fevereiro 09, 2015

"Syriza e Podemos – Dossiê UniNômade". Por UniNômade

PICICA: "Este dossiê propõe penetrar nos impasses, problemas e oportunidades abertas pelas experiências de Syriza e Podemos, dentro do objetivo da UniNômade de produzir conhecimento das lutas, nas lutas, para as lutas." 

Syriza e Podemos – Dossiê UniNômade

Por UniNômade




A vitória da Syriza na Grécia e a ascensão do Podemos à primeira força eleitoral na Espanha nas pesquisas inflamam o desejo de mudança daqueles que vêm lutando por democracia real. Da Praça Tahrir ao movimento do 15-M, do Occupy Wall Street a Hong Kong, de Gezi Park às jornadas de junho no Brasil, na China, em Israel, na Ucrânia; uma geração inteira de ativistas se debate contra as formas de desmobilização, criminalização e cooptação dos novos movimentos que ocuparam praças, ruas e casas legislativas.

As revoluções árabes disparadas em Túnis depois que o camelô Bouazizi se imolou em protesto por uma operação de choque de ordem, em dezembro de 2010, deslocaram o eixo das esperanças revolucionárias da América do Sul, rasgando no bloco do capitalismo globalizado e integrado outro ciclo de lutas. Terá o ciclo atingido o momento de cristalização em que formas institucionais começam a ganhar corpo? Será essa própria ideia de uma transmissão da força das ruas nas eleições, da multidão ao governo, uma traição da essência dos novos movimentos? Serão Syriza e Podemos realmente o próximo passo ou, mais modestamente, apenas uma articulação insider ao poder, ou, quiçá, uma simples captura dos devires revolucionários?

O primeiro texto do dossiê, escrito por Toni Negri e Sandro Mezzadra, Por uma política das lutas, esclarece que ganhar não pode significar apenas a afirmação eleitoral de uma força de “esquerda”, embora reconheçam que, na atual conjuntura, concorrer nas eleições tem relevância. Na Europa, a simbologia e as promessas das esquerdas socialistas há muito falharam em efetivar um projeto multitudinário que rompesse com as formas capitalistas. Para os pesquisadores italianos, não basta implementar um programa ao modo populista de Ernesto Laclau (tampouco na versão 2.0 de Íñigo Ejerrón), mas sim instituições que permitam diagonalizar lutas e governos, numa abertura constituinte para novos conteúdos e formas de governança, para um novo commonfare. A ascensão da Syriza e Podemos vem embalada de fortes mobilizações e seu poder de mudar está diretamente associado à capacidade de continuar apoiando-se na composição social e política dessas lutas.

Syriza

SYRIZA
 
Em O governo dos movimentos, entrevista com Syriza, a Fundação Pró Comuns espanhola entrevistou ativistas da plataforma grega Solidariedade para Todos, um dos atores mais destacados dentro da coalizão heterogênea. A Syriza se compôs de uma frente ampla formada por trotsquistas, ecologistas, autonomistas, círculos locais e mandatários abertos, num momento de grande agitação militante. A Grécia foi o país europeu mais atingido pela crise de austeridade e as lutas vêm de pelo menos oito anos de intensas passeatas, ações diretas, assembleias e auto-organização de indignados. O desafio, agora, é conseguir levar ao plano do governo o rechaço contra os cortes sociais, ajustes antipopulares e aumento de impostos, colocando-se como exemplo para que outras forças organizadas possam disputar os governos no restante da Europa.

Já Bernardo Gutiérrez, em Syriza no labirinto dos movimentos sociais, explica como a coalizão, apesar da vitória, sofre oposição não só dos grupos conservadores comprometidos com as medidas de austeridade e rendidos às exigências da Troica, mas também por ativistas de ruas e praças, anarquistas, esquerda vintage e pelo próprio Partido Comunista local. Tsipras é visto como político profissional da “velha guarda”, que foi cooptado pelas instituições num esquema “fake” de amortecimento das lutas diretas. Mas Bernardo sinaliza otimismo, ao ver a Syriza não como solução para todos problemas ou “novo estágio” da revolução na Grécia, e sim como alavanca, disseminando esperança e vontade de lutar para reinflamar o imaginário e projetar a experiência para a Europa e além. Um otimismo com a Syriza que é compartilhado, aliás, até por teóricos mais anarquistas, como David Graeber.

