PICICA: "Como negar a vida? Ou melhor, como fazer
da negação uma forma de vida? O niilismo é o caminho que leva o homem
para o abismo, e hoje lentamente marchamos entorpecidos para nosso
destino final. O niilista é o acusador: dos outros, de si, da
existência. O sacerdote, o utópico, o sonhador, o crente, o fascista, o
iludido, todos criam ficções para justificar suas acusações a este mundo
e assim tornar a vida mais (in)suportável.
Pobres negadores, eles seguem o que Nietzsche tão bem explicou na Genealogia da Moral: O homem ainda prefere querer o nada à nada querer. “Não
é a vontade que se nega nos valores superiores, são os valores
superiores que se referem a uma vontade de negar, de aniquilar a vida”
(Deleuze, Nietzsche e a Filosofia). O niilista quer viver, mas só pode
fazê-lo de modo doente, estende uma grande cortina negra sobre a
realidade para não encará-la de frente.
Nietzsche
afundou na doença europeia para entender o niilismo até sua medula.
Schopenhauer afundou-se nele também, mas o filósofo do martelo foi um
dos poucos que o superou."
Como negar a vida? Ou melhor, como fazer da negação uma forma de vida? O niilismo é o caminho que leva o homem para o abismo, e hoje lentamente marchamos entorpecidos para nosso destino final. O niilista é o acusador: dos outros, de si, da existência. O sacerdote, o utópico, o sonhador, o crente, o fascista, o iludido, todos criam ficções para justificar suas acusações a este mundo e assim tornar a vida mais (in)suportável.
Pobres negadores, eles seguem o que Nietzsche tão bem explicou na Genealogia da Moral: O homem ainda prefere querer o nada à nada querer. “Não
é a vontade que se nega nos valores superiores, são os valores
superiores que se referem a uma vontade de negar, de aniquilar a vida”
(Deleuze, Nietzsche e a Filosofia). O niilista quer viver, mas só pode
fazê-lo de modo doente, estende uma grande cortina negra sobre a
realidade para não encará-la de frente.
Nietzsche
afundou na doença europeia para entender o niilismo até sua medula.
Schopenhauer afundou-se nele também, mas o filósofo do martelo foi um
dos poucos que o superou.
Da ótica do doente ver conceitos e valores mais sãos, e, inversamente, da plenitude e certeza da vida rica descer os olhos ao secreto labor do instinto de décadence. Este foi o meu mais longo exercício, minha verdadeira experiência, se em algo vim a ser mestre, foi nisso – Nietzsche, Ecce Homo, Por que sou tão sábio? §2
Deleuze, posteriormente, lendo sua obra, sistematizou suas proposições em quatro formas de niilismo:
Niilismo Negativo: Aqui,
nega-se o mundo em nome de outros valores. Mas o niilista engana a si
próprio, ele nunca diz negar o mundo, pelo contrário, ele se diz
afirmando Deus. Divisão de dois mundos, um debaixo: sensível, mutável,
corporal, temporal; outro supra-sensível: imutável, ordenado, atemporal.
O niilista negativo cria outros mundos para poder suportar este. Se
esta ordem terrena o faz sofrer, ele diz: Deus é misterioso, escreve por
linhas tortas. Se o homem sofre aqui na terra ele diz: Deus, tenha
piedade. A vontade se torna doente, remete a mundos fora deste. “Não amem o mundo nem o que nele há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele”
[1Jó 2:15]. Este mundo é ruim, portanto, o niilista deve provavelmente
ser o escolhido de Deus (um deus dos fracos, oprimidos, que sofrem),
esta é a figura do ressentimento.
Niilismo Reativo: o
homem capitalista não nega o niilismo negativo ele dá um passo adiante:
morte de Deus. Somos todos ateus! Deus morreu porque nosso cotidiano não
é mais guiado pelos preceitos divinos. Sim, matamos Deus e ele mereceu,
mas agora o homem é sagrado. Viva os direitos do homem! O além agora é o
futuro, “no dia da revolução todos serão redimidos“. Trabalhe
por um mundo melhor, sirva à sociedade. A ciência dará todas as
respostas. Enfim, ainda somos religiosos, o homem matou a verdade fora
deste mundo, mas ainda acredita numa verdade metafísica neste mundo, um
mundo melhor por vir.
Niilismo Passivo: aos
poucos, a vontade de potência se esgota no niilismo, ela vaza, escoa,
procura afirmar-se em outros lugares. O homem cada vez mais doente tem
cada vez menos capacidade de afirmar-se. O niilismo passivo é o dos
últimos dos homens (Zaratustra, parte IV). “Onde está o mar para que eu possa me afogar?“,
mas o mar secou! As figuras anteriores tinham uma vontade de nada mas o
niilista passivo passa para o nada de vontade, estamos perto do fim… É
aquele que prefere extinguir-se passivamente. A chama se apaga, surge a
escuridão sem fim. Mortos-vivos, não encontram vida dentro de si (mesmo
ela estando lá), mas ainda se movem.
Niilismo Ativo: “O homem é uma criação recente cujo fim talvez esteja próximo”
(Foucault). Quando as forças de negação atingem o seu limite, elas
chegam do outro lado. O niilismo nega a si mesmo, há um rompimento.
Encontramos então alguém que quer perecer, ser ultrapassado, morrer,
sim!, e para isso ele faz da vontade de potência uma negação das
próprias forças reativas. Se destruir ativamente! Destruir o niilismo
dentro de si! Como podemos acelerar a roda do devir? Negando as forças
de negação. O que vem depois do homem moderno? O que está além do homem?
Não foi Nietzsche quem matou Deus, foi o homem moderno, Nietzsche é o
filósofo da morte do homem! Para que? Para criar novos valores! Só é
escapar destes valores humano, demasiado humanos, criando novos; o maior
perigo do homem, no fim das contas, sempre foi o próprio homem, criar é
sempre ir para além do homem.
Da mesma forma que a aposta de Pascal,
existe uma aposta para o mundo. Essa aposta serve para destruir com as
três primeiras formas de niilismo. Isto porque acreditar no mundo pode
nos trazer ganhos infinitos! Mas não acreditar neste mundo nos traz
perdas terríveis! A realidade existe, isso não necessita de prova
alguma, mas como se situar nela? É preciso apostar na de pessoas com
processos criativos e afirmativos. Fazer da vida matéria prima, só assim
se pode viver bem, mesmo com a dor, a morte, a pobreza e principalmente
a tolice!
Cada um é necessário, é um pedaço de destino, pertence ao todo, está no todo – não há nada que possa julgar, medir, comparar, condenar nosso ser, pois isto significaria julgar, medir, comparar, condenar o todo… Mas não existe nada fora do todo! – O fato de que ninguém mais é feito responsável, de que o modo do ser não pode ser remontado a uma causa prima, de que o mundo não é uma unidade nem como sensorium nem como ‘espírito’, apenas isto é a grande libertação – somente com isso é novamente estabelecida a inocência do vir-a-ser…” – Nietzsche, Crepúsculo dos Ídolos, IV, §8.
Escrito por Rafael Trindade
Artesão de mim, habito a superfície da pele, atento para o que entra e sai.Fonte: RAZÃO INADEQUADA
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