PICICA: "Emenda que bloqueia demarcação de terras voltará a tramitar.
Outras propostas privatizam bancos genéticos, estimulam mineração
predatória e introduzem plantio de cana na região"
Cinco projetos podem atingir índios e Amazônia
– 18 de fevereiro de 2015
Emenda que bloqueia demarcação de terras voltará a tramitar. Outras propostas privatizam bancos genéticos, estimulam mineração predatória e introduzem plantio de cana na região
Por Stefano Wrobleski, no blog InfoAmazonia
Em 2014, protestos de movimentos sociais, como a invasão do Congresso por lideranças indígenas, fizeram com que as discussões parlamentares em torno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000 fossem sucessivamente canceladas. A matéria, em tramitação na Câmara dos Deputados, retira do Presidente da República a competência pela demarcação de terras indígenas, transferindo-a ao Congresso Nacional. Embora as fortes mobilizações tenham feito com que o projeto fosse arquivado, ele deve voltar à pauta da Câmara em 2015, avaliam organizações não governamentais (ONGs) ouvidas por Infoamazonia. Além da PEC 215, outras quatro matérias podem voltar a tramitar neste ano e, se aprovadas, trazer impactos negativos para a Amazônia.
Os projetos destacados não foram arquivados ao final de 2014 ou têm grandes chances de voltarem à pauta, seguindo os regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado. Com algumas exceções (confira abaixo projeto a projeto), o arquivamento acontece ao término de cada legislatura – um período de quatro anos que tem início no dia 1º de fevereiro do ano seguinte de cada eleição para os representantes do Congresso Nacional, com a posse dos eleitos.
Se arquivados, os projetos perdem sua tramitação e precisam ser reapresentados ao plenário, repetindo todo o rito feito anteriormente para ser aprovado. Com o desarquivamento, as propostas voltam a tramitar de onde pararam no período anterior.
1) Demarcação de terras indígenas
A PEC 215, apresentada em 2000 pelo então deputado federal Almir Sá (PPB-RR), pretende alterar a Constituição Federal deixa ao Congresso Nacional a competência pela aprovação da demarcação de terras indígenas. Hoje, a palavra final é do Ministro da Justiça, depois de um longo processo que envolve estudos antropológicos de identificação liderados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e prazo para contestações por qualquer parte interessada no reconhecimento da área.
Se aprovada, a proposta ainda exigiria a tramitação de um projeto de lei delimitando os critérios e procedimentos de demarcação das terras indígenas. Além das terras indígenas, emendas à PEC 215 procuram transferir também ao Congresso o reconhecimento de áreas remanescentes de quilombos e a criação de unidades de conservação.
Veja abaixo as terras indígenas e áreas protegidas da Amazônia e confira o desmatamento da floresta nas últimas décadas
“É um projeto extremamente preocupante”, afirma Aldem Bourscheit, especialista em políticas públicas do WWF-Brasil. “Os argumentos [em favor da PEC 215] são esdrúxulos, na linha de que o país já teria muitas terras indígenas”. Ele considera que, na prática, a aprovação da PEC “acabaria engessando a demarcação de terras indígenas”. Já para Márcio Astrini, coordenador de campanha do Greenpeace Brasil, as terras indígenas “são a forma mais eficiente de combater o desmatamento”.
Arquivada em 2014, a PEC 215 pode voltar a ser discutida por uma comissão especial em 2015. Para isso, a matéria precisa ser desarquivada por um dos 26 deputados que, em 2000, assinaram pela apresentação da proposta e voltaram à Câmara dos Deputados em 2015. Eles têm até 31 de julho para pedir pelo desarquivamento. Quando foi elaborada por Almir Sá, a PEC 215 contou com o apoio de 232 parlamentares (confira a lista aqui). Por ser uma proposta que pretende alterar a Constituição, são necessárias ao menos 171 assinaturas (ou um terço da Casa).
2) Recursos genéticos
[Atualização: O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 11/2 e seguiu para o Senado]
O PL 7.735 de 2014 é destacado por Adriana Ramos, coordenadora para a Amazônia do Instituto Socioambiental (ISA). A proposta pretende substituir a Medida Provisória 2.186-16/2001, que regula atualmente o uso comercial do patrimônio genético. Segundo Adriana, o PL “simplifica a legislação sobre o uso da biodiversidade”. “A partir de uma dificuldade que o governo tem de fiscalizar, o Executivo fez uma lei que simplifica o que deve ser fiscalizado”.
Comunidades tradicionais – como indígenas e quilombolas – têm informações e práticas sobre os usos destes recursos genéticos, que interessam às indústrias farmacêutica, alimentícia, de higiene, entre outros. Abrigando cerca de uma em cada cinco espécies do planeta, o Brasil tem a maior biodiversidade do mundo, enquanto possui milhares de comunidades tradicionais que fazem uso desta diversidade biológica.
Para Adriana, um problema do projeto atualmente é que, se aprovado, deve estabelecer que microempresas não precisem mais repartir ganhos financeiros com as comunidades locais. “Mas muitas grandes empresas usam essas empresas menores para fazer uso dos recursos genéticos obtidos”, pontua. A ONG também reclama que as populações afetadas não foram consultadas na elaboração do projeto, o que contraria a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada em 2002 pelo Brasil.
