março 31, 2016

Divergências à parte. POR Equipe IMS (BLOG DO IMS)

PICICA: "Em artigo publicado no matutino carioca Diário de Notícias logo após a morte trágica de Luciano Carneiro, o também jornalista Hélio Fernandes, na época aos 38 anos, não deixou de registrar na homenagem emocionada de seu texto as divergências que mantinha com o ‘coleguinha’ morto sobre os caminhos e descaminhos do jornalismo. No debate a respeito que durou anos entre eles, Hélio não conseguiu impor a Luciano (foto) sua convicção de que “jornalismo é informação, mas é também e principalmente opinião”."

Divergências à parte

POR Equipe IMS Fotografia | 30.03.2016


Em artigo publicado no matutino carioca Diário de Notícias logo após a morte trágica de Luciano Carneiro, o também jornalista Hélio Fernandes, na época aos 38 anos, não deixou de registrar na homenagem emocionada de seu texto as divergências que mantinha com o ‘coleguinha’ morto sobre os caminhos e descaminhos do jornalismo. No debate a respeito que durou anos entre eles, Hélio não conseguiu impor a Luciano (foto) sua convicção de que “jornalismo é informação, mas é também e principalmente opinião”.

retrato de Luciano Carneiro em 1954

O fotojornalista, cujo trabalho de correspondente internacional da revista O Cruzeiro segue em exposição no centro cultural do IMS em São Paulo, acreditou até o fim que jornalismo e política não deviam se misturar nunca. A discussão continua atual – talvez agora mais que nunca –, mas houve um tempo na virada dos anos 1950/60 em que divergências do gênero eram tratadas com mais respeito pelas ideias do outro, como transparece o artigo aqui transcrito sob a assinatura de Hélio Fernandes:


Em primeira mão

Hélio Fernandes

Luciano Carneiro perseguia o êxito, mas não se importava com o sucesso. O que lhe interessava, o que o empolgava, e se transformava na sua preocupação máxima, era a missão cumprida. E nisso ele nunca falhou. Aparecendo profissionalmente num meio deformado pela ambição e glória do sucesso a qualquer preço, num meio que exigia como norma de conduta que os repórteres atropelassem os paginadores para conseguirem destaque para seus próprios nomes e fotografias em prejuízo do assunto, Luciano, sem alarde, sem gritaria e sem protestos exagerados, mas com firmeza e determinação, impôs um figurino novo: o do repórter sério, discreto, mas preocupado com a sua repercussão. E o fato de em tão pouco tempo de vida e de atividade, ter conquistado nome e reputação internacionais, prova que ele estava certo: o público pode aceitar o sensacionalismo, pode mesmo conhecer na intimidade os campeões desse sensacionalismo, mas só consagra e venera os outros, os verdadeiros jornalistas.

Machão sem arrogância, tímido sem ingenuidade, humilde sem subserviência, Luciano nasceu e viveu para o jornalismo. Um famoso professor da Universidade de Yale, respondendo certa vez a um jovem que lhe perguntara qual a melhor maneira de ser jornalista, aconselhou: “Seja jornalista 24 horas por dia, ou jamais será jornalista.” Provavelmente sem conhecer esse conselho, Luciano seguiu-o à risca, sem plano e sem esquemas preestabelecidos, atendendo apenas à imposição de uma vocação irresistível. Profissionalmente, ele pensava apenas no jornalismo, e desconfio que jamais tenha passado pela cabeça que pudesse ser outra coisa além de jornalista. E exercendo a profissão mais poderosa do século, a mais cortejada, a mais tentada e a mais seduzida, manteve-se fiel a ela imune e indiferente a todas as seduções, a todas as tentações, a todas as propostas, mesmo as legítimas, mas diversionistas.

Sem fazer um jornalismo de liderança, Luciano fazia, no entanto, um jornalismo de vanguarda. E sobre os rumos, as contradições, as conveniências, os caminhos e os descaminhos do jornalismo, mantivemos um diálogo e um debate tantas vezes interrompido, sem divergências fundamentais, sem choques, mas indisfarçadamente diferente nos objetivos e na orientação. Eu acreditei sempre (e continuo acreditando) que em determinado momento o jornalismo se liga indissoluvelmente à política, completa-a, completando-se também. Luciano pensava de forma inteiramente diversa. Para ele, a política não estava acima do jornalismo, mas estava além dele. Não compreendia o jornalismo, a não ser como um todo, o completo em si mesmo, independente e liberto de qualquer limitação ou contato. Acreditava a sério (só fazia as coisas a sério) no princípio antiliberal, que jornalismo é apenas informação. Sobre este ponto nosso debate foi longe, durou anos, e nunca pude impor-lhe a minha convicção: jornalismo é informação, mas é também e principalmente opinião. Mas embora sem conseguir persuadi-lo, sempre estive convencido que ele algum dia evoluiria para a posição correta, conquistada com a maturidade, a perspectiva exata, a noção perfeita de como a opinião (franca e leal e não diluída tendenciosamente) no jornalismo é importante e mesmo fundamental. Tão fundamental, quanto a informação. Tão indispensável quanto ela.

Luciano, sendo um repórter nato, foi também no Brasil o que mais se preparou para o exercício perfeito da profissão. Era múltiplo e vários, pois considerava que um bom repórter não era apenas o que sabia escrever e fotografar. Pode-se dizer que Luciano traçou deste cedo, o seu destino de repórter, e cumpriu-o religiosamente. E ainda no avião sinistrado, seu corpo foi encontrado, na cabine do comandante, como a demonstrar que mesmo no avião, numa viagem onde quase nada acontece (ou acontece o irremediável). Luciano estava atento, preocupado em fazer alguma coisa, em trazer material para a sua revista e para o seu público. E o mais fabuloso e o mais sincero elogio, e o mais extraordinário cumprimento que um repórter poderia receber, ele o recebeu sem saber, já depois de morto: pois quando se soube que sua máquina fotográfica ficara milagrosamente intata, todos os jornalistas que o conheciam pensaram instantaneamente: Luciano deve ter feito alguma fotografia do avião caindo. Mas infelizmente pela primeira vez em sua carreira ele não obtivera êxito e perdera a reportagem e a vida.

Quem conhecesse Luciano, apenas superficialmente, não teria a impressão exata da sua força de repórter, pois era tranquilo demais, repousado sem a agitação e a inquietação natural do repórter jovem. Luciano gostava de viver, tinha mesmo uma certa pressa de gastar a vida e isso demonstrou fazendo tanto em tão pouco tempo, vivendo em 33 anos mais do que muita gente em 50 ou 60. Talvez fosse uma secreta intuição de que lhe faltava tempo, o que impelia a viver assim. Procurava muito os amigos, nunca estava triste, dava-se inteiro, sem exigir nada em troca. Tinha sede de amizade, de contatos pessoais, e uma esplendida capacidade de sentir, de pensar e de exprimir. Sua sensibilidade em alguns pontos, era mais de poeta do que de repórter. Teófilo de Andrade, falando no “hall” do edifício de “O Cruzeiro” (que seus colegas pediram ao embaixador Assis Chateaubriand, que passasse a denominar-se “Edifício Luciano Carneiro”) teve uma expressão feliz, quando disse que a cada vez que voava, Luciano volta com as mãos cheias de estrelas. E como voou muito, como durante muito tempo não fez praticamente outra coisa, suas mãos já transbordavam, as estrelas se faziam mais visíveis, se acumulavam, eram incontáveis.

Se alguém tivesse perguntado a Luciano Carneiro, qual a homenagem que mais desejaria receber depois de morto, na certa que ele teria escolhido a mais tocante, a mais emocionante, a que nenhum repórter até hoje recebeu: seus companheiros de profissão, colegas da mesma revista e concorrentes de outras organizações, mas todos repórteres, debruçados chorando sobre seu corpo, e despejando sobre ele pilhas de filmes virgens, deliberadamente velados. E os filmes assim espalhados sobre o seu corpo, cobrindo todos o seu caixão, eram mais bonitos e mais expressivos que flores, eram uma forma nova de condecoração, que todos os repórteres, concediam coletivamente, ao que entre eles fizera jus ao título de número 1.

Da sua esplendida geração Luciano foi o que sempre esteve mais ligado a mim, embora por uma curiosa coincidência, fosse o único que jamais trabalhara comigo.

