PICICA: "Aberta consulta pública sobre decreto presidencial que definirá
possível vigilância na rede, tráfico de dados pessoais e neutralidade.
Cenário é difícil; mobilização social, indispensável"
Marco Civil da Internet: começa nova batalha
– 10 de fevereiro de 2015
Aberta consulta pública sobre decreto presidencial que definirá possível vigilância na rede, tráfico de dados pessoais e neutralidade. Cenário é difícil; mobilização social, indispensável
Por Helena Martins e Jonas Valente*, no Intervozes
O caráter da Internet e os direitos e deveres dos usuários da rede são objetos de consulta pública promovida pelo Ministério da Justiça por meio de uma plataforma virtual. Iniciada no final de janeiro (28/1), ela trata da minuta do decreto presidencial que vai regulamentar o Marco Civil da Internet. Não é exagerado afirmar que o que está em jogo é o futuro das comunicações no Brasil.
Com a consulta, tem início
nova batalha. O desafio é garantir uma regulamentação que assegure os
avanços conquistados com a aprovação da norma, no ano passado. Um dos
pontos mais sensíveis é a neutralidade de rede, princípio que estabelece
que todo o conteúdo que trafega na rede mundial de computadores deve
ser tratado igualmente.
A norma prevê que a
neutralidade poderá ser dispensada em casos relacionados aos requisitos
técnicos indispensáveis para a prestação do serviço e à possível
priorização do tráfego de conteúdo relativo aos serviços de emergência.
Na prática, contudo, tem sido comum vermos ações empresariais que
colocam em questão a neutralidade e, com isso, o caráter aberto da rede.
Exemplos disso são os
contratos que possibilitam acesso ilimitado e sem uso de franquia a
determinados aplicativos, como faz a TIM em parceria com o WhatsApp ou a
Claro com o Twitter e o Facebook. Hoje, até mesmo a Justiça tem
dificuldade de estabelecer se essas práticas vão de encontro à lei. Um
cenário que favorece as empresas, mas golpeia a conquista da
neutralidade. Princípio que não queremos que se transforme em uma
palavra sem efetividade.
Privacidade
Também está em questão a
proteção dos usuários. O Marco Civil já garante que os dados pertencem a
eles e que a venda de informações pessoais ou sobre acesso pelas
empresas só pode ocorrer com a autorização expressa do internauta.
Ocorre que muitas vezes essa permissão é dada quase que automaticamente,
por meio de cliques rápidos em links acompanhados por explicações em
letras miúdas. Ou mesmo sem informações acessíveis.
É preciso criar padrões
que assegurem maior clareza sobre procedimentos de segurança e de
sigilo adotados pelas empresas e sobre o uso dos nossos dados
pessoais. Além disso, tendo em vista que os registros deverão ser
guardados pelos provedores para que possam ser acessados em caso de
determinação judicial, a regulamentação deverá tratar dos padrões de
segurança para a guarda e disponibilização desses dados.
A definição é importante
para evitar que o armazenamento previsto na norma acabe legalizando e
promovendo a vigilância em massa dos usuários. Também para enfrentar a
lógica do controle, podem ser propostos mecanismos que garantam que a
sociedade tenha conhecimentos sobre o uso dessas informações por parte
das autoridades. Caso percamos essa batalha, poderemos ficar todos e
permanentemente vigiados e sob suspeita.
Acesso
A regulamentação do Marco
Civil deve tratar de forma menos detalhada, mas ainda assim não menos
importante, dos princípios e objetivos que apontam para a essencialidade
do serviço de acesso à Internet e para a garantia de que este seja
assegurado a todos os brasileiros.
Uma primeira mudança que
deve fazer parte do detalhamento da lei é fazer com que este serviço
possa ser prestado em regime público, ou seja, que haja obrigações de
universalização, de continuidade do serviço e controle maior sobre as
tarifas e seus reajustes. Esse regime seria aplicado fundamentalmente
àquelas operadoras que atuam no atacado, permitindo que no varejo (na
prestação do serviço de acesso diretamente ao cidadão) seja mantido o
regime privado.
Outra medida fundamental
para a universalização do acesso à Internet é o estabelecimento de metas
de atendimento a municípios e domicílios, incluindo, além de acessos
fixos, centros coletivos a exemplo dos telecentros. Combinadas a elas, a
regulamentação do Marco Civil pode envolver a melhoria dos parâmetros
de qualidade, com obrigações relativas à continuidade do serviço e ao
percentual da velocidade contratada.
Governança
O Marco Civil também traz
em seus artigos diretrizes para a atuação do Poder Público em suas
várias esferas. A regulamentação pode consolidar um sistema nacional de
governança calcado no papel protagonista do Comitê Gestor da Internet no
Brasil (CGI.Br) e na criação de comitês congêneres nos estados para
acompanhamento das metas e da prestação dos serviços, de modo que este
sistema de governança seja transparente, aberto e permeável à
participação da sociedade.
Todos esses aspectos são
fundamentais para resistir à transformação da Internet em um espaço
cerceado e pautado por interesses privados e para fortalecer a luta por
direitos no ambiente virtual. Uma vez mais, a batalha será intensa,
afinal não são poucos ou frágeis os grupos que se opõem a um ambiente
livre e pautado pela compreensão da comunicação como um direito
fundamental.
Diante deste cenário, a
participação popular – chave das conquistas na formulação e aprovação do
Marco Civil da Internet – uma vez mais é nossa maior arma nesse
enfrentamento.
–
* Helena Martins é jornalista, doutoranda em Comunicação Social pela Universidade de Brasília e representante do Intervozes no Conselho Nacional de Direitos Humanos. Jonas Valente é jornalista, doutorando em Sociologia pela Universidade de Brasília e integrante da Coordenação Executiva do Intervozes.
Fonte: OUTRAS MÍDIAS
Nenhum comentário:
Postar um comentário