado, que conseguimos fazer bem-feito e que gera algo socialmente
útil, que garante o sustento e favorece as relações com os nossos
pares. Na vida real, quando encontramos alguns desses requisitos, outros
nos escapam, mas continuamos a persegui-los.
The Salt of the Earth e Finding Vivian Maier retratam
duas trajetórias diferentes de busca do sentido do trabalho. Sebastião
Salgado projeta em deslumbrantes imagens suas convicções, sua
sensibilidade e a técnica de um incansável artesão. Tem na companheira
Lélia Wanick Salgado o par ideal, a construir a ponte entre a ideia e o
projeto, entre o registro e a audiência. Especular sobre a enigmática
Vivian Maier é um risco, mas não deixa de ser sedutor vê-la como
profissional de pureza singular, a preservar seu trabalho do mundo ao
redor, um mundo que poderia ignorá-lo ou celebrá-lo, ou pior, nele
interferir.
Sorte nossa que Salgado enfrentou seus
fantasmas e continua a nos despertar profundas emoções e reflexões.
Sorte nossa que Maier preservou durante décadas sua capacidade de captar
com sensibilidade e sobriedade o cotidiano, e agora nos ofertou um
magnífico presente. Talvez ela seja desconcertante porque, como sugeriu
Rose Lichter-Marck, na revista The New Yorker, Maier não
se ajusta à ideia que fazemos do que um artista, uma pessoa ou uma
mulher deveriam ser. Ela aparentemente não se interessava por dinheiro
ou por mostrar suas imagens. Porém, garantiu a si mesma total liberdade
para fazer seu trabalho: fotografar.
Fonte: Carta Capital
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