PICICA: "Vivemos à sombra de Platão, não se pode
negar, mas tomamos sua filosofia em nossas mãos e a tornamos ainda mais
perniciosa, perigosa, nefasta. No ocidente, a semente metafísica do
platonismo cresceu como árvore de frutos podres chamados cristianismo
(em suas várias vertentes), e apesar dos sintomas, ainda provamos de seu
suco amargo.
O niilismo negativo é a primeira manifestação das quatro formas de niilismo,
ela se manifesta principalmente na figura de Platão e na religião
cristã. Mas dentro deste saco metafísico podemos jogar Descartes, Kant, a
filosofia budista, Judaísmo e lista continuaria longa e
insistentemente, afinal, ainda vivemos mergulhados no niilismo."
É um doloroso, um arrepiante espetáculo, que despontou para mim: abri a cortina da corrupção do homem […] Valores de declínio, valores niilistas, sob os mais santos nomes, exercem o domínio” – Nietzsche, O Anticristo, §6
Vivemos à sombra de Platão, não se pode
negar, mas tomamos sua filosofia em nossas mãos e a tornamos ainda mais
perniciosa, perigosa, nefasta. No ocidente, a semente metafísica do
platonismo cresceu como árvore de frutos podres chamados cristianismo
(em suas várias vertentes), e apesar dos sintomas, ainda provamos de seu
suco amargo.
O niilismo negativo é a primeira manifestação das quatro formas de niilismo,
ela se manifesta principalmente na figura de Platão e na religião
cristã. Mas dentro deste saco metafísico podemos jogar Descartes, Kant, a
filosofia budista, Judaísmo e lista continuaria longa e
insistentemente, afinal, ainda vivemos mergulhados no niilismo.
Com Platão nasce a filosofia ocidental,
ele joga uma maldição sobre o pensamento imanente. O filósofo das ideias
rompe com as filosofias pré-socráticas e funda toda uma nova escola de
pensamento. Os primeiros passos do niilismo foram dados na Academia, bem
longe de Demócrito. Lá Platão faz a “síntese” entre Parmênides e
Heráclito: o ser e o devir se casam a contragosto.
Como compreender o devir? Se não podemos
entrar duas vezes no mesmo rio, como podemos falar do rio? Se tudo muda,
até a mais pequena das coisas, então é impossível formar um
conhecimento real e confiável do mundo à nossa volta. Tudo é transitório
e mutável! “Oh“, lamenta-se Platão, “onde está a verdade das coisas“?
Não podemos inferir a essência dos seres simplesmente observando-os
porque eles se transformam tão logo piscamos os olhos. O rio corre, o
mundo foge e nós nos sentimos desorientados no meio de tudo isso.
Platão tomou o caminho ascendente para
poder deitar a cabeça no travesseiro e dormir em paz. Diz ele que saiu
da caverna, então retorna e explica: há dois gêneros de conhecimento, um
proveniente do intelecto e outro proveniente da opinião. O primeiro
utiliza como ferramenta a dialética, o segundo nasce dos sentidos e do
senso comum. A oposição entre mundo sensível e inteligível é um problema
platônico, que é resolvido separando o mundo num real (ser, essência,
imutável, perene) e um aparente (vir-a-ser, mudança, inconstância).
Platão era tarado pela verdade, pelo
saber imóvel. Sim, o homem pode ser bom, mas o que é o bom em si? Sim o
homem pode ser belo mas o que é o belo em si? A tarefa do filósofo
platônico é descobrir o reino dos conceitos. Tarefa muito diferente dos
deleuzeanos, que consiste em criar conceitos.
O mundo platônico sobe como um foguete em direção ao universo das puras
abstrações. Lá, longe da carne, do sangue, da sensualidade, dos
cheiros, da paixão, apenas lá, o filósofo pode tocar a face virgem da
verdade, pervertidos… assim, o devir, o vir a ser, se torna a mera
aparência daquilo que é verdadeiro.
E o cristianismo? Ora, esta “filosofia” não passa de um decalque do platonismo, uma imitação barata. Como diz Nietzsche:
um platonismo para as massas. Da primeira para a segunda, praticamente
nada muda, a própria estrutura permanece a mesma, mudam-se os adornos,
os enfeites, apenas detalhes. Já falamos bastante da psicologia do cristianismo.
Nele também se ensina a desvalorizar este mundo em nome de outro, um
lugar longe daqui, onde a verdade estaria instalada. Só podemos ascender
ao outro mundo se seguirmos determinadas regras, condutas,
procedimentos.
