PICICA: "Paulo
Freire já dizia: o mestre é aquele que, de repente, aprende. E é esse
homem lindo que me vem à mente ao acompanhar as notícias das escolas
ocupadas em São Paulo. Quando a máquina de ideologia – que são os meios
de comunicação – transmitem, à exaustão, informações sobre o colapso da
educação, sobre a violência nas escolas, alardeando que os jovens não
querem nada com nada, vem essa gurizada a mostrar que isso não é
verdade.
Eis
aí um fato que precisa ser compreendido na sua mais ampla dimensão. Por
que raios essa gurizada está ocupando as escolas, contra a proposta de
fechamento e reestruturação do governo paulista? O que nos dizem esses
guris e gurias, abraçando e protegendo velhos prédios carcomidos pela
incompetência governamental? Que estupenda lição oferecem esses jovens
aos “especialistas” que arrotam verdades sobre eles?"
#Ocupaescola: A lição da juventude paulistaby Elaine Tavares |
por Elaine Tavares
Paulo
Freire já dizia: o mestre é aquele que, de repente, aprende. E é esse
homem lindo que me vem à mente ao acompanhar as notícias das escolas
ocupadas em São Paulo. Quando a máquina de ideologia – que são os meios
de comunicação – transmitem, à exaustão, informações sobre o colapso da
educação, sobre a violência nas escolas, alardeando que os jovens não
querem nada com nada, vem essa gurizada a mostrar que isso não é
verdade.
Eis
aí um fato que precisa ser compreendido na sua mais ampla dimensão. Por
que raios essa gurizada está ocupando as escolas, contra a proposta de
fechamento e reestruturação do governo paulista? O que nos dizem esses
guris e gurias, abraçando e protegendo velhos prédios carcomidos pela
incompetência governamental? Que estupenda lição oferecem esses jovens
aos “especialistas” que arrotam verdades sobre eles?
Marx
já nos alertou desde há séculos que é preciso auscultar a realidade e
que é da história mesma que brotam as ideias que, então, passam a
comandar a vida. Então é hora de olhar a vida. Não existe colapso na
educação, o que existe é a deliberada ação de não oferecer aos alunos do
primeiro e segundo graus um ensino de qualidade. E como se faz isso?
Simples. Começa-se pelo abandono das estruturas. As escolas vão se
desmilinguindo, ficando feias, com tudo caindo. Não há cores, não há
flores, não há beleza, os ambientes vão se parecendo com prisões.
Depois, paga-se mal aos professores e eles precisam se virar nos trinta,
dando quinhentas aulas para conseguir uma renda capaz de sustentá-los
com um mínimo de dignidade. E o que pode ensinar um professor esgotado,
cansado, estressado? Por fim, cria-se um plano de educação que não
respeita os anseios das gentes, construído em salas fechadas, por
especialistas ou tecnocratas que não conhecem a vida real, abarrotado de
preconceitos e verdades cristalizadas.
Ocupação na Escola Estadual Pio Telles Peixoto, na zona noroeste da cidade de São Paulo (fonte: Jornalistas Livres)
Então,
juntando tudo isso, as escolas vão ficando cada dia mais tristes,
parecendo um depósito de gente, um lugar onde o riso é punido, a
brincadeira é vista como um problema, e a afetividade passa longe. Não é
possível criar um ambiente amoroso - como queria Paulo Freire – se não
são dadas as condições materiais para isso. Lembrem, a realidade vem
primeiro que a ideia.
Aí
vem o governo paulista - e não é só ele, em Santa Catarina também –
falar em reestruturação, que nada mais é do que adequar o sistema de
ensino aos interesses econômicos. Fechar escolas para baixar custos,
baseado em números, estatísticas, planilhas. Pouco importa se o
fechamento vai tirar o guri e a guria do seu bairro, ou vai desfazer um
vínculo afetivo. Dane-se isso. Dane-se Paulo Freire, “aquele comunista”.