Podemos e Guanyem


Podemos
 
Renauld Lambert, em Na Espanha, a hipótese Podemos, faz uma síntese do cenário para a formação do partido de novo tipo. A efervescência do Movimento do 15-Maio, com suas centenas de acampadas em todas as regiões, gerou uma discussão política horizontal, reacendendo o gosto pelo ativismo e a luta por direitos em amplos setores sociais. Nesse clima de agitação, o Podemos aproveitou a conjuntura com um programa de televisão que, tendo começado pequeno, aos poucos penetrou nas emissoras graças à crescente audiência e demanda. De fato, a Tuerka, programa de debates protagonizado por Pablo Iglesias, permitiu ao Podemos grande visibilidade na TV, um diferencial em relação a outras experiências de partido-movimento, como o Partido X. It´s television, stupid…

Para as lideranças do Podemos, as mobilizações e demandas do 15-M chegaram a um impasse decisivo, quando, depois de diversos entrechoques e reações do governo, os movimentos começaram a dar sinais de tendência de esgotamento. Fecharia-se assim o ciclo “movimentista”, sendo necessária uma força eleitoral para dar um passe e afrontar a classe dominante pela via governamental.

A seguir, o artigo de Salvador Schavelzon, Podemos, América do Sul e República Plurinacional, traça um paralelo principalmente com os governos de Evo na Bolívia e Rafael Correa no Equador, para fazer um contraponto ao que o autor considera entusiasmo excessivo ao redor do Podemos. Basicamente, a mise en intrigue de Salvador consiste em desdobrar um esquema com três planos: a) governos neoliberais de austeridade, b) governos industrialistas-progressistas voltados ao nacional-popular e ao social, e o que seria c) um governo radicalmente aberto aos movimentos autônomos e pós-desenvolvimentista. Aos três planos, correspondem três abordagens em relação à questão da plurinacionalidade e da descolonização: a) multiculturalismo liberal, b) inclusão social e fusão dentro do nacional-popular, c) novo paradigma para o estado e o desenvolvimento: viver bem, cosmopolítica e/ou pachamamismo.

A inspiração do Podemos na América do Sul estaria mais relacionada ao caráter hegemonista-estatista do nacional e do social, — justamente o que tem indicado um fechamento do ciclo constituinte deflagrado nos anos 2000, — do que aos devires minoritários e práticas do comum, assentadas nos movimentos indigenistas e autônomos. Na busca desenfreada por vitória eleitoral, o Podemos frustraria a força das minorias e a diferença enquanto produção de singularidades, assemelhando-se ao modelo estatal, nacional e desenvolvimentista que, na América do Sul, é exatamente o maior problema para as lutas na atual década.

Guanyem
 
Finalizando o conjunto, em tom bem mais otimista, a entrevista com Javier Toret fala do “15M das eleições”, o momento em que as muitas convergências culminaram na formação de plataformas cidadanistas e eleitoralistas para abrir mais um fronte de embate com as forças da casta. Toret fala do Guanyem (ou Ganhemos) Barcelona, organizado ao redor da candidatura de Ada Colau para a prefeitura da segunda cidade da Espanha. O pesquisador explica a importância de gerar “ilusão”, quer dizer, de jogar no imaginário. Afinal de contas, o “populismo” do Podemos joga com o “populismo” sul-americano, seja evista ou bolivarianista, que por sua vez estão calcados num populismo novecentista de lutas pela independência a seu passo inspirado em formas ainda mais antigas do Velho Continente, e assim por diante.

Por que não aproveitar desse imaginário calcado no ciclo de lutas e mobilizado por Syriza e Podemos, mediante experimentações singulares, também noutros lugares, no Brasil? Quem não lembra daquelas imagens da Al Jazeera dos enxames vertendo às praças do norte da África, até condensar no símbolo máximo de nosso tempo, a Praça Tahrir? Quem não “ficou maluco” com tudo aquilo, inflamado a ponto de ser levado a perguntar-se: por que não aqui, nós? Uma barreira subjetiva certamente é cruzada, quando os muitos percebem que, sim, podemos, momento exato em que o medo muda de lado.



Este dossiê propõe penetrar nos impasses, problemas e oportunidades abertas pelas experiências de Syriza e Podemos, dentro do objetivo da UniNômade de produzir conhecimento das lutas, nas lutas, para as lutas.

Texto de apresentação: Bruno Cava

Fonte: Universidade Uninômade Brasil

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