Entrando para “O Cruzeiro” pouco tempo depois de eu ter saído (eu deixei a revista em agosto de 1948, e ele chegara em outubro do mesmo ano) não nos encontramos depois nesses 11 anos nem uma só vez, sob o mesmo teto jornalístico. Mas nos acompanhávamos mutuamente, nos analisávamos com a frieza e com a isenção que só se obtém com a verdadeira amizade, com a compreensão sem rivalidade, com a certeza de que tudo que dizíamos um ao outro, era no próprio benefício comum, e representa uma opinião sincera emitida sem constrangimento. Luciano mais do que ninguém de sua geração tinha esse dom especial de estimular, de incentivar, de convencer. Cinco anos mais moço do que eu, realizou muito mais, embora procurasse sem falsa modéstia, mas com toda a sinceridade, evitar uma comparação em que levaria evidente vantagem.

A morte de Luciano, foi a maior perda do moderno jornalismo brasileiro. E para mim pessoalmente, foi o mais intenso choque emocional que sofri em toda a vida. A mesma coisa me dizia 24 horas depois do seu enterro o pintor Enrico Bianco, também grande fraternal amigo de Luciano. Não posso me acostumar a esta perda, não consigo encontrar a palavra exata para definir meus pensamentos, palavra que ao mesmo tempo ser simples bastante par ser autêntica, e bastante grande para atingir a profundidade dessa tragédia. Sei que nenhuma palavra conseguirá destruir a surdez definitiva do destino. Gostaria, sem sentimentalismo equivocado, de dar pelo menos uma ideia aproximada do que representa a morte de uma pessoa como Luciano Carneiro. Não consigo. Mas também não tem importância. Luciano sempre soube que a morte é o fim de um sonho, a vida é uma irrealidade que só por alguns instantes sobrepõe a realidade cruel e derradeira que é a morte. Luciano não gostaria de ter morrido prosaicamente, disso tenho certeza absoluta. Como tenho certeza de que ele continuará a existir, amanhã, ainda amanhã, e sempre. Os homens que morrem cedo, não chegam a conhecer a tortura de não ter sido. Em compensação, deixam indelével, a saudade do que poderiam ser.

Equipe IMS
Fonte: BLOG DO IMS

Greves e resistência na atualidade da crise da representação Por Alexandre do Nascimento (UNINÔMADE)

PICICA: "O Rio de Janeiro parece ser o laboratório do que os donos do poder pretendem para o Brasil. O pacote de maldades do governo Pezão, por exemplo, é exatamente o que o governo Dilma apresentou ao Congresso Nacional para o ajuste fiscal e o alívio das dividas dos Estados com a União. E foi também no Rio de Janeiro que foi gestada a lei antiterrorismo proposta pelo governo e experimentadas violações de sigilo que a própria presidenta da república e seu partido agora experimentam. Pezão se antecipou? Dilma copiou? Não importa o que vem primeiro. Talvez o Rio de Janeiro seja o laboratório do golpe contra a democracia a que estamos assistindo.

Nosso movimento insere-se num movimento social mais amplo, numa resistência popular necessária, iniciada pelos movimentos de maio e junho de 2013, pela lutas dos professores do município também em 2013, pelas lutas dos garis, pelos rolezinhos e outras lutas, brutalmente reprimidas em 2014 e 2015. O que está em risco é a vida,  os direitos e a dignidade de quem vive do trabalho e realmente produz." 

Greves e resistência na atualidade da crise da representação

Por Alexandre do Nascimento, UniNômade, é professor do estado do RJ




strike
foto: Nelson Lima


Sou professor, servidor público do Estado do Rio de Janeiro. No momento, um embate com o governo Pezão acontece em razão dos atrasos nos pagamentos de salários desde dezembro, ao parcelamento do 13º e ao pacote de medidas que o governador pretende aprovar na Assembleia Legislativa. Nele, se pretende uma Lei de Responsabilidade Fiscal que prevê, entre outras coisas, um aumento da alíquota de previdência de 11% para 14%, o congelamento de salários e outras “maldades” ao trabalhador.

Os servidores do Estado do Rio de Janeiro começaram um movimento de resistência, o MUSPE (Movimento Unificado dos Servidores Públicos Estaduais), que vem realizando manifestações e propõe greve geral a partir de 6 de abril, caso o governo não recue em seu “pacote de maldades”. Professores e demais trabalhadores de educação da SEEDUC, FAETEC, UERJ, UENF, já estão em greve desde 2 de março.

Diante das covardias e ataques aos direitos que o governo Pezão vem promovendo, o movimento está forte e cada vez mais mobiliza servidores e conquista apoios, como o importante apoio dos estudantes da educação básica, da educação profissional e da educação superior. É um movimento diferente de greves anteriores. Deve ser visto como algo mais do que uma campanha salarial, algo além da justa preocupação com salários e condições de trabalho.

Os servidores do Estado do Rio de Janeiro começaram a experimentar um pouco, só um pouco, do que os criminosos que governam, legislam, arbitram, reprimem e ganham com o extermínio de vidas e com a exploração do trabalho, fizeram e fazem passar pessoas que vivem na Vila Autódromo, Maré, Alemão, Baixada Fluminense e noutras regiões onde atuaram/atuam as forças armadas e as milícias do capital chamadas de UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora). Estamos experimentando os efeitos de uma reestruturação das cidades e dos direitos bastante desfavorável à circulação, ao direito de ir e vir, à valorização da diversidade sociocultural, ao aprendizado para o bem viver, à produção de conhecimento e arte, ao acesso comum ao que é produção comum. Não duvido que a copa e as olimpíadas no Rio de Janeiro tenham sido compradas para viabilizar as operações em favor da especulação imobiliária, das empreiteiras, dos bancos, das empresas de mídia, telecomunicações, energia e transporte, do capital internacional, que passamos a assistir de 2007 até o momento. Estamos experimentando uma política que transforma tudo o que vê pela frente em mercado e que não tolera qualquer resistência ou pensamento divergente.

O Rio de Janeiro parece ser o laboratório do que os donos do poder pretendem para o Brasil. O pacote de maldades do governo Pezão, por exemplo, é exatamente o que o governo Dilma apresentou ao Congresso Nacional para o ajuste fiscal e o alívio das dividas dos Estados com a União. E foi também no Rio de Janeiro que foi gestada a lei antiterrorismo proposta pelo governo e experimentadas violações de sigilo que a própria presidenta da república e seu partido agora experimentam. Pezão se antecipou? Dilma copiou? Não importa o que vem primeiro. Talvez o Rio de Janeiro seja o laboratório do golpe contra a democracia a que estamos assistindo.

Nosso movimento insere-se num movimento social mais amplo, numa resistência popular necessária, iniciada pelos movimentos de maio e junho de 2013, pela lutas dos professores do município também em 2013, pelas lutas dos garis, pelos rolezinhos e outras lutas, brutalmente reprimidas em 2014 e 2015. O que está em risco é a vida,  os direitos e a dignidade de quem vive do trabalho e realmente produz.

Há quem diga que Pezão é incompetente e faz uma péssima gestão. Eu discordo. O vemos e vivemos não é fruto da incompetência de um péssimo gestor, não é problema de gestão. É uma política de gestão, que articula ataques aos direitos, reorganização do Estado e do funcionalismo público e, se necessário, repressão e extermínio, para atender aos interesses do capital parasitário (emblemáticos disso foram o “desaparecimento” de Amarildo, a condenação de Rafael Braga e a execução, pelo Estado, de 5 jovens negros “suspeitos”, com 111 tiros, para resgatar um caminhão da Ambev).

Um detalhe no pacote de maldades do governo Pezão chama a atenção: a proposta de colocar aposentados e pensionistas como “gastos com pessoal”, o que fará o Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro ultrapassar o limite de gastos com pessoal estabelecido pela lei de responsabilidade fiscal (49%) e abre a possibilidade de demissões, mesmo de concursados. E não se trata apenas de redução de despesas em função de uma conjuntura econômica, mas de um ajuste estrutural e também de uma política de enfraquecimento das lutas do trabalho, que ainda têm relativa força no funcionalismo público. Cabral, Pezão, Paes, Pirilo, Richa, Alckmin, Serra, Aécio, Lula, Dilma, a máfia dos Picciani, os achacadores Eduardo Cunha e Renan Calheiros e outros(as) corruptores(as) da nossa fraca democracia em construção (agora sendo interrompida), pagos(as) por grandes empresas, têm sido ótimos(as) gestores(as) para os interesses do capital parasitário.

Por isso, me coloco entre aquelas pessoas que pensam que defender a democracia não é defender Lula, Dilma e o PT, que juntos com a maioria dos políticos e dos partidos, infelizmente, passaram a fazer parte de uma histórica dinâmica política no Brasil que é a verdadeira corrupção da democracia. Além disso, apoiaram e participaram dos fascismos de Cabral, Pezão e Paes contra pobres e negros, inclusive com apoio a candidatura do espancador de mulheres Pedro Paulo para a prefeitura do Rio de Janeiro.  Muito menos é a defesa de políticos, partidos, mídias corporativas, empresas, judiciário e ministério público igualmente corruptores da democracia, que trabalham para devolver o poder aos que o exerciam antes do PT, mesmo não sendo o PT uma ameaça aos interesses das oligarquias.