Pois
quando o estado – baseado na algaravia conservadora de que a juventude
não está nem aí para nada – decide mexer nesse já miserável quadro do
ensino público, vem a realidade e o confronta. Os jovens pegam suas
tralhas, seus cadernos surrados, seus telefones espertos comprados nos
camelôs, colchões velhos, seu entusiasmo, seus sonhos, e ocupam a
escola. Diante da polícia, das armas, das botinas, dos cassetetes eles
colocam seus corpos ainda em formação, frágeis, mas resolutos. Aquele
lugar em escombros ainda é o único espaço que eles encontram para
minimamente burlar o perverso sistema que só os quer minimamente capazes
para fazer girar a máquina.
Os
secundas de São Paulo protegem a escola com seus corpos. Pode haver
lição maior? Eles dizem não ao projeto de desmonte, ao descaso, ao
desamor, ao golpe do capital. Eles apontam um horizonte de belezas.
Sabem que aquilo que ali está - a escola, o programa – ainda não é
suficiente, têm consciência do que está por trás do desmonte, do
fechamento, dos baixos salários dos professores, e exigem mudanças.
A
escola que eles estão defendendo é o espaço do saber, o saber que é
sabor, gosto bom. A escola de Simón Rodríguez, de Paulo Freire, de José
Martí. A escola que forma para a vida, que promove a solidariedade, o
afeto, a cooperação. Uma escola que é real, mas que não existe ainda por
conta da habilidade de quem governa. Porque uma escola assim é
sementeira de transformação.
A
primeira ocupação foi na Escola Fernão Dias Paes, em Pinheiros, cidade
de São Paulo (foto de Taba Benedicto, dos Jornalistas Livres)
O
que os governos não sabem é que essa escola que eles plasmam com seus
planos de ensino engessados e baixos salários – ineficiente, escura,
conservadora – não é o único espaço por onde transita a criança e o
adolescente. Eles caminham pelo bairro, andam de ônibus, enfrentam a
violência, a miséria, a falta de interesse dos adultos. Eles são capazes
de fazer as ligações e compreender o mundo que se mostra
cotidianamente. E, assim, podem transcender às marteladas ideológicas da
mídia, dos governos, dos adultos empedrados e conservadores.
A
pedagogia das ocupações em São Paulo é libertária e transformadora.
Essa escola que os secundas estão construindo com seus corpos, suas
danças, canções e sorrisos é a escola necessária. Mas, não esperemos que
os governos os compreendam e os aceitem. O estado vai combater essa
escola e esses jovens até o mais amargo fim, assim como combate e pune
os professores que se insurgem contra a lógica bancária e mercantilista
da educação.
É uma queda de braço. É a luta de classe.
E,
aconteça o que acontecer, essa gurizada já venceu. Porque essa
experiência pedagógica vivida, esse fazer o próprio caminho não será
esquecido por milhares de jovens. Isso viverá para sempre forjando
espírito e corpo para novas batalhas, para além da escola.
O
humano sempre escapa à escravidão. Essa é uma lição que os dominadores
parecem não entender. Os quilombos são parte constitutiva do que somos, e
seguirão existindo. Terras livres, de negros, de crianças, de mulheres,
de índios, de velhos, de todos aqueles que, incapazes de aceitar o
garrote, se levantam e andam.
As escolas ocupadas de São Paulo fervem de vida, de luta, de alegria, de amor. Isso é educação!
Texto publicado originalmente no Blog Palavras Insurgentes.
Jornalista. Humana, demasiado humana. Filha de Abya Yala, domadora de palavras, construtora de mundos, irmã do vento, da lua, do sol, das flores. Educadora, aprendiz, maga. Esperando o dia em que o condor e a águia voarão juntos, inaugurando o esperado pachakuti.
Fonte: ZONA CURVAJornalista. Humana, demasiado humana. Filha de Abya Yala, domadora de palavras, construtora de mundos, irmã do vento, da lua, do sol, das flores. Educadora, aprendiz, maga. Esperando o dia em que o condor e a águia voarão juntos, inaugurando o esperado pachakuti.
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