PICICA: "Tão ou mais importante que a pauta
concreta e a boa possibilidade de vitória que o movimento tem, é o
recado que ele manda para a sociedade – e não só a paulista – em um
momento tão cinzento, tão duro. Em meio à barbárie que assola o mundo,
às crescentes desigualdades, à violência urbana e às crises políticas de
nosso país, a estudantada de São Paulo dá a lição: só se transforma a
realidade com auto-organização."
A Lição da Garotada de São Paulo
Por Rodrigo Santaella
Na quinta-feira, 19, pude visitar uma das
escolas ocupadas em São Paulo: a E.E. Fernão Dias, a segunda das
ocupações. Hoje, já são mais de 80 escolas ocupadas em menos de duas semanas
desde que a onda de ocupações começou. As e os estudantes começaram sua
luta com o mote do combate à suposta “reorganização” escolar imposta
pelo governo Alckmin (que fecharia escolas, tentaria implementar uma
lógica de educação mais tecnicista, deslocaria 311 mil alunos de seus
locais de estudos, e tudo isso, como de praxe, sem consulta a nada nem a
ninguém), mas hoje, depois de alguns dias, já lutam por mais do que
isso. Há um questionamento sobre o modo de avaliação das escolas (que,
em resumo, premia as melhores e pune as piores, ampliando as
desigualdades), sobre as condições de ensino, sobre as condições de
trabalho das professoras e professores: é uma luta que aos poucos ganha
contornos de luta pela educação e que nesse sentido pode crescer bastante.
Tão ou mais importante que a pauta
concreta e a boa possibilidade de vitória que o movimento tem, é o
recado que ele manda para a sociedade – e não só a paulista – em um
momento tão cinzento, tão duro. Em meio à barbárie que assola o mundo,
às crescentes desigualdades, à violência urbana e às crises políticas de
nosso país, a estudantada de São Paulo dá a lição: só se transforma a
realidade com auto-organização. Se hoje são mais de 80 escolas, isso
significa, por baixo, umas 2000 jovens envolvidas/os na organização das
ocupações: meninas e meninos que não terão a mesma relação com o mundo a
partir de agora, porque descobriram que podem – e se podem, devem – ser
protagonistas de sua própria história. O brilho nos olhos que essa
descoberta traz é o motor da transformação social, e ele é perceptível
para qualquer um que visita as ocupações ou contribui com elas. Essa
talvez seja a maior lição da garotada de São Paulo: a juventude das
escolas públicas – e das periferias, dos guetos – pode e deve decidir
sobre os rumos de suas vidas, e se isso acarretar e demandar
transformações na sociedade, que se transforme a sociedade então!
As ocupações tendem a crescer nos
próximos dias. A meninada conta com o apoio de movimentos sociais,
coletivos de juventude que têm entre seus membros estudantes das escolas
e que buscam ajudar a fortalecer as ações e articulações, e parece
ainda contar com simpatia na sociedade em geral. O governo, por sua
parte, não sabe bem o que fazer, não parece ter mais coragem de reprimir
policialmente as ocupações como tentou no começo (já viu que a
aceitação disso tem limites na sociedade, especialmente quando se tratam
de adolescentes secundaristas) e tem como única alternativa de minar o
movimento a tentativa de enganar a estudantada, como tentou durante a
semana, sem êxito.
O tamanho que isso pode tomar certamente
vai depender da capacidade de articulação do movimento, e nisso os
coletivos organizados são fundamentais, do apoio da sociedade “não
organizada” e dos movimentos sociais, e principalmente na percepção
correta do potencial transformador desse brilho nos olhos que só nasce
na esteira da descoberta de ser protagonista da própria história.
O movimento da garotada de São Paulo pode
ser massificar e até se nacionalizar, a depender do nível de
politização que alcançar. Se isso acontecer, o potencial transformador
será maior do que foi junho de 2013, e podem se abrir portas para novas
possibilidades em meio à cinzenta realidade que nos cerca.
Confiram os recados da Othilia e do Ícaro, cheios de energia e espontaneidade, direto da ocupação!
Fonte: BRASIL EM 5
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