A matéria é de autoria do Poder Executivo. Por isso, não foi arquivada no fim de 2014 e continua com sua tramitação regular. A proposta tramita em regime de urgência – quando a Casa tem até 45 dias para votar – e chegou a ser colocada em votação no plenário em dezembro de 2014, mas a discussão foi adiada por obstrução da pauta. Na ocasião, parlamentares contrários ao projeto deixaram o plenário para evitar a formação do quórum necessário à votação. Uma comissão especial para analisar o tema chegou a ser criada no papel em julho de 2014, mas nunca foi constituída de fato.
3) Código da Mineração
O novo Código da Mineração, em discussão na Câmara dos Deputados, pretende substituir o decreto-lei 227, de 1967, que atualmente regula a atividade. O Projeto de Lei (PL) 37/2011 determina que o governo deve licitar as áreas de mineração e, também, vai aumentar a arrecadação estatal. A proposição enfrenta grande pressão de empresas que atuam no meio, pois como demonstrou a Agência Pública influencia o financiamento de campanha dos políticos envolvidos com a comissão especial que analisa o PL.
O projeto não avança na regulamentação da atividade em termos ambientais, mas a discussão preocupa Adriana Ramos: “Me parece que propostas de mineração de terra indígena vão tentar ser aprovadas separadamente”. Aldem Bourscheit, do WWF-Brasil, acredita que “o Brasil precisa, sim, de uma nova legislação de mineração”. “Mas infelizmente, até o momento, os projetos em curso não assumiram a proteção que a gente espera”.
O PL 37/2011 tem regime de prioridade – quando deve entrar na pauta de votação imediatamente depois de todas as proposições em regime de urgência. A matéria foi produzida pelo deputado Weliton Prado (PT-MG), que foi reeleito em 2014 e tem até o dia 31 de julho para pedir o desarquivamento do projeto e manter o estágio atual de tramitação. Caso contrário, uma nova proposta terá que ser apresentada.
4) Cana na Amazônia
Com o Projeto de Lei do Senado (PLS) 626 de 2011, Flexa Ribeiro (PSDB-PA), autor da proposta, quer legalizar o plantio de cana-de-açúcar em áreas degradadas da Amazônia. A atividade é dificultada no bioma desde 2009, quando o decreto nº 6.961, que impede a concessão do crédito rural para plantações do tipo na Amazônia, foi publicado pelo presidente Lula.
O problema, segundo Márcio Astrini, é que o cultivo pode aumentar a “pressão pelo desmatamento”. “A cana vai ocupar grandes áreas, que hoje são da pecuária, arroz, algodão e soja, e empurrar essas outras culturas para dentro da floresta”. O ambientalista do Greenpeace ainda avalia que existe uma “falta de governança” no zoneamento da região que fragilizaria a situação e aumentaria a destruição da floresta.
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Como o mandato de oito anos de Flexa Ribeiro termina só em 2019, o PLS 626/2011 não foi arquivado e continua com sua tramitação regular.
5) Mineração em áreas protegidas
Aldem Bourscheit, do WWF, aponta o PL 3.682, de 2012, como uma das propostas preocupantes que podem voltar à pauta neste ano. Seu autor, o deputado Vinícius Gurgel, do PR do Amapá, foi reeleito e quer que seja autorizada a mineração em até 10% das áreas de unidades de conservação. Como contrapartida, o deputado propõe que a mineradora que explorar dentro de unidades de conservação doe “ao órgão ambiental competente” uma terra com “o dobro da dimensão da área cedida e as mesmas características”, como explica na ementa do projeto. A atividade hoje é proibida nestas zonas.
Na defesa da proposta, o parlamentar argumenta que “um grande número dessas unidades [de conservação], especialmente na Amazônia, foram criadas sobre terras com grande potencial mineral”. Gurgel pondera que estas reservas são necessárias para o crescimento econômico.
“Mas os impactos nunca vão se limitar a estes 10%. A atividade da mineração sempre tem grande impacto”, afirma Bourscheit. “Existem outras áreas de conservação que poderiam atender a atividade de mineração. O Brasil não precisa degradar suas áreas protegidas para abrigar essas atividades”.
Tramitando em caráter conclusivo (quando pode ser aprovado somente com o aval das comissões responsáveis e não vai para votação do plenário da Câmara dos Deputados), o projeto está na Comissão de Minas e Energia, onde ainda não foi votado, mas já tem um parecer favorável do relator, o deputado Bernardo Santana de Vasconcellos (PR-MG). O deputado propôs um substitutivo ao projeto de Vinícius Gurgel que submete a delimitação das unidades de conservação de proteção integral ao Congresso Nacional e não cria limites ou contrapartidas à mineração nestas áreas. O PL 3682/2012 ainda deve passar por outras duas comissões antes de ser aprovado.
Como foi reeleito, Vinícius Gurgel precisa pedir que o projeto seja desarquivado até 31 de julho.
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