novembro 12, 2015

SOBRAL - O HOMEM QUE NÃO TINHA PREÇO, por Thiago Castilho (OBVIOUS)

PICICA: "Produzido com uma série de depoimentos de autoridades jurídicas, familiares e amigos e imagens de arquivo o documentário Sobral, o homem que não tinha preço, dirigido por Paula Fiuza, neta do jurista, traça a trajetória de vida e carreira de um dos maiores advogados do país. Apontado como um apoiador do movimento de 64 alegou ter sido “enganado” pelo militares que propunham restaurar a Constituição e não arrasá-la e tiranizar o país como de fato fizeram. Assim, após apoiar o golpe de 64 em princípio voltou-se contra ele quando o véu da violentíssima verdade foi levantado e o diabo da ditadura revelou sua infâmia da qual nele ele em determinado momento saiu incólume. Certa vez foi preso arbitrariamente em Goiana e transferido para Brasília. Porém foi salvo por uma legião de advogados que o tinham como ídolo e intervieram junto ao governo para sua soltura. Nunca perdeu a esperança de restaurar o regime, o ideal e o desafio da democracia. Fazia advocacia pró-bono e tinha um desinteresse material incomum no cosmos jurídico. Sua paixão e compaixão são referenciais e inspiradores!"

SOBRAL - O HOMEM QUE NÃO TINHA PREÇO


"O jurista Sobral Pinto (1893-1991) ganhou destaque ao lutar contra as injustiças e defender a democracia mesmo em um dos períodos mais obscuros de nossa história, a ditadura militar. Este documentário traz uma série de depoimentos e imagens de arquivo que mostram a trajetória do advogado e ressaltam a importância de seu trabalho na defesa da justiça e dos direitos humanos." Chamada do documentário

sobral13.jpg Acima: a capa do documentário Sobral, o homem que não tinha preço, não é adorável? O Dr. Sobral não parece o Fernando Pessoa nela?

"Um homem não é outra coisa senão o que faz de si mesmo." Jean-Paul Sartre

Doce é a liberdade para quem sempre a possuiu. Todavia, para quem já foi privado dela um dia e teve que lutar com todas as suas forças até as últimas conseqüências para reconquistá-la ela é mais do que doce, é divina, sagrada e inviolável. Ou deveria ser. 

O documentário nacional Sobral – o homem que não tinha preço começa com uma música suave e um trailer de imagens de protestos de brasileiros demandando democracia. Pode-se ouvir ao fundo a voz estridente e provocadora do saudoso Chacrinha convocando a galera para as Diretas Já. Estamos em abril de 1984. A narradora do filme depõe de prima: “Em abril de 84 a ditadura militar completou 20 anos. Eu tinha 16, o AI 5 também. Quase uma condenação isso. Uma geração inteira condenada ao silencio, a ignorância. Na escola não se falava de política, era proibido. Em casa também não. Era melhor não falar, mas pra gente sempre tinha sido assim. Liberdade era coisa que se aprendia nas entrelinhas. No máximo escrito atrás de uma porta de banheiro...”. Essa era a realidade dos brasileiros naquele tempo de trevas da Ditadura militar. Tempo de censura, de seqüestros, de clandestinidade, de perseguição, tortura e morte. E tempo de repúdio e resistência de muitos heróis famosos e anônimos.

 Acima: trailer do documentário sobre o jurista brasileiro Dr. Heráclito Fontoura Sobral Pinto

Era preciso mudar o Brasil e iniciar seu lento e progressivo processo de redemocratização. Assim fala Sobral aos 90 anos para mais de um milhão de brasileiros que se reuniam no Rio de Janeiro em nome do desejo de democracia: "Nós queremos que se restaure no Brasil o preceito do artigo primeiro parágrafo primeiro da Constituição Federal: “Todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido.”. Assim, o documentário serve como lembrete sinistro para os ignorantes infelizes que pedem o retorno da ditadura, seu autoritarismo e covardias genuflexos em sua “servidão voluntária” repulsiva, perigosa e autodestrutiva. A liberdade é a nossa lei primeira e suprema. A democracia não é perfeita e é preciso ter paciência com ela, mas ela ainda é a nossa melhor opção. Quando nós não somos livres para decidir nosso destino somos escravos e não cidadãos.

Produzido com uma série de depoimentos de autoridades jurídicas, familiares e amigos e imagens de arquivo o documentário Sobral, o homem que não tinha preço, dirigido por Paula Fiuza, neta do jurista, traça a trajetória de vida e carreira de um dos maiores advogados do país. Apontado como um apoiador do movimento de 64 alegou ter sido “enganado” pelo militares que propunham restaurar a Constituição e não arrasá-la e tiranizar o país como de fato fizeram. Assim, após apoiar o golpe de 64 em princípio voltou-se contra ele quando o véu da violentíssima verdade foi levantado e o diabo da ditadura revelou sua infâmia da qual nele ele em determinado momento saiu incólume. Certa vez foi preso arbitrariamente em Goiana e transferido para Brasília. Porém foi salvo por uma legião de advogados que o tinham como ídolo e intervieram junto ao governo para sua soltura. Nunca perdeu a esperança de restaurar o regime, o ideal e o desafio da democracia. Fazia advocacia pró-bono e tinha um desinteresse material incomum no cosmos jurídico. Sua paixão e compaixão são referenciais e inspiradores!

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Acima: Sobral Pinto, o Dom Quixote do Direito brasileiro, um mito para todo advogado que ama a justiça. O que podemos dizer? O cara era muito legal! Foi inclusive tema de uma escola de samba do carnaval carioca “Vovô Sobral”.

O documentário Sobral – O homem que não tinha preço, narra a historicidade desse homem notável, eterno no mundo das leis brasileiras. Sobral sempre manteve uma postura de lutador na vida. Lutou pela liberdade, pelas leis, pelos direitos humanos, pela democracia, pelo amor ao próximo, pela paz, por tudo que é sagrado nessa vida. Teve uma vida autêntica, cultivou seu pensamento próprio e esculpiu uma ética da existência pautada na sua consciência pessoal, no respeito as leis, na busca do bem comum e na sabedoria do amor. Dizia que conheceu um mundo juridicamente organizado e que esse mundo foi corrompido após a 1° Guerra Mundial, mas que se ele um dia existiu poderia voltar a existir, ou seja, sonhava com um mundo onde nós nos respeitássemos reciprocamente. Sabia a importância do diálogo. As coisas funcionam assim no mundo do direito e no mundo da vida em geral: quando nós temos um problema nós nos sentamos, nós conversamos, nós argumentamos, quando é preciso nós negociamos e nós chegamos a um acordo justo e satisfatório para todos na medida do possível. Nós não nos odiamos por discordarmos um dos outros, não tentamos impor nossa vontade e não nos matamos. Para George Jellinek “O direito é o mínimo ético.” e a paz, a ordem e a justiça são seus objetivos que devem ser atingidos pela força da lei e pela virtude do bom-senso entre todos nós.

O documentário expõe, inclusive, lances biográficos afetivos e íntimos. O doutor Sobral Pinto não era santo e a serpente o tentou com a maçã do pecado. Quando jovem, embora já casado, uma mulher que ele admirava do seu trabalho apaixonou-se por ele e ele não resistiu aos seus encantos. Um inimigo revelou o caso à impressa a fim de desmoralizá-lo, mas o escândalo foi perdoado pela família. Fazia parte do passado. Eis sua visão do amor: "O amor é um sentimento que aproxima os corações e faz com que esses corações se compreendam e se suportem. Eles devem se ajudar, sobretudo nas horas amargas.”. 

Acima: uma declaração que é uma genuína lição de vida, de direito, de ética, de cidadania, de amor, de liberdade, justiça e paz. A mensagem é clara: os poderes do Estado devem ser independentes e harmônicos entre si e nós devemos nos respeitar uns aos outros

Segundo Nietzsche “Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não torna-se também um monstro. Quando se olha para um abismo, o abismo olha para você.”. Ladino e intrépido, Sobral Pinto lutou contra os abusos, os absurdos e as injustiças da Ditadura Militar e fez da advocacia uma arma de defesa aos direitos humanos e de fazer justiça aos desamparados e oprimidos pelo Estado de Ferro no interior da vida político-jurídica brasileira. Salvou a historiadora Anita Leocádia, filha do ícone comunista Luiz Carlos Prestes e de Olga Benário dos tentáculos do nazismo. E numa certa feita usou a Lei de Proteção dos animais para compor uma petição humanitária em favor de presos políticos, etc... Sua filosofia cristã era: “Amar o pecador e odiar o pecado.” 

Para Kant os direitos são “A menina dos olhos de Deus. O que há de mais sagrado na Terra.”. O direito é uma arte. A arte de defender os direitos humanos, a arte de argumentar e a arte de fazer justiça num mundo monstruoso como esse sempre foi e pelo visto sempre será. Sobral era um artista da lei, da liberdade, da palavra e do amor. Um preso político do período da ditadura declara sobre o velho mestre: “Ele representava uma garantia da existência da lei, uma garantia da existência do direito. (...) Era uma manifestação da divindade da justiça.”. Suas lições de liberdade combateram o punhal da ditadura e cultivaram a rosa da justiça. Sempre se solidarizou com o sofrimento de seus semelhantes e lutou para atenuá-lo. 

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"Ajude o doutor Sobral a combater o mal." Millor Fernandes. Sobral teve a possibilidade de ajudar milhares de pessoas e não hesitou, combateu o mal da ditadura militar que tomou o poder a força das armas e lutou pela liberdade de todos os brasileiros. Numa palavra: foi um leão das leis. 

Sobral era genial e usou palavras, idéias e argumentos para ajudar a mudar o Brasil. Sobral, um exemplo de cidadania e civilidade, alteridade e altruísmo, bondade e generosidade, cuidado e carinho. Realmente um homem que não tinha preço. Recomendamos esse documentário extraordinário para quem ama a lei, a justiça, os direitos humanos, a ética, o respeito, a dignidade, a liberdade, o Brasil e a humanidade.

"Eu confio na justiça. Eu confio na vitória final do bem." Sobral

Link do documentário: Sobral o homem que não tinha preço.

Thiago Castilho

Advogado e escritor, um homem de leis e letras. “Ensinar a viver” é a maior contribuição da ciência e da arte para a vida. Ensinar a viver significa ensinar a amar a si e aos seus semelhantes. Adquirir o conhecimento e transformá-lo em sabedoria de vida no palimpsesto do pensamento. Eis minha soberania ética que busca realizar a experiência do autoconhecimento, do absoluto e do sublime aplacando a angústia porque ao contrário de Heidegger não acho que somos seres-para-a-morte, mas seres-para-a-vida e seres-para-o-amor. .

Fonte: OBVIOUS

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