O cristianismo exige apenas uma coisa:
submissão a Deus. Mas como Deus é mudo, então podemos seguir os
conselhos da Igreja. O sacerdote cristão é um personagem constante da
filosofia nietzschiana, ele se instala em todos os campos de vida do
fiel e o ensina como chegar a Deus, como agradá-lo. O corpo do fiel é
instrumento de Deus, todos são cordeiros em busca do nada. A meta não
está neste mundo, o centro de gravidade se desloca para um além (“Meu
reino não é deste mundo” João 18:36). A vida não se justifica por si
mesma, mas apenas pela vontade de Deus.
Se se põe o centro de gravidade da vida, não na vida, mas no ‘além’ – no nada -, tirou-se da vida toda gravidade […] Viver de tal modo, que não tem mais nenhum sentido viver, esse se torna agora o ‘sentido’ da vida” – Nietzsche, O Anticristo, § 43
É daqui que nasce a oposição entre corpo e
alma. Se o corpo é o cárcere da alma, como diz Platão, então nada
podemos fazer além de cuidar da alma para o momento em que ela deixar o
corpo (herança pitagórica). Estes ensinamentos moldaram nossa
subjetividade atual, os cristãos apenas o lapidaram com requintes de
crueldade. Corpo e alma, homem e animal, natureza e cultura, nascem com
Platão, o dualismo toma conta, racha a realidade, seguimos cortados ao
meio.
Diz o filósofo, nossa alma, antes de
entrar no corpo vislumbrou as Ideias, mas agora tem apenas uma leve
lembrança que é atualizada ao se deparar com as cópias em nosso mundo.
Mas o mundo das ideias não nasce de uma observação do mundo empírico, de
uma generalização ou extrapolação destas observações. Não, sua origem,
atesta Nietzsche, é psicológica. Os juízos de valor sobre a vida nascem
como sintoma da própria vida, uma vida decadente, doente, incapaz de
afirmar esta existência e que por isso foge para outros mundos onde
podem se esconder.
Privar-se de si como forma de prosperar.
Negar a vida para vivê-la. A contradição se faz carne no niilista
negativo, o escravo confunde criar valores com carregar valores e assim
se dobra contente aos senhores que serve. É aqui, mais do que nunca, que
entra a figura do sacerdote ascético,
ele prescreve os remédios para justificar, suportar e preservar-se
nesta realidade, é ele quem transforma a dor em culpa e mantém cativas
as ovelhas dentro do cercado minúsculo de sua existência.
Quem é que tem razões para se mentir para fora da efetividade? Quem sofre com ela. Mas sofrer com a efetividade significa ser uma efetividade malograda… A preponderância dos sentimentos de desprazer sobre os sentimentos de prazer é a causa daquela fictícia moral e religião: uma tal preponderância, porém, fornece a fórmula para a décadence…” – Nietzsche, O Anticristo, §15
Platão cria a brecha por onde o niilismo
entra, é como se ele abrisse uma fresta por onde o vazio penetrasse, o
vento frio do niilismo. O impacto que o filósofo das Ideias causou na
filosofia ocidental abriu rachaduras que separaram este mundo em dois. O
objetivo de Nietzsche é reverter a reversão platônica (colocar o mundo
de volta nos eixos).
É necessário dizer quem nós sentimos como nosso oposto: – os teólogos e tudo que tem sangue de teólogo no corpo” – Nietzsche, O Anticristo, §8
Nietzsche é fundamentalmente
anti-platônico. Ele grita do alto da montanha: “Abaixo Platão!”. Sua
missão? Abolir a separação do mundo das aparências e o mundo das
essências. Destruir esta falsa dicotomia é deixar o mundo inundar-se
pela potência da diferença, dos simulacros, da multiplicidade. Instaurar
o caos criador, transvalorar os valores.
A realidade é o devir, a aparência é a
realidade. Tudo que é puro, mente! Sim, é preciso saber se utilizar
também do falso, a potência do falso foi jogada na masmorra da filosofia
platônica, na lata de lixo do idealismo. É preciso desfazer os mal
entendidos criados por Platão e companhia. A tarefa é árdua, para isso, é
preciso aprender a filosofar à sombra do niilismo. Mas é exatamente
para isso que estamos aqui.
Nós ainda não sabemos para onde somos impelidos, depois de nos termos desligado, dessa maneira, de nosso antigo solo. Mas esse mesmo solo criou em nós a força que agora nos impulsiona para longe, para a aventura pela qual somos lançados no infinito, no não povoado, não descoberto; não nos resta nenhuma escolha: temos que ser conquistadores […] o oculto ‘sim’ em vós é mais forte que todo ‘não’ e ‘talvez’, de que são doente e dependentes vós e vosso tempo” – Nietzsche, Fragmento Póstumo
Fonte: RAZÃO INADEQUADA
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