A polarização entre PT-PMDB-aliados e PMDB-PSDB-DEM-aliados é só disputa por poder e, provavelmente, pela condução do mesmo projeto, que tem o patrimonialismo, o clientelismo, o autoritarismo e o racismo como pilares do Estado de Negócios que é o Brasil, há mais de 500 anos. Sem que fosse acompanhado de reformas das estruturais necessárias, o processo de distribuição de renda promovido pelo PT se mostra superficial, está esgotado e, pior que isso, entrou num curso de retrocesso e diminuição do poder de aquisição de bens e serviços, alguns essenciais para a saúde produtiva da economia.

Embora, ao meu ver, a condução coercitiva de Lula para um depoimento foi, de fato, uma ação não apenas questionável legalmente, mas uma ação política do ex-juiz e justiceiro Sérgio Moro e seus comparsas do Ministério Público, que se mostram alinhados aos que querem o politicídio de Lula. Como foi ação ilegal e política a divulgação, pelo mesmo justiceiro e pela mídia corporativa, do conteúdo de gravações de conversa entre Dilma e Lula, bem como outras conversas de pessoas que sequer são investigadas. Na suja disputa pelo poder que assistimos e que nos surpreende a cada dia, do meu ponto de vista, é evidente que há perseguição à Lula e ao PT, como é evidente o monumental esquema de corrupção petista e bem provável a participação de Lula em tal esquema. Legais ou ilegais, as relações e atividades de Lula são, notoriamente, negócios que corroboram para o golpe na democracia a que assistimos.

Assim, a defesa da democracia não é a defesa de um dos lados dessa falsa polarização, mas deve ser o êxodo dela, para a construção de alternativa e instituições verdadeiramente democráticas. A defesa da democracia é, no mínimo, a exigência de recomposição das nossas instituições com pessoas que assumam o compromisso com democratização das mesmas.

Os atuais “poderes” do Estado e seu operadores, na prática, não se mostram dignos de credibilidade. Um Estado Democrático de Direito deve ter instituições que garantam a dignidade, não instituições que a violem, como frequentemente fazem nossas instituições policiais, jurídicas, legislativas, governamentais e partidárias, que não são, ao meu ver, instituições a serem preservadas, mas a serem rediscutidas, transformadas e algumas até destruídas, se quisermos de fato defender a democracia. A democracia representativa no Brasil, que é a verdadeira corrupção da democracia, chegou num ponto crítico da sua própria crise.

Assim, penso as lutas dos servidores públicos contra os ataques aos direitos, devem estar juntas as reais lutas constituintes de democracia, que são aquelas, que fora da falsa polarização corrupta, querem respeito aos direitos humanos, moradia, transporte, educação, saneamento e saúde de qualidade, remuneração digna, igualdade racial e de gênero, e um sistema político decente. Nós somos a nossa única esperança.

Fonte: UNINÔMADE

O sultão e seu golpe meio bilhão de reais. Por Mauro Lopes (OUTRAS PALAVRAS)

PICICA: "Como Eduardo Cunha, condutor do impeachment, agenciou “bancada da mala”, com 200 deputados. Detalhes pitorescos: os gastos milionários em hotéis, restaurantes, lojas de grife" 

Como a base aliada de Dilma começou a ruir. Por Tai Nalon (MEDIUM)

PICICA: "Estudo mostra que 'faxina ministerial' de 2011 e escolha de 'técnicos' para substituir suspeitos de corrupção minaram definitivamente apoio na Câmara" 


Foto: José Cruz/ABr

Como a base aliada de Dilma começou a ruir

Estudo mostra que 'faxina ministerial' de 2011 e escolha de 'técnicos' para substituir suspeitos de corrupção minaram definitivamente apoio na Câmara

Por Tai Nalon





O declínio da política de coalizão do governo Dilma Rousseff chega a seu clímax nesta semana, com a saída do PMDB da base aliada, mas o início da desintegração do apoio ao Palácio do Planalto na Câmara remonta a 2011, primeiro ano de mandato da petista.

Um estudo de 2013 do departamento de Ciência Política da Universidade de Salamanca mostra que a chamada "faxina ministerial" de Dilma foi decisiva para as sucessivas derrotas governistas na Câmara nos anos seguintes — em especial a primeira e mais estridente delas: a aprovação do Código Florestal. Desde então, a base nunca mais voltou à unidade vista no início de 2011.

Segundo a jornalista Ana Freitas, mestre em Estudos da América Latina em Salamanca e colaboradora de Aos Fatos, a redução da coalizão governista tem início já em 2011, com o desgaste da estratégia do Planalto de distribuição de cargos em ministérios. Embora Dilma tivesse maior coalização que Luiz Inácio Lula da Silva, sua degradação foi acelerada.

"Sucessivas acusações de corrupção em seus primeiros meses de governo fizeram a presidente demitir e trocar integrantes de ministérios e secretarias, além de adotar um estilo de governar mais técnico e menos político em comparação ao seu antecessor", diz o estudo.

Freitas demonstra que, em fevereiro de 2011, início daquela legislatura, Dilma contava com o apoio de 388 deputados — ou 75,6% dos 513 integrantes da Câmara. "Em comparação com o primeiro mandato de Lula, Dilma assumiu o poder com 52,7% mais deputados do que seu antecessor. Com relação ao segundo mandato de Lula, o aumento foi de 9,9% no número de deputados."

Um ano depois, o PR, uma das siglas atingidas pelos casos de corrupção, deixara o governo. Também naquele ano foi criado o PSD, que se declarava independente e que arrebanhou políticos de partidos aliados ao Planalto. Na chamada "faxina ministerial", sete ministros deixaram seus cargos após denúncias. No total, 62 deputados (16%) deixaram a coalizão do governo, que passou a 326 representantes.

Deputados na coalizão do governo Dilma Rousseff



 
Fonte: Câmara dos Deputados


O estudo mostra que, nas 81 votações nominais que ocorreram na Câmara em 2011, 97% dos deputados da base aliada obedeceram as orientações do Planalto em 76% dos casos.

Em 2012, o governo já encontrava dificuldades em prever votações, o que, juntamente com as eleições municipais, fez com que a quantidade de matérias analisadas em plenário fosse reduzida drasticamente. A Câmara votou apenas 49 projetos no período. Os deputados da base continuaram seguindo a orientação do Planalto em 74% dos casos, porém, o mapa de adesões ficou mais fragmentado.

A virada do governo na Câmara deu-se com a votação do Código Florestal, em 2012. O estudo narra que, em 2011, o governo fez um acordo com congressistas para que aprovassem o texto sem um artigo que reduzia as zonas de proteção florestal em montanhas. Na Câmara, 410 deputados votaram a favor, 64, contra.

No dia seguinte, deputados votaram uma emenda ao projeto que tratava exatamente dessas zonas de proteção. Então, 274 deputados votaram contra o governo, incluindo integrantes da base.

O projeto foi remetido ao Senado, onde sofreu mudanças. De volta à Câmara, para nova votação, o texto passou por novas alterações e foi aprovado em 25 de abril de 2012, numa versão que concedia mais anistias a desmatadores do que o governo inicialmente tinha combinado.

"Na votação, 274 deputados votaram contra o governo, ou seja, a favor da nova proposta do código. 184 deputados seguiram a orientação do Planalto. Dos 317 deputados da coalizão governista que estavam presentes no plenário, somente 131 votaram segundo o governo. Os demais 53 que votaram contra eram de partidos independentes ou de oposição", diz a pesquisa.

Freitas lembra que somente três partidos obedeceram integralmente a orientação presidencial: PRB, PTC e PSL. "Já o partido mais infiel foi justamente o mais importante da coalizão depois do PT: o PMDB. Apenas 3 de seus 78 deputados presentes seguiram a orientação presidencial."

Conforme Freitas, a acelerada decomposição do governo na Câmara também se deve, além da "faxina" e seus desdobramentos, à insegurança de aliados em relação ao perfil gerencial de Dilma e à retenção de emendas parlamentares. "Além da queda no número de integrantes de 388 para 326, a fidelidade dos partidos se esgarçou", diz.

Leia a íntegra do estudo aqui.

Fonte: MEDIUM

O Brasil no epicentro da Guerra Híbrida. Por Pepe Escobar (OUTRAS PALAVRAS)

PICICA: "Que são, nos manuais norte-americanos, as ações não-convencionais contra “forças hostis” a Washington. A centralidade do Pré-Sal no impeachment. Como os super-ricos cooptam a velha classe média" 

O Brasil no epicentro da Guerra Híbrida


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Que são, nos manuais norte-americanos, as ações não-convencionais contra “forças hostis” a Washington. A centralidade do Pré-Sal no impeachment. Como os super-ricos cooptam a velha classe média

Por Pepe Escobar | Tradução: Vinícius Gomes Melo e Inês Castilho


A matriz ideológica e o modus operandi das revoluções coloridas já são, a essa altura, de domínio público. Nem tanto o conceito de Guerra Não-Convencional (UW, na sigla em inglês).

