novembro 29, 2015

Canta, Federico García Lorca. Por Ângela Broilo (OBVIOUS)

PICICA: "Vai fazer 80 anos em 2016. Federico García Lorca, o poeta pássaro, foi umas das primeiras vítimas dos militantes fascistas durante a Guerra Civil Espanhola. Executado aos 38 anos, deixou uma obra extensa, que fala de amor, solidariedade, paixão ibérica, tragédia humana. Conheça mais e prepare o Sarau."

Canta, Federico García Lorca.


Vai fazer 80 anos em 2016. Federico García Lorca, o poeta pássaro, foi umas das primeiras vítimas dos militantes fascistas durante a Guerra Civil Espanhola. Executado aos 38 anos, deixou uma obra extensa, que fala de amor, solidariedade, paixão ibérica, tragédia humana. Conheça mais e prepare o Sarau.

passaro.jpg Como tendências contemporâneas podem eliminar pássaros e outros animais perigosos.

O assassinato brutal de Federico García Lorca, o poeta pássaro, evidencia e lembra o poder da voz na literatura. García Lorca, além de poeta, foi dramaturgo, pianista, compositor e pintor. Executado na dia 20 de agosto de 1936, aos 38 anos, deixou uma obra extensa e volumosa. Nenhum outro autor espanhol, com exceção de Cervantes, conta com uma bibliografia tão vasta, como lembra W. A. Mello, em Antologia Poética - García Lorca (L&PM, 2005).

Em Morte de um pássaro, Vinicius de Moraes imagina a cena da execução do amigo:

Escaparia à sanha dos caçadores (…), ele, cuja única missão era cantar a beleza das coisas naturais e o amor dos homens; ele, um pássaro (…), em cuja voz havia ritmos de dança. Mas permaneceu em sua atonia, sem acreditar bem que aquilo estava acontecendo (…). As ordens foram rápidas. (...) O sangue cantava-lhe aos ouvidos, o sangue que tinha visto e que não quisera ver, o sangue de sua Espanha louca e lúcida, o sangue das paixões desencadeadas (...), o sangue dos homens que morrem para que nasça um mundo sem violência.

A considerar a violência, o tempo traz conhecimento. O poeta, o escritor, o artista não é aquele que cala. O poder da literatura está na voz, a voz transforma, provoca, muda, amplia o pensamento. Hoje sabemos que matar o artista não silencia a obra. Pelo contrário, ajusta o foco, acende luzes. Por isso, na impotência da bala, inventou-se a tendência, que ainda é forte. Atua sobre o nosso comportamento manada. A tendência aponta o que ouvir, onde olhar, o que dizer, o que calar. E tendência pega de jeito. Pode atrasar, matar no cansaço e no medo do olhar do outro.

Recordar Federico García Lorca é pensar em vida, tempo, espaço, conceitos como liberdade. É uma forma de resgatar poder na memória do mundo. Bom lembrar que, se criamos tendências, podemos também desviar delas e adiantar o passo. Na tentativa do desvio, se pratica o parar para pensar. Por isso, vale sim aumentar o volume e ampliar a voz de todos que contribuem com a literatura, sem esquecer do leitor.

*** Quer saber mais?

lorca.jpg
Antecipando a agenda de 2016, com tempo de aprofundar, vai uma dica para Sarau Literário: Federico García Lorca, obra, vida e amores interditos. Melhor ainda: sinta a voz do poeta e faça o seu título. Passe pela poesia que aproximou o regional do universal, conheça o dramaturgo de Bodas de Sangre e cheque a relação de idas e vindas com Salvador Dalí. Sobre biografia, busque as obras de Ian Gibson.

Ouça a música, sinta a poesia

A poesia de García Lorca soa fluida. É o tom de um músico poeta, que nunca perdeu o acento da pequena Andaluzia onde nasceu. Sob o aspecto folclórico e popular, percebe-se o tom da tragédia. A poesia fala da paixão, dos amores trágicos, do humano atormentado. Nessa tensão, a poesia, caracterizada por símbolos, é generosa em cantar a cooperação entre homens e mulheres. Vida e morte são temas recorrentes. Lorca nos leva a um universo de luas, estrelas, magia. O noturno sempre lunar. A lua é símbolo do feminino, mas o poeta sublinha a porção de esterilidade a contornar o seu mundo. Na dramaturgia, percebe-se a proposta didática a sugerir transformações na ordem social vigente.

