PICICA: "A morte de Deus é o grande acontecimento
do século passado, um dos aforismos mais famosos de Nietzsche. Sim,
fechamos as portas para o transcendente, trancamos à sete chaves os
portões do céus! Mas, não estamos contaminados de religião? Já não somos
viciados em metafísica? Deus não entrou sorrateiramente pela janela,
como um fantasma, e escondeu-se em nossos mais terrenos pensamentos? A
sombra de Deus assombra nosso século ainda: somos ateus religiosos,
agnósticos crentes, fiéis sem pastor. Por que? Porque o homem ainda
acredita na verdade, toma para si o que era divino, mas mantém acesa a
chama da verdade. Morre a religião, nascem os valores humanistas."
Novas lutas – Depois que Buda morreu, sua sombra ainda foi mostrada numa caverna durante séculos – uma sombra imensa e terrível. Deus está morto; mas, tal como são os homens, durante séculos ainda haverá cavernas em que sua sombra será mostrada. – Quanto a nós – nós teremos que vencer também a sua sombra” – Nietzsche, Gaia Ciência, § 108
Ok, matamos Deus, agora é só relaxar e
aproveitar este mundo, certo? Errado… a morte de Deus é apenas o início,
o primeiro passo. É agora que tudo se torna mais perigoso. O niilismo
reativo é a negação dos valores platônicos e cristãos. Matamos Deus! Mas
privados destes valores supremos que decaíram, nos sentimos órfãos. A
reação do niilismo é quase inevitável, Deus ainda caminha pelo mundo
como um morto vivo. O homem do niilismo ainda precisa de fundamentos, e
Deus se esconde neles.
O preço a se pagar pela morte dos valores
divinos é muito alto. Nietzsche constata que o homem de seu tempo não
está preparado para as consequências deste ato. Podemos suportar a
leveza da morte de Deus? Afinal, já andamos tortos pelo peso dos valores
carregado por tanto tempo. Deus está morto! E agora? O que fazer? Para
onde ir? O desespero se abate sobre nós, procuramos um novo norte. É
preciso lembrar que “Deus está morto”
não é uma constatação metafísica, mas ética. Sendo assim, de nada
adianta substituir deus pelo homem reativo… muda-se apenas metafísica
por trás, mas a moral continua a mesma. Por isso estamos tão perdidos,
somos humanos, demasiadamente humanos, para matar Deus!
Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Deus? Não sentimos o cheiro da putrefação divina? – também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos! Como nos consolar, a nós, assassinos entre os assassinos?” – Nietzsche, Gaia Ciência, § 125
A morte de Deus é o grande acontecimento
do século passado, um dos aforismos mais famosos de Nietzsche. Sim,
fechamos as portas para o transcendente, trancamos à sete chaves os
portões do céus! Mas, não estamos contaminados de religião? Já não somos
viciados em metafísica? Deus não entrou sorrateiramente pela janela,
como um fantasma, e escondeu-se em nossos mais terrenos pensamentos? A
sombra de Deus assombra nosso século ainda: somos ateus religiosos,
agnósticos crentes, fiéis sem pastor. Por que? Porque o homem ainda
acredita na verdade, toma para si o que era divino, mas mantém acesa a
chama da verdade. Morre a religião, nascem os valores humanistas.
Quando Robespierre instaurou a república
francesa, após a revolução de 1789, o calendário gregoriano foi posto de
lado e instituiu-se o culto à razão. Igrejas foram transformadas em
Templos para esta nova divindade. Seus objetivos eram claramente
anticristãos, trocou-se a crença pela razão, inclusive com festivais e
celebrações para esta nova religião secular. Deus tornou-se a luz do
conhecimento racional. O homem toma para si o que era de Deus, eles se
debatem, de digladiam, procurando sentar no trono divino ainda quente!
Nietzsche analisa estes espetáculos horrorizado e se pergunta, afinal,
quando começaremos a desdivinizar o mundo? Ainda se crê no progresso,
ciência e humanismo.
Nós ainda somos devotos! Acreditar no homem é acreditar que há valores humanos. Direitos do homem?
Mas e a potência de criar valores? Sim, Nietzsche quer que o homem
supere a ele mesmo. O nietzschianismo não é um humanismo, ele está para
além de qualquer representação humana. O antropocentrismo é a armadilha
que o niilismo reativo cai recorrentemente. O homem não é um fim em si,
ele é uma corda estendida entre o macaco e o além-do-homem.
A ciência também é muitas vezes niilista.
Sim, Dawkins e companhia. O dogma científico é um barco que afunda
também no mar do niilismo. Ciência e religião são amantes secretas: “nós,
ateus e antimetafísicos, ainda tiramos nossa flama daquele fogo que uma
fé milenar acendeu, aquela crença cristã, que era também de Platão, de
que Deus é a verdade, de que a verdade é divina” (Nietzsche, Gaia
Ciência, § 344). Casal que vive brigando, mas no fundo se ama. O padre
acredita na verdade tanto quanto o cientista.
A Ditadura da Verdade
contém em si uma avaliação moral. A vontade de não ser enganado: não
enganar a si mesmo nem ao outro! Mas dizer a verdade é uma forma de
covardia. Por que buscar a verdade a qualquer custo? E a potência de
inventar novas verdades? Se a vida é aparência então afirmar a vida
significa afirmar a própria aparência. Diz Nietzsche: verdades são
ilusões que esquecemos como tais. Submeter-se à verdade é ainda carregar
consigo valores divinos.
O problema não é o conhecimento, mas a
busca pela verdade em si, como um desvelamento do mundo. O conhecimento é
instrumento, a verdade é valor metafísico. Não há nada por trás da
realidade! Há verdades baixas e desprezíveis, enquanto há mentiras,
fabulações altas, potentes. A que tipo de vida certas verdades servem?
Esta busca implacável, tal como Nietzsche a entende, ainda parece
divina. Concluímos assim que o homem da ciência ainda é niilista por
excelência! E a ciência é um dos produtos mais recentes da vontade de
nada.
Cuidado, o niilismo reativo não está
longe do niilismo negativo. Ainda somos devotos, e nossas crenças pesam
em nossos ombros cansados! Queremos tornar leve as religiões e as
ciências, não carrega-as como pesos que nos limitam! Transvalorar
valores é matar Deus e o homem, é correr mais rápido que as sombras que
nos perseguem, criar uma Gaia Ciência. O homem soberano sabe utilizar a
ciência e da espiritualidade quando lhe convém, mas não é escravo delas,
sabe deixar todo o resto para trás, quando a potência do falso lhe
convém.
O que Nietzsche queria era que se passasse, enfim, às coisas sérias. Fez doze ou treze versões da morte de Deus para não se falar mais disso, para torná-la um acontecimento cômico. […] o importante não é a notícia de que Deus está morto, mas o tempo que ela gasta para dar seus frutos” Deleuze & Guattari, Anti-Édipo, p. 146
>> Este texto faz parte da série: 4 formas de niilismo <<
Fonte: RAZÃO INADEQUADA
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