Esse conceito surgiu em 2010, derivado do Manual para Guerras Não-Convencionais das Forças Especiais. Eis a citação-chave: “O objetivo dos esforços dos EUA nesse tipo de guerra é explorar as vulnerabilidades políticas, militares, econômicas e psicológicas de potências hostis, desenvolvendo e apoiando forças de resistência para atingir os objetivos estratégicos dos Estados Unidos […] Num futuro próximo, as forças dos EUA se engajarão predominantemente em operações de guerras irregulares (IW, na sigla em inglês)”.

“Potências hostis” são entendidas aqui não apenas no sentido militar; qualquer país que ouse desafiar qualquer fundamento da “ordem” mundial centrada em Washington pode ser rotulado como “hostil” – do Sudão à Argentina.

As ligações perigosas entre as revoluções coloridas e a UW já se transformaram hoje, completamente, em Guerra Híbrida; uma variável deturpada de Flores do Mal. Rrevolução colorida nada mais é que o primeiro estágio daquilo que se tornará a Guerra Híbrida. E Guerra Híbrida pode ser interpretada essencialmente como a Teoria do Caos armada – um conceito absoluto queridinho dos militares norte-americanos (“a política é a continuidade da guerra por meios linguísticos”). Meu livro Império do Caos, de 2014, trata essencialmente de rastrear uma miríade de suas ramificações.

Essa bem fundamentada tese tripartite esclarece o objetivo central por trás de uma Guerra Híbrida em larga escala: “destruir projetos conectados transnacionais multipolares por meio de conflitos provocados externamente (étnicos, religiosos, políticos etc.) dentro de um país alvo”.

Os países do BRICS (Brasil Rússia, Índia, China e África do Sul) – uma sigla/conceito amaldiçoada no eixo Casa Branca-Wall Street – só tinham de ser os primeiros alvos da Guerra Híbrida. Por uma miríade de razões, entre ela: o plano de realizar comércio e negócios em suas próprias moedas, evitando o dólar norte-americano; a criação do banco de desenvolvimento dos BRICS; a declarada intenção de aumentar a integração na Eurásia, simbolizada pela hoje convergente “Rota da Seda”, liderada pela China – Um Cinturão, Uma Estrada (OBOR, na sigla em inglês), na terminologia oficial – e pela União Econômica da Eurásia, liderada pela Rússia (EEU, na sigla em inglês).

Isso implica em que, mais cedo do que tarde, a Guerra Híbrida atingirá a Ásia Central; o Quirguistão, primeiro laboratório para as experiências tipo revolução colorida dos Excepcionalistas, é o candidato ideal.

Tal como é definida, a Guerra Híbrida está muito ativa nas fronteiras ocidentais da Rússia (Ucrânia), mas ainda embrionária em Xinjiang, oeste longínquo da China, que Pequim microgerencia como um gavião. A Guerra Híbrida já está sendo aplicada para evitar o estratagema da construção de um oleoduto crucial, a construção da Fluxo da Turquia. E será também totalmente aplicada para interromper a Rota da Seda nos Bálcãs – vital para a integração comercial da China com a Europa Oriental.

Uma vez que os BRICS são a única e verdadeira força em contraposição ao Excepcionalista, foi necessário desenvolver uma estratégia para cada um de seus principais personagens. O jogo foi pesado contra a Rússia – de sanções à completa demonização, passando por um ataque frontal a sua moeda numa guerra de preços do petróleo e incluindo até mesmo uma (patética) tentativa de iniciar uma revolução colorida nas ruas de Moscou. Para um membro mais fraco dos BRICS, foi preciso utilizar uma estratégia mais sutil, o que nos traz para a complexidade da Guerra Híbrida aplicada para a atual, maciça desestabilização política e econômica do Brasil.

No manual da Guerra Híbrida, a percepção da influência de uma vasta “classe média descomprometida” é essencial para chegar ao sucesso, de forma que esses descomprometidos tornem-se, mais cedo ou mais tarde, contrários a seus líderes políticos. O processo inclui tudo, de “apoio à insurgência” (como na Síria) a “ampliação do descontentamento por meio de propaganda e esforços políticos e psicológicos para desacreditar o governo” (como no Brasil). E conforme cresce a insurreição, cresce também a “intensificação da propaganda; e a preparação psicológica da população para a rebelião.” Esse, em resumo, tem sido o caso brasileiro.

Precisamos do nosso próprio Saddam

Um dos maiores objetivos estratégicos dos Excepcionalistas é em geral ter uma mistura de revolução colorida e Guerra Híbrida. Mas a sociedade civil e vibrante democracia do Brasil era muito sofisticada para métodos pesados tais como sanções ou a “responsabilidade de proteger” (R2P, na sigla em inglês).

Não é à toa que São Paulo tenha se tornado o epicentro da Guerra Híbrida contra o Brasil. Capital do estado mais rico do Brasil e também capital econômico-financeira da América Latina, São Paulo é o nódulo central de uma estrutura de poder interconectada nacional e internacionalmente.

O sistema financeiro global centrado em Wall Street – que domina virtualmente o Ocidente inteiro – não podia simplesmente aceitar a soberania nacional, em sua completa expressão, num ator regional da importância do Brasil.

A “Primavera Brasileira” foi virtualmente invisível, no início, um fenômeno exclusivo das mídias sociais – tal qual a Síria, no começo de 2011.

Foi quando, em junho de 2013, Edward Snowden revelou as famosas práticas de espionagem da NSA. No Brasil, a questão era espionar a Petrobras. E então, num passe de mágica, um juiz regional de primeira instância, Sérgio Moro, com base numa única fonte – um doleiro, operador de câmbio no mercado negro – teve acesso a um grande volume de documentos sobre a Petrobras. Até o momento, a investigação de dois anos da Lava Jato não revelou como eles conseguiram saber tanto sobre o que chamaram de “célula criminosa” que agia dentro da Petrobras.

O importante é que o modus operandi da revolução colorida – a luta contra a corrupção e “em defesa da democracia” – já estava sendo colocada em prática. Aquele era o primeiro passo da Guerra Híbrida.

Como cunhado pelos Excepcionalistas, há “bons” e “maus” terroristas causando estragos em toda a “Siraq”; no Brasil há uma explosão das figuras do corrupto “bom” e do corrupto “ruim”.

O Wikileaks revelou também como os Excepcionalistas duvidaram da capacidade do Brasil de projetar um submarino nuclear – uma questão de segurança nacional. Como a construtora Odebrecht tornava-se global. Como a Petrobras desenvolveu, por conta própria, a tecnologia para explorar depósitos do pré sal – a maior descoberta de petróleo deste jovem século 21, da qual as Grandes Petrolíferas dos EUA foram excluidas por ninguém menos que Lula.

Então, como resultado das revelações de Snowden, a administração Roussef exigiu que todas as agências do governo usassem empresas estatais em seus serviços de tecnologia. Isso poderia significar que as companhias norte-americanas perderiam até US$ 35 bilhões de receita em dois anos, ao ser excluídos de negociar na 7ª maior economia do mundo – como descobriu o grupo de pesquisa Fundação para a Informação, Tecnologia & Inovação (Information Technology & Innovation Foundation).

O futuro acontece agora

A marcha em direção à Guerra Híbrida no Brasil teve pouco a ver com as tendências políticas de direita ou esquerda. Foi basicamente sobre a mobilização de algumas famílias ultra ricas que governam de fato o país; da compra de grandes parcelas do Congresso; do controle dos meios de comunicação; do comportamento de donos de escravos do século 19 (a escravidão ainda permeia todas as relações sociais no Brasil); e de legitimar tudo isso por meio de uma robusta, embora espúria tradição intelectual.

Eles dariam o sinal para a mobilização da classe média. O sociólogo Jesse de Souza identificou uma freudiana “gratificação substitutiva”, fenômeno pelo qual a classe média brasileira – grande parte da qual clama agora pela mudança do regime – imita os poucos ultra ricos, embora seja impiedosamente explorada por eles, através de um monte de impostos e altíssimas taxas de juros.

Os 0,0001% ultra ricos e as classes médias precisavam de um Outro para demonizar – no estilo Excepcionalista. E nada poderia ser mais perfeito para o velho complexo da elite judicial-policial-midiática do que a figura de um Saddam Hussein tropical: o ex-presidente Lula.