No mapa do mundo

García Lorca passa a infância num vilarejo em Granada. Muda-se para Madrid durante o período de formação acadêmica. Observe que tanto a obra poética quanto a dramaturgia são pontuadas pelas viagens que García Lorca faz a Barcelona, Paris, Cuba, Buenos Aires, Nova York.
Os biógrafos contam: García Lorca tentou aprender inglês, mas não se esforçou demais. A Grande Maçã não estava ao gosto do poeta, como vemos na obra Poeta em Nueva York, versos do poema Ciudad Sin Sueños:

No duerme nadie por el cielo. Nadie, nadie. No duerme nadie./ Las criaturas de la luna huelen y rondan sus cabañas./ Vendrán las iguanas vivas a morder a los hombres que no sueñan/ y el que huye con el corazón roto encontrará por las esquinas/ al increíble cocodrilo quieto bajo la tierna protesta de los astros./ No duerme nadie por el mundo. Nadie, nadie./ No duerme nadie./ Hay un muerto en el cementerio más lejano/ que se queja tres años/ porque tiene un paisaje seco en la rodilla;/ y el niño que enterraron esta mañana lloraba tanto/ que hubo necesidad de llamar a los perros para que callase.

Entre amigos

García Lorca pertenceu à chamada Generación del 27 e conviveu com os grandes da época. A sua maior influência foi Ruben Dário. Entre os amigos, estavam Amado Alonso, Gerardo Diego, José de Ciria y Escalante, Guilhermo de Torre, Juan Ramón Jiménez, Gregório Martinez Sierra, Pablo Neruda, Monolo Ortiz, Bergamín, Delia, Maria Rosa, Buñuel, Pepín Bello, Salvador Dalí.

Em 1972, Pablo Neruda escreve suas memórias, reunidas na obra Confesso que Vivi. Com uma narrativa leve, bem humorada e consistente nos pesares, Neruda traz fatos de sua vida e dos amigos, entre eles García Lorca. Os dois aparecem em Buenos Aires, onde prestam uma homenagem a Ruben Dário. Observar a personalidade de García Lorca sob o ponto de vista de Pablo Neruda é uma experiência singular. 

Percorra a bibliografia

No Domínio Público, estão disponíveis 15 títulos do autor em espanhol, incluindo a peça Bodas de Sangre.

Entre as obras em português, sugere-se a edição bilíngue Obra Poética Completa – Federico García Lorca (Unb, 2004) e Antologia Poética - García Lorca (L&PM, 2005).

Sobre biografia

O irlandês Ian Gibson é considerado o grande biógrafo de Federico García Lorca. Escreveu diversos livros sobre o poeta, entre eles La represión nacionalista de Granada en 1936 y la muerte de Federico García Lorca (Ruedo Ibérico, 1971) e Guía a la Granada de Federico García Lorca (Plaza & Janés, 1989). A editora Globo traz Federico García Lorca - A biografia (2014), com versão de Augusto Klein para o português.

Amores e interditos

Os amores de Lorca entravam em conflito com a moral conservadora de seu tempo. O García Lorca gay sempre foi assunto tabu para amigos, familiares e conhecidos. Por isso, a vida íntima do poeta constitui uma exceção na obra fartamente documentada de Ian Gibson. Nos livros Vida, pasión y muerte de Federico García Lorca (Debolsillo, 2006), Lorca-Dalí, el amor que no pudo ser (Debolsillo, 2004), Caballo azul de mi locura - Lorca y el mundo gay (Planeta, 2009), Gibson apresenta ao leitor um texto hábil e sensível, com foco na análise de poemas, peças de teatro e correspondências. 

Vítor Fernandez, no livro Querido Salvador, querido Lorquito (Globo, 2015), visita a correspondência mantida entre García Lorca e Salvador Dalí. Percebe-se que o relacionamento iniciado em 1923 não foi tranquilo, mas a colaboração entre os dois, a compor o Surrealismo na Espanha, enriquece o mundo da arte até hoje.



Ângela Broilo

Ângela Broilo é escritora e cúmplice em todo movimento que faz valer a pena. .

Fonte: OBVIOUS

Nenhum comentário: