novembro 28, 2015

Luis Buñuel, O Anjo Exterminador. POR João Roc (OBVIOUS)

PICICA: "Adentrar o universo surrealista do cineasta espanhol - naturalizado mexicano - Luis Buñuel, é percorrer os caminhos que fizerem o cinema ser a arte que porventura é. Todavia, esta mesma arte parece ter ficado esquecida em meio à esquemas de montagens - em detrimento a construção de uma cena - e artificialidades textuais e da imagem em ode à exploração de ambientes que permitem sua linguagem se desenvolver e evoluir. Buñuel faz parte do seleto grupo de artistas fundamentais para entender as dimensões cinematográficas."

Luis Buñuel, O Anjo Exterminador


Adentrar o universo surrealista do cineasta espanhol - naturalizado mexicano - Luis Buñuel, é percorrer os caminhos que fizerem o cinema ser a arte que porventura é. Todavia, esta mesma arte parece ter ficado esquecida em meio à esquemas de montagens - em detrimento a construção de uma cena - e artificialidades textuais e da imagem em ode à exploração de ambientes que permitem sua linguagem se desenvolver e evoluir. Buñuel faz parte do seleto grupo de artistas fundamentais para entender as dimensões cinematográficas.

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Um perigoso paralelo que poderíamos fazer na arte de Luis Buñuel seria com os trabalhos do genial Rene Magritte. Não pelas cores, não pela técnica, são artes completamente diferentes em suas ferramentas. Mas na construção de um surrealismo puro, o simbolismo do homem envolto ao estranho e cúmplice mundo que o cerca; depois, a ironia refinada. Acrescendo ainda um olhar crítico aos costumes, a moral cristã, ou melhor, o puritanismo burguês. 

Com a guerra civil espanhola, Buñuel foi obrigado a abandonar seu país. Sua relação já estava estremecida - anos antes - com a criação do documentário ‘Las Hurdes, Tierra Sin Pan’ (1933) ao lado do artista e jornalista anarquista Ramón Acín. ‘Tierra Sin Pan’ mostrava o modo precário de vida na comunidade de ‘Las Hurdes’, no sudoeste da Espanha. O documentário chegou a ser proibido pelo governo. Buñuel voltaria a fazer outro documentário - de cunho social - em 1950, no México, chamado ‘The Forgotten’.

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Exilado na Franca e posteriormente nos EUA, o cineasta ficou empregado no Museu of Modern Art em Nova York, o mesmo que pediu sua saída, após a publicação de um livro de Salvador Dalí, afirmando que Buñuel era ateu. O irrelevante escândalo o levou ao México em 1946, onde lá, continuou produzindo algumas das maiores obras primas do cinema. Como este ‘El Ángel Exterminador’, 1962.

Seu olhar mais uma vez retorna ao ponto, o humano, demasiadamente humano como escreveu Friedrich Nietzsche e que encontra naquele espanhol as razões que nos levam a vontade, ao querer, à escolher. Por que optamos por tal caminho? As razões podem ser tão intrínsecas que talvez nem saibamos de nós mesmos. Estamos preparados para tal escolha? Não importa, viver é este equilíbrio de causa e consequência - baseado em nossas opções irrenunciáveis - Já escrevera outrora o francês Jean Paul Sartre. 

Então o que o cineasta quer nos dizer?

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‘O Anjo Exterminador’ começa pelo metafórico abandono dos empregados da elite burguesa, entretanto, antes, estes preparam o jantar e deixam para que os famintos amantes da arte em seus trajes luxuosos e educação refinada possam saciar sua fome, não intelectual e sim física, orgânica, de carne e vinho. A câmera do espanhol tem a sublime qualidade de simplesmente permanecer quase estática - como uma descrição - sem focar grandes transformações, no tempo presente paciente inconfessável. Enquanto homens e mulheres - em doces cortesias formais - conversam e riem sobre um banquete harmonioso. 

Logo depois, Buñuel lança sua ironia, sua ácida palidez 'lautreamoniana' sobre todos os convidados, este, incapazes de voltar a suas casas, permanecem no opulento salão da mansão, por alguma razão lúdica, perversa, medonha em seu medo, o absurdo como discurso e o confinamento como análise do comportamento humano. Aos poucos cada personagem vai se desconstruindo em pequenas armadilhas íntimas, frágeis em sua postura irredutível e moral, quebram-se como anjos que acabaram de despencar de suas ilusões materiais e observam um mundo visceral e selvagem. 

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Luis Buñuel não era exatamente um novato em 1962, ano desta obra. Para entender suas referencias, remontamos à época surrealista na década de 20, nos encontros com Dáli, Breton e outros cadáveres esquisitos. Alguns anos depois, lançaria a obra prima cinematográfica do movimento, O Cão Anduz, em 1929. Um clássico atemporal que trazia a ruptura de um cinema puramente formal para um cinema autoral de vanguarda. Abrindo caminho para novos cineastas explorarem a imagem em suas últimas consequências. 

Fundador do primeiro cineclube de Paris e envolvido em diversos grupos artísticos em profunda efervescência naqueles anos dourados da arte do Século XX. De formação jesuítica que logo seria afunilada por ele mesmo em suas obras, como 'Viridiana'. Feroz crítico do comportamento em sociedade e um verdadeiro analisador das nuances humanas, algo sintetizado nesta obra e suas elucidações ocultas.

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A convivência tão próxima pode revelar o melhor e o pior de nós. Aquilo que parecia mergulhado nas frações de segundos do contato passageiro se revela em dimensões mais claras e perturbadoras. Sentimos-nos ao longo da linearidade de O Anjo Exterminador - também analisados pelas lupas do mestre - Nossos conceitos morais e dos personagens encontram a conveniência no confinamento escuro, na paisagem da casa – antes erguida para ser admirada – agora apenas um exílio febril, onde vozes e sussurros se confundem na imersão de nossas escolhas em ir embora ou ficar, isso também cabe a nós a tal dilema. 

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Podemos simplesmente apagar esta película de nosso convívio e esquecer suas horas onde somos tentados a afirmar serem inverossímeis, mesmo que no fundo ainda almejamos não acreditar que faríamos o mesmo, desfaleceríamos ou lutaríamos para permanecer lúcidos? Por que? Por que se entregar aos devaneios múltiplos feriria nossa moral – quiçá – religiosa? 

Luis Buñuel se notabilizou por deixar mais dúvidas do que respostas e responder tais perguntas; não estaria certamente, entre suas intenções com este fantástico trabalho. Para ele, seu filme tratava da vontade. Do querer algo sem mesmo querer e do não querer como pano de fundo para inverdades para com nós mesmos. Seu cunho apocalíptico versava então desmontar aquele princípio que pauta as relações humanas. 

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Quebrar estes códigos de condutas em tom refinado e catapultar o ser ao ponto inicial – onde quem sabe – ainda exista alguma verdade. Abrir as portas - não do salão - e sim de nossa real contemplação de nós mesmo, é tão desafiador quanto qualquer grande desafio já revelado. Como cordeiros, como ovelhas, somos domesticados e adestrados pelos regimes puritanos incalculáveis? Talvez nem tenhamos estas ideias ao longo da vida. E mesmo que possamos – como num ato heroico para nós mesmos – nos abrirmos e saltarmos de todo o engessamento necessário para a nossa alienação suprema - será que passaríamos pela porta? 

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Enquanto buscamos as explicações – nem precisávamos – Buñuel, O Anjo disposto a exterminar as falsas aparências, sem agredir aquilo que somos, mas, quem somos? um amontoado de discursos pré-religisosos? Filosóficos? Pessoas boas de coração, incansáveis no fazer o bem para a humanidade? Comedores de porcos, carcereiros de nossos próprios eclipses translúcidos? 

Lá fora, enquanto a população brinca em circenses jogos midiáticos – assim como no filme - e a sociedade proclama o discreto charme materialista, O Anjo Exterminador é daquelas obras de arte jamais deixa de reverberar, latejar em reflexões-espelho desmoronando pelo peso do ser. Escolher é nossa prisão de saída indecifrável, como este clássico singular de Luis Buñuel. 

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João Roc

Apenas um homem inadequado.

Fonte: OBVIOUS

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