“Movimentos” de ultra direita financiados pelos nefastos Irmãos Kock pipocaram repentinamente nas redes sociais e nos protestos de rua. O procurador geral de justiça do Brasil visitou o Império do Caos chefiando uma equipe da Lava Jato para distribuir informações sobre a Petrobras que poderiam sustentar acusações do Ministério da Justiça. A Lava Jato e o – imensamente corrupto – Congresso brasileiro, que irá agora deliberar sobre o possível impeachment da presidente Roussef, revelaram-se uma coisa só.

Àquela altura, os roteiristas estavar seguros de que a infra-estrutura social para a mudança de regime já havia produzido uma massa crítica anti-governo, permitindo assim o pleno florescimento da revolução colorida. O caminho para um golpe soft estava pavimentado – sem ter sequer de recorrer ao mortal terrorismo urbano (como na Ucrânia). O problema era que, se o golpe soft falhasse – como parece ser pelo menos possível, agora – seria muito difícil desencadear um golpe duro, estilo Pinochet, através da UW, contra a administração sitiada de Roussef; ou seja, executando finalmente a Guerra Híbrida Total.

No nível socioeconômico, a Lava Jato seria um “sucesso” total somente se fosse espelhada por um abrandamento das leis brasileiras que regulam a exploração do petróleo, abrindo-a para as Grandes Petrolíferas dos EUA. Paralelamente, todos os investimentos em programas sociais teriam de ser esmagados.

Ao contrário, o que está acontecendo agora é a mobilização progressiva da sociedade civil brasileira contra o cenário de golpe branco/golpe soft/mudança de regime. Atores cruciais da sociedade brasileira estão se posicionando firmemente contra o impeachment da presidente Rousseff, da igreja católica aos evangélicos; professores universitários do primeiro escalão; ao menos 15 governadores estaduais; massas de trabalhadores sindicalizados e trabalhadores da “economia informal”; artistas; intelectuais de destaque; juristas; a grande maioria dos advogados; e por último, mas não menos importante, o “Brasil profundo” que elegeu Rousseff legalmente, com 54,5 milhões de votos.

A disputa não chegará ao fim até que se ouça o canto de algum homem gordo do Supremo Tribunal Federal. Certo é que os acadêmicos brasileiros independentes já estão lançando as bases para pesquisar a Lava Jato não como uma operação anti-corrupção simples e maciça; mas como estudo de caso final da estratégia geopolítica dos Exceptionalistas, aplicada a um ambiente globalizado sofisticado, dominado por tecnologia da informação e redes sociais. Todo o mundo em desenvolvimento deveria ficar inteiramente alerta – e aprender as relevantes lições, já que o Brasil está fadado a ser visto como último caso da Soft Guerra Híbrida.





Pepe Escobar


Jornalista brasileiro, correspondente internacional desde 1985, morou em Paris, Los Angeles, Milão, Singapura, Bangkok e Hong Kong. Escreve sobre Asia central e Oriente Médio para as revistas Asia Times Online, Al Jazeera, The Nation e The Huffington Post.

março 30, 2016

O carnaval das traições. Por Flavio Aguiar (BLOG DA BOITEMPO)

PICICA: "“Por que você me picou”, perguntou o sapo ao escorpião que ele conduzia atravessando a lagoa a nado, “agora nós dois vamos morrer”.
“Sei lá”, respondeu o escorpião, “é da minha natureza”.
Conto brasileiro"
 

O carnaval das traições

Flavio Aguiar, interinamente da Península de Yucatán, México.


festival pmdb 

[Romero Jucá anuncia a ruptura do PMDB com o governo em 29.03.2016]



“Por que você me picou”, perguntou o sapo ao escorpião que ele conduzia atravessando a lagoa a nado, “agora nós dois vamos morrer”.
“Sei lá”, respondeu o escorpião, “é da minha natureza”.
Conto brasileiro.


O processo de impeachment à presidenta Dilma Rousseff é um verdadeiro carnaval das traições.


Parece traduzir aquele ditado que diz que “o mais inocente matou a mãe para ir no baile dos órfãos”.


É difícil puxar o fio da meada, tantos são eles.


Comecemos então pelo mais óbvio.


O vice-presidente Michel Temer é o novo candidato a Café Filho na história brasileira. Café era vice de Getulio, tido como mais à esquerda do este, o que não é o caso daquele lá em relação a Dilma Rousseff. Mas como Getulio se recusou a renunciar, Café Filho traiu seu compromisso e declarou que seu dever (ou propósito) era ocupar a presidência, custe o que custasse. Ele só não imaginava que isto custaria a vida de Getulio, que resistiu à bala, uma única, mas suficiente para retardar o golpe por dez anos.


O ex-presidente Lula disse que Sergio Moro foi picado pela mosca azul. Temer deve ter sido picado por um vampiro, daqueles que morrem num filme para renascer no outro. Como a lagarta botânica, ele imagina que vai entrar no casulo do impeachment e sair dele como a crisálida do salvador da pátria. Vai cair no mata-burro das traições que está consagrando e inaugurando. Vai entrar na e sair da história como o sapo que queria ir à festa no céu mas desabou das alturas.


Se o PMDB dsembarcasse do governo às vésperas da eleição regular de 2018, dava para entender. Desembarcar agora, sem motivo que não seja a avidez de ocupar mais espaço no poder, é uma traição de grande monta, não só à presidenta e seu partido, mas também a seu eleitorado.Ou alguém acha que a maior parte do eleitorado peemedebista é do golpe? Só se quiserem se tornar eleitores do Bolsonaro.


O PSDB também está traindo seu eleitorado. Não acredito que a maioria dos eleitores do PSDB queira o golpe fajuto deste impeachment. O partido vai ficar maculado para sempre. Será levado por um playboy irresponsável (Aécio), um governador merendeiro (Alckmim) e um ex-presidente senil (FHC), todos traindo o programa do partido e suas próprias histórias (bem, no caso de Aécio, não dá pra garantir).


No Congresso vai haver um sem fim de traições. Como já alertou José Roberto de Toledo (no Estadão), que não pode ser acusado de petismo nem de bolivarianismo, quando uma das partes, na votação do impeachment, atingir sua quota (171 pró-governo, 342 pró-golpe), as traições a todos os propósitos vão se multiplicar apara aderir ao lado vencedor, sejam lá quais forem os compromissos antes assumidos. Afinal, este é um dos Congressos mais vergonhosos da nossa história, e dá arrepios à mídia interncional ver Dilma processada por este bando de acusados de tudo o que há de pior na política brasileira.


No Judiciário e na PF, nem se fala. Togas são traídas todo o tempo, pela avidez de aparecer nas manchetes e de ser “aquele que prendeu o Lula” ou “derrubou a Dilma”. Gilmar Mendes organiza um seminário sem pé nem cabeça em Lisboa, em datas coincidentes com aquelas em que os golpistas comemoram 64, mas é abandonado pelos políticos conservadores com quem queria consagrar o golpismo brasileiro. Deu chabu, como se diz em festa junina. O foguetório não explodiu, abatumou. Ao inv´s do aplauso nas galerias, colheu as vaias na rua.


Mas em todo este rosário de traições, há um caso de fidelidade que merece reconhecimento.


Tempos atrás, motivadas talvez por um excesso de confiança em que venceriam as abantesmas petistas através de meios “normais”, as chefes-de-fila da mídia corporativa e golpista deram-se ao luxo de ensaiar tímidas auto-críticas em relação a seu apoio pró-ativo ao golpe de 64. Uma de claro que foi um erro, outra quis transformar a ditadura em “ditabranda”, outro ainda ressalta os acertos de 64 contra os erros e excessos de 68… Globo, Folha de S. Paulo e Estadão (Veja e as revistas semanais são apenas a artilharia leve do fim de semana) foram tomados por um verdadeiro surto psicótico-legalista que os levou àquele descaminho. Agora, porém, retornaram à sua normalidade, o golpismo para que nasceram e cultivaram.


Ainda bem. Ainda se pode confiar em alguém neste mundo.


Como o escorpião do conto, continuam cumprindo seu destino, sacrificando, em nome de sua natureza oligárquica, a democracia de que dependem.


***


Flávio Aguiar nasceu em Porto Alegre (RS), em 1947, e reside atualmente na Alemanha, onde atua como correspondente para publicações brasileiras. Pesquisador e professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, tem mais de trinta livros de crítica literária, ficção e poesia publicados. Ganhou por três vezes o prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, sendo um deles com o romance Anita (1999), publicado pela Boitempo Editorial. Também pela Boitempo, publicou a coletânea de textos que tematizam a escola e o aprendizado, A escola e a letra (2009), finalista do Prêmio Jabuti, Crônicas do mundo ao revés (2011) e o recente lançamento A Bíblia segundo Beliel (2012). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.

Bucci: Mídia não é imparcial mas Lula também não é vítima, por Tatiana Farah (AGÊNCIA PÚBLICA)

PICICA: "Professor doutor da Escola de Comunicações e Artes da USP,  Eugênio Bucci causou polêmica ao defender o valor jornalístico das informações obtidas através dos vazamentos da lava-jato logo depois da publicação, pela revista IstoÉ, de trechos da delação do senador Delcídio Amaral, ainda não homologada pela Justiça. “É garantido aos jornalistas que divulguem sigilos desde que tenham acesso a eles”, diz o professor, explicando que foi em defesa dessa prerrogativa que escreveu o artigo. “Na história da democracia, não só do Brasil, a imprensa prestou seus grandes serviços quando teve fontes que vazaram informações e muitas dessas fontes vazaram com desejo de vingança. Agora, a responsabilidade do jornalismo é ouvir essas coisas, selecionar essas coisas, escolher, hierarquizar e publicar o que realmente e de interesse público”, pondera.

O jornalista que presidiu a Radiobrás no primeiro governo Lula declarou-se “perplexo” com a divulgação da gravação de telefonemas entre Lula e a presidente Dilma Rousseff mas afirmou que o ex-presidente não pode se colocar no papel de vítima da imprensa e da Justiça porque não é mais um operário, mas um homem poderoso. Para o colunista do jornal O Estado de S. Paulo e do site Observatório da Imprensa, a imprensa convencional tem afinidade ideológica com o PSDB, mas não há elementos para afirmar que a mídia está fazendo uma cobertura pró-impeachment."

Bucci: Mídia não é imparcial mas Lula também não é vítima



Em entrevista à Pública, jornalista e professor Eugênio Bucci diz que mídia convencional pende para o PSDB e que jornalismo brasileiro “deixa muito a desejar” mas não vê viés pró-impeachment na cobertura da mídia


Professor doutor da Escola de Comunicações e Artes da USP,  Eugênio Bucci causou polêmica ao defender o valor jornalístico das informações obtidas através dos vazamentos da lava-jato logo depois da publicação, pela revista IstoÉ, de trechos da delação do senador Delcídio Amaral, ainda não homologada pela Justiça. “É garantido aos jornalistas que divulguem sigilos desde que tenham acesso a eles”, diz o professor, explicando que foi em defesa dessa prerrogativa que escreveu o artigo. “Na história da democracia, não só do Brasil, a imprensa prestou seus grandes serviços quando teve fontes que vazaram informações e muitas dessas fontes vazaram com desejo de vingança. Agora, a responsabilidade do jornalismo é ouvir essas coisas, selecionar essas coisas, escolher, hierarquizar e publicar o que realmente e de interesse público”, pondera.

O jornalista que presidiu a Radiobrás no primeiro governo Lula declarou-se “perplexo” com a divulgação da gravação de telefonemas entre Lula e a presidente Dilma Rousseff mas afirmou que o ex-presidente não pode se colocar no papel de vítima da imprensa e da Justiça porque não é mais um operário, mas um homem poderoso. Para o colunista do jornal O Estado de S. Paulo e do site Observatório da Imprensa, a imprensa convencional tem afinidade ideológica com o PSDB, mas não há elementos para afirmar que a mídia está fazendo uma cobertura pró-impeachment.

A entrevista à Pública foi realizada em dois momentos: na semana passada, quando a crise política esquentou com a divulgação da delação de Delcídio pela “Isto É” e a condução coercitiva do ex-presidente Lula; e na quarta-feira passada, quando a presidente Dilma Rousseff anunciou Lula como seu ministro-chefe da Casa Civil e o juiz federal Sérgio Moro suspendeu o sigilo da investigação e divulgou grampos telefônicos de ligações entre o ex-presidente e Dilma, incluindo uma conversa ocorrida depois de o juiz já ter mandado a Polícia Federal encerrar o monitoramento telefônico de Lula.

(Foto: Damião Francisco/CPFL Cultura)
O jornalista Eugênio Bucci, professor doutor da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da USP  (Foto: Damião Francisco/CPFL Cultura)

Como você vê a decisão de Lula de assumir a Casa Civil e a divulgação das gravações de conversas entre ele e a presidente Dilma Rousseff feitas pelo juiz Sérgio Moro, que comanda a operação Lava Jato?

Com as informações de que disponho no momento, tenho uma estranheza em relação a isso. Não entendo como um juiz pode tomar a iniciativa deliberada de divulgar conteúdos de escuta telefônica que, por definições da lei, devem ser mantidas em sigilo e sob a responsabilidade da Justiça. Também não entendi se as escutas divulgadas, inclusive no dia de ontem (quarta-feira, 16 de março), estavam devidamente autorizadas. Estou um tanto perplexo. Quanto a Lula [assumir a Casa Civil], isso é uma decisão que cabe a ele e à presidente da República. Não é da minha conta, e ainda bem que não é. Há contestações na Justiça, mas isso é matéria que cabe aos magistrados. Do ponto de vista político, poderemos ter uma distorção hierárquica no Planalto. Há uma possibilidade forte de que Lula passe a atuar como um super primeiro ministro, função para a qual ele não tem mandato e que, aliás, nem está prevista na Constituição.

E como analisa a cobertura da imprensa tanto sobre esse episódio como sobre o desdobramento das ruas?

Há muita irresponsabilidade nisso aí. Irresponsabilidade das autoridades  – de um lado (oposição) e de outro (governo). A fala da presidente Dilma agora há pouco, hoje mesmo, chamando os brasileiros à serenidade, foi positiva nesse sentido. As lideranças não podem estimular a polarização. Se episódios de violência começarem a acontecer, piora tudo.

Você escreveu um artigo recentemente criticando o governo por se queixar do que ele chama de vazamentos da operação Lava-Jato. Na sexta-feira, o ex-presidente Lula foi levado a depoimento sob uma condução coercitiva que já havia sido anunciada na madrugada por jornalistas no Twitter. O que você pode falar sobre isso?

Há· rumores de que teria sido vazado ao próprio presidente Lula também. Mas são coisas diferentes. Deixa eu tentar explicar. Eu escrevi um artigo contra uma nota da presidente da República condenando os vazamentos porque, no meu entendimento, o que motivou aquela nota foi a publicação pela imprensa, pela revista Isto É em reportagem de Débora Bergamasco, da delação premiada do Delcídio, com as acusações que ele fazia. Quer dizer: O que levou a nota pública contra o vazamento não foi o ato do vazamento, ou pelo menos não foi o ato do vazamento apenas, mas a publicação do teor do vazamento. Era um documento do governo assinado pela presidente Dilma, embora não fizesse menção explícita à reportagem, foi a única reação do governo à publicação da reportagem; um protesto contra o vazamento; e eu fiquei bastante incomodado. É  uma cortina de fumaça que se joga sobre a opinião pública porque acaba sendo lido como uma condenação indireta à reportagem.

Um funcionário público que lida com algo legalmente considerado sigiloso, ele tem a responsabilidade funcional de zelar por esse sigilo. Se ele negligenciar seu trabalho, precisa ser investigado, deve ser responsabilizado, responder pelo seu desvio de conduta. Outra coisa é o comportamento da imprensa. A imprensa não é alcançada pelos dispositivos que regulam o sigilo do funcionalismo. É garantido aos jornalistas que divulguem sigilos desde que tenham acesso a eles.

Isso já está pacificado pela Justiça, não é? O Supremo julgou essa questão e garantiu aos jornalistas o direito de divulgação de informação de interesse público.

Isso, exatamente. O entendimento, eu não diria que está pacificado,  mas vem sendo consolidado nessa direção, que é a correta. Obtendo uma informação que seja de interesse público, o jornalista e o veículo jornalístico devem, sim, considerar a pertinência da sua publicação. Eu não digo que eles devem ser obrigados eticamente a publicar. Eu digo que eles têm a prerrogativa de, se for imprensa, avaliar e, se for o caso publicar. O jornalista não deve praticar um crime para obter sua informação. Mas não é disso que estamos falando.

O jornalista ouviu essa informação, recebeu essa informação e ela interessa para o país. Então a democracia deve assegurar essa possibilidade. E vou lembrar que a figura do sigilo da fonte, garantida pelo artigo quinto da Constituição, existe exatamente por causa disso. Porque algumas informações chegam ao jornalista, ou o jornalista as encontra junto a fontes que, por segurança, não poderiam ser identificadas. E essa é uma matéria que gera controvérsias no mundo inteiro.

Há casos recentes. Em Londres, por exemplo, as autoridades foram ao Guardian e saíram de lá com discos, com arquivos que teriam sido passados pelo Edward Snowden. O Guardian guardou cópias, mas as autoridades foram lá numa intimidação claríssima. Nos Estados Unidos deu-se uma intimidação monstruosa, não apenas em relação ao Snowden, mas com relação a jornalistas  e não há dúvida nenhuma de que as informações vazaram, entre aspas, porque eram do mais alto interesse público. Havia garantias individuais sendo violadas por uma prática de Estado inaceitáveis.

No caso do WikiLeaks também, mas toda a documentação foi divulgada integralmente, você pode consultar todo o material, toda a troca de telegramas e fazer a busca online.

Sim. O material foi divulgado com toda a transparência, integralmente, mas foi hierarquizado.
A política não se faz com boas intenções e o jornalismo sobre política se abastece de fontes que não são um poço de boas intenções.

Os jornais que fizeram o acordo de publicação aqui no Brasil divulgaram por temas, em reportagens que consideramos de interesse público e esclarecemos os critérios de publicação.

Perfeito, nada contra isso. Não há reparo com relação a isso, só que a notícia não é a publicação integral. A notícia ilumina uma linha, um aspecto, um grupo de palavras. É isso que vai pra manchete. É isso que grita na esfera pública. Depois a pessoa interessada pode ir lá e encontrar milhões de documentos acessíveis. Mas a notícia decorre de uma edição. Decorre de uma escolha, de uma hierarquia e, pra usar a palavra, uma seleção. O jornalista seleciona o que é realmente gritante.

Mas, voltando à delação, há um conjunto de 400 páginas e, sem fazer juízo de valor de nenhuma publicação, cabe aos veículos prestar contas ao leitor dos critérios da publicação? Porque a denúncia abarca um conjunto de parlamentares e outros políticos. O veículo deve dizer: tivemos acesso ao conjunto das páginas ou a parte delas?

Acho que é relevante, acho que é necessário que se preste este tipo de informação. Mas antes de entrar nisso, eu queria concluir um arco que eu tinha esboçado. Gostaria de lembrar os documentos do Pentágono, que foram essenciais pra que se conhecesse o grau de violência da incursão americana no Vietnã e é um documento que muda a história da guerra. Também foi vazamento. O Watergate também foi vazamento. O vazamento  é movido por interesses. Dilma usa um termo que é o uso de vazamentos como arma política. Aquilo confunde a opinião pública porque cria a ilusão de que alguma informação de alguma fonte que tenha se julgado acuada, prejudicada, negligenciada ou rebaixada possa ser passada a um jornalista sem que exista nenhum grau de ressentimento.

Toda informação vazada de um âmbito do poder mais interno ou menos interno, ela vem junto com algum ressentimento, com algum desejo de vingança. Não há nenhum vazamento que tenha se originado da caridade, não é assim que funciona. A política não se faz com boas intenções e o jornalismo sobre política se abastece de fontes que não são um poço de boas intenções. Como democracia, dependemos de um jornalismo livre, crítico; e o jornalismo livre e crítico escuta fontes que têm desejo de vingança. Não é esse o problema.

O problema é a responsabilidade com que essas coisas são colocadas. É isso que eu gostaria de deixar claro. Na história da democracia, não só do Brasil, a imprensa prestou seus grandes serviços quando teve fontes que vazaram informações e muitas dessas fontes vazaram com desejo de vingança. Agora, a responsabilidade do jornalismo é ouvir essas coisas, selecionar essas coisas, escolher, hierarquizar e publicar o que realmente e de interesse público.

Mas não vai balizar, não vai buscar fatos para comprovar?

Mas é evidente que vai. Mas essa é a primeira parte do raciocínio. Essa primeira parte do raciocínio precisa ficar muito clara. Não podemos fazer a sociedade acreditar que exista um mundo em que a imprensa não se abasteça de vazamentos. A imprensa precisa dos vazamentos, que não é só documento. Pode ser uma inconfidência de uma fonte, uma informação que deveria estar guardada e não está mais. A imprensa se abastece disso. O problema acarretado pela publicação do documento de delação premiada do senador Delcidio do Amaral não foi o vazamento, e isso é o que me chamou a atenção. O problema é o que está escrito lá, as acusações da mais alta gravidade. E essas acusações, se forem todas verdadeiras, são um desastre. Se elas forem parcialmente verdadeiras, o que há de falso nelas também é um desastre porque estamos falando do ex-líder do governo no Senado por vários anos, que desfrutava, frequentava o círculo mais restrito do poder do Palácio do Planalto, conversava com os principais líderes do PT, e da base e tudo o mais e é uma figura central. Se aquilo que ele disse é mentira trata-se de um escândalo tão grande quanto se aquilo for verdadeiro. A resposta que o governo dá pra esse problema, isso que é espantoso, não é a discussão do que está escrito lá. É um protesto contra o vazamento. Foi uma reação muito ruim.

Agora, como publicar um vazamento? Como deixar transparente os critérios que orientaram a sua decisão de publicar? Que nível de acesso aquela reportagem teve aos documentos a que ela se refere? Foi integral? Não foi integral? Não foi parcial? Por que foi parcial? Os lados que foram acusados, por exemplo, agora, parece que está aparecendo o nome do Aécio Neves (senador, presidente do PSDB).

Pela quarta ou quinta vez contando outras delações.

Ele está aparecendo na delação do Delcídio. Se o nome do Aécio aparece, ele precisa ser noticiado com destaque, sem dúvida nenhuma.

(Foto: José Cruz/Agência Brasil)
“Eu só quero dizer que o Lula pode ser vítima de preconceito de um setor ou de outro, mas ele não é prejudicado pelo preconceito como ele já foi quando era um líder operário e estava começando a sua carreira política” (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

Você usou a expressão “cortina de fumaça”, a mesma expressão usada pelos procuradores da Lava Jato para rebater a crítica à condução coercitiva de Lula, dizendo que a polêmica tentava anuviar as investigações. O jornalista Elio Gaspari disse que não é por que ele acredita que a investigação seja correta que eles não sejam passíveis de cometer erros. Como você avalia a condução coercitiva do ex-presidente Lula e a forma como isso está sendo tratado pela imprensa?

Vamos demarcar uma separação. Uma coisa é a publicação da matéria do Delcídio. Outra coisa é a condução coercitiva do presidente Lula. Se há uma relação entre esses dois fatos, ainda está por ser esclarecida. Ou seja, se há uma relação calculada, premeditada por alguém entre a publicação de uma reportagem na quinta e a ida da Polícia Federal na sexta contra o ex-presidente Lula essa relação ainda está pra ser mostrada. É possível que haja uma relação? E possível. Nós a conhecemos? Até agora não. O que vou falar parte da premissa de que não há uma relação entre uma coisa e outra, pelos dados disponíveis. Pois bem, então vamos tratar da ida da Polícia. Houve excesso?

Eu não sou competente para dizer isso. Eu não estudo essa questão. E não disponho de todas as informações que me permitiriam dizer se houve abuso ou não. Essa é uma matéria para juristas. Vários juristas responsáveis  e até ministros do Supremo disseram que não haveria necessidade da condução naqueles termos. Parece que há gente de muita credibilidade falando que pode ter havido um erro ali. Uma dose a mais, um excesso. No entanto, mesmo que tenha acontecido um erro, esse erro não invalida o conjunto da Lava Jato. Se houve um erro, esse erro tem de ser corrigido. As autoridades responsáveis vão ter que responder por ele.

É importante levar em conta que o ex-presidente da República não é uma figura desprotegida, frágil, uma parte vulnerável. Ele não foi agredido na sua integridade. A imagem dele resiste mais do que esse episódio. Não estou minimizando as possíveis consequências se um erro tiver sido cometido. Mas eu estou dizendo que os erros judiciais no Brasil produzem vítimas em circunstâncias muito mais graves.

Há pessoas que estão presas sem condenação. Há pessoas que estão presas por erro de nome. Há tortura nas delegacias brasileiras e nas instalações da polícia e há pessoas que são baleadas no meio da rua, sem proteção alguma. Há muitas vítimas fatais, entende? Pessoas que perderam a vida por causa do funcionamento insatisfatório da Justiça, do sistema prisional, das condições do sistema prisional. Essas vítimas sofreram agravos, males muitas vezes irreparáveis. Essas são as verdadeiras vítimas.

Quero dizer que, se houve excesso na ação do presidente Lula, e não descarto essa possibilidade, ele sofreu um agravo, ele terá sofrido uma ação desmerecida, mas ele não é uma vítima. Ele não é alguém desprotegido, alguém de baixo, vamos dizer. Objetivamente, o Lula hoje é um milionário pelos valores declarados que ele recebeu alegadamente por palestras. É um milionário, é alguém da elite brasileira, que desfruta de todas as regalias de uma vida de gente muito rica. É uma pessoa de poder, uma pessoa que, enfim, não tem mais nada a ver com alguém oprimido, de baixo, desprotegido.

Janio de Freitas fez um artigo em que, ironicamente, comparou essa fase da Lava Jato com a Operacão Bandeirantes (Oban), falando que se tratou de um ato político. Embora você diga quem não tenha havido efeitos físicos, nem levado a tortura ou prisão efetiva, você vê um efeito político nisso?

Eu vejo. E vou repetir. Se houve um excesso ali, ele precisa ser esclarecido e os responsáveis devem ser, sem trocadilho, responsabilizados. Não descarto isso. Ele tem um efeito político? Tem. Mas ele não é unilateral. Mancha a imagem do presidente Lula. Eu concordo com essa caracterização. Nenhum cidadão, mesmo quando ele é poderoso e rico,  precisa sofrer uma ação policial, desproporcional e indevida. Ninguém merece isso. Não descarto esse efeito politico. Se há um desgaste da imagem dele e isso pode ser uma propaganda anti-PT. Pode ser parte de uma propaganda pró-impeachment, de uma estratégia de construção de uma imagem de que o PT é irreversivelmente corrupto. É uma linha de argumentação plausível.

Mas não podemos esquecer que há um outro lado. Aos seguidores do Lula e do PT, a imagem do presidente Lula como líder da esquerda saiu fortalecida do episódio. Ele também soube capitalizar o acontecimento e recrudesceu seus discurso como candidato em 2018. Convocou as pessoas pra irem para as ruas. Então, nesse sentido, teria havido também uma ação de propaganda pró-Lula.
A imprensa deveria se preocupar em transmitir para a opinião pública a ideia de que ela não trata ninguém com favor

O ex-presidente Lula, agora de forma muito mais forte, se queixa do trato dado a ele por meios de comunicação. A reclamação é justa?

Eu acho que olhando um horizonte mais largo é justa, sim. O Os editoriais, os espaços de opinião pendem, se nós fizermos uma análise matemática, medindo espaço, tempo, ênfase, nós vamos entender que ha uma identificação mais tucana que petista nessa média. E aí eu estou falando de uma média, porque há exceções, há articulistas de esquerda, que são mais próximos do PT, e aí há um parêntese porque o PT não é um partido de esquerda e o governo Dilma não é um governo de esquerda, mas vamos ficar na superfície. Há articulistas, há posições editoriais muito corajosas que desafiam esse establishment tradicional. O próprio presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, mereceu muito destaque na Folha de S. Paulo, por causa da história envolvendo a ex-amante que alega que ele é pai do filho dela.

A gente não pode lidar com isso como se fosse um universo chapado e binário porque ele não é. Mas podemos dizer que, na média, e estudos que eu oriento e participo me autorizam a dizer isso, esse conjunto de veículos que eu estou listando pende para uma identidade mais próxima do cerne ideológico do PSDB do que do PT. Isso é real. Dentro disso, existe manifestação de preconceito. É claro que há momentos em que não há uma indignação como deveria ser com o que há de preconceito racial no Brasil. Então, há preconceito na imprensa? Há. Lula ja foi vítima de preconceito na imprensa? Já foi. Eu mesmo já escrevi sobre isso. E não retiro uma vírgula do que eu escrevi.

Mas neste momento?

Nesse momento não. Ele não é uma pessoa fragilizada pelo preconceito. Nesse momento ele é um ex-presidente da Republica que ficou oito anos no poder, ele e o principal líder do partido que está na Presidência da Republica. É alguém que detém muito poder, muito mais poder do que o jornal. Então ele não é o lado fraco. Quando falamos de preconceito, do preconceito que gera efeitos, estamos falando do lado mais forte contra o lado mais fraco. Não teria cabimento.

Então, um grande grupo de mídia é mais fraco do que ele. É isso que o sr. está dizendo?

Lula comanda um poder que é mais poder do que alguns veículos. O Lula tem mais poder do que a Carta Capital, o Lula tem mais poder do que a revista Época.

Mas ele tem mais poder que o Grupo Globo, por exemplo?

Não. Aí…

Tem mais poder do que 40 minutos de TV?


Então esse discurso que ele faz: “Eles não querem um operário no poder”. Ele cola?

O Lula não é um operário. O discurso até cola, mas não se sustenta nos fatos.

E o discurso de que “Não querem o Lula no poder” é verdadeiro?

É. Acho que tem muita gente no Brasil que não quer o Lula no poder.

Hoje o senhor diria que a cobertura de algum veículo está tendenciosa, pró-impeachment, contra impeachment, pró-Lula, anti-Lula?

Eu não vejo uma cobertura orientada pró-impeachment, mesmo no Jornal Nacional, que tem sido duro com relação ao governo e não tem economizado nas notícias negativas. Eu não vejo esses elementos e sempre que vi apontei porque não podemos perder de vista que o governo objetivamente não é uma maravilha. Achar agenda positiva num governo que não consegue nomear um ministro da Justiça é muito complicado. Nas eleições O Estado de S. Paulo apoiou publicamente o candidato Aécio Neves, em editorial. Não tenho nenhum problema com isso. Mas eu não tenho elementos pra dizer que exista uma cobertura intencionalmente orientada pra construir o impeachment. Me parece que não. Eu acho que o desempenho do governo é que é desastroso e, no meu caso, infelizmente, porque eu, pessoalmente, sou contra o impeachment.

Professor, o jornalismo independente está ganhando bastante volume e espaço no país. Vocês têm estudado sobre isso em suas pesquisas?

Estamos começando um estudo sobre conceito da imprensa, com a participação do Bruno Paes Manso, que é um dos idealizadores da Ponte, uma dessas novas alternativas. Eu tenho acompanho o trabalho do Bruno Torturra, acompanho um pouco o trabalho da Pública. Eu edito a Columbia Journalism Review (CJR), pela ESPM. O que eu consigo avaliar porque acabo tendo contato com isso, é que nunca o jornalismo foi tão lido. Nunca as matérias jornalísticas circularam tanto. Artigos de opinião e artigos de informação, de reportagem. E o modelo de negócio vive uma crise. É muito possível que a gente encontre novas soluções. Eu torço por isso.

Em sua opinião o jornalismo dos meios convencionais, dos veículos maiores, está bem? O jornalismo brasileiro vai bem em termos de apuração, reportagem?

É claro que não. Poderia ser muito melhor do que é. E acho que até já temos os ingredientes necessários pra torná-lo melhor. Mas eu acho que o nosso jornalismo teria que se esmerar na internacionalização, se dedicar mais a estudar as realidades da sua cobertura. Acho que o jornalismo brasileiro deixa muito a desejar.

"Um juiz politico é uma contradição em termos e é muito perigoso" (Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
“Um juiz politico é uma contradição em termos e é muito perigoso” (Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

A cobertura do mensalão do PSDB deveria ter tido muito mais destaque. É verdade que os valores do mensalão tucano são dinheiro de pinga comparados aos valores do mensalão do PT e principalmente do petrolão. Mas a imprensa deveria se preocupar em transmitir para a opinião pública a ideia de que ela não trata ninguém com favor. Nosso jornalismo é melhor agora do que era nos anos 70. Pega o Jornal Nacional nos anos 80, nos anos 90. Pega o Jornal Nacional agora. É melhor agora.

Nó temos um jornalismo melhor e temos um jornalismo que é muito renovador, que é o das novas iniciativas jornalísticas, a exemplo do Pro Publica dos Estados Unidos, que é a Pública no Brasil. Isso está arejando muito nosso jornalismo, dando vazão pra muitas coisas que antes não apareciam. É muito mais difícil hoje o nosso jornalismo não chegar ao público. A margem de manipulação ficou mais restrita. É mais difícil hoje alguém esconder uma notícia. Isso fala a favor, mas seria muito melhor que tivéssemos mais qualidade.

O Judiciário está se transformando em salvador da pátria, sobretudo na figura do juiz Moro?
Deus me livre de Judiciário salvador da pátria.

Mas é isso que esta acontecendo?

Alguns podem estar jogando lenha nessa fogueira, mas é uma bobagem, estrategicamente. É um fetiche, uma mistificação. Primeiro, a ideia de salvador da pátria é um perigo. E juiz salvador da pátria é pior ainda. Juiz é juiz, não é um governante. Ele é treinado, desenvolvido, preparado e a carreira já o vai moldando para julgar as coisas e autorizar investigações. É aí que está a excelência. Um juiz politico é uma contradição em termos e é muito perigoso. O juiz não deve ser político, deve olhar a lei. Eu não acho que Joaquim Barbosa seja salvador da pátria e não acho que Sérgio Moro seja salvador da pátria. E espero que nem um nem outro embarque nisso.