PICICA: "Crise da hegemonia petista, golpe de Estado e soberania popular no capitalismo brasileiro"
Fim da Nova República?
Crise da hegemonia petista, golpe de Estado e soberania popular no capitalismo brasileiro
A ofensiva
contra o governo Dilma e a principal liderança petista, Luiz Inácio Lula
da Silva, parece encerrar um ciclo iniciado no Brasil a partir da
abertura em 1979, que condicionou o processo político no país a avanços
democráticos, lentos, graduais e seguros para as classes dominantes,
responsáveis pelo Golpe de 1964 e por seu modelo econômico.
A Nova
República que se estabeleceu desde 1985, com a eleição de Tancredo Neves
e posse de Jose Sarney, configurou-se essencialmente numa obra de
hegemonia política das classes dominantes que articulou a preservação e o
aprofundamento dos seus interesses com a pressão crescente das massas
por participação política e inclusão social. Para isso, aceitou
gradativamente a gestão política do Estado brasileiro para o centro ou à
esquerda ao mesmo tempo em que manteve o controle sobre o poder
econômico, criando nesta simbiose um processo de circulação das elites e
de ascensão de novos segmentos sociais aos seus quadros. À emergência
do PMDB em substituição ao PDS, maculada pela presença de Sarney,
seguiu-se a renúncia e impeachment de Fernando Collor e a
transição, já no governo Itamar, para a ascensão do PSDB, dirigida pela
elite intelectual pequeno-burguesa paulista que, apesar de reivindicar o
espírito de autenticidade do velho MDB e uma concepção socialdemocrata,
criava um novo bloco de poder, de caráter neoliberal, que refundava o
modelo de dependência do país, associando-o à reestruturação da
hegemonia estadunidense e aos principais grupos financeiros, agrícolas e
industriais do país. A crise econômica, política e ideológica deste
bloco abriu o espaço para chegada ao governo brasileiro do PT, que não
alterou substancialmente as bases do novo modelo de dependência, ainda
que tenha introduzido modificações e adaptações no seu funcionamento
para atender a alguns compromissos sociais mínimos.
Durante este
processo de exercício de hegemonia econômica e ideológica que mantém a
democracia dentro de marcos relativamente seguros à burguesia nacional e
ao grande capital internacional, estes último ficarão na defensiva em
vários momentos, sendo obrigados a fazer uma série de concessões que
limitam o exercício de seu poder econômico, ainda que busquem arranjos
políticos para neutralizá-las, ou eliminá-las, restaurando parcialmente
ou totalmente seu protagonismo. São exemplos destas concessões os
direitos sociais, a definição do caráter social da propriedade social, a
definição de empresa nacional e as limitações das taxas de juros reais
da Constituição de 1988, bem como a emergência de atores ligados aos
movimentos sociais e a classes trabalhadoras à condição de gestores do
capitalismo brasileiro nos quatro mandatos conquistados pelo PT na
Presidência da República. Durante este período, gesta-se um novo bloco
de poder que se articula com frações importantes do empresariado
brasileiro sem conquistar a preferência política do conjunto do grande
capital nacional e internacional e da pequena-burguesia.
A tolerância aos governos petistas por parte do conjunto da classe dominante se explica por um conjunto de fatores:
- a profunda crise de legitimidade nacional dos diversos grupos políticos burgueses, cujas principais forças são o PFL/DEM, o PMDB e o PSDB;
- o perfil centrista assumido pelos governos petistas, desde a “Carta aos brasileiros” na campanha de 2002, buscando atender ao interesse de diversos grupos sociais, principalmente os do extremo superior e os do extremo inferior da pirâmide social, que reúnem, respectivamente, o capital financeiro, o grande capital industrial, o agronegócio, o empresariado da construção civil e da educação, de um lado, e a população em situação de extrema pobreza, de outro;
- a conjuntura internacional extremamente favorável que impulsionou a balança comercial brasileira através do agudo incremento dos preços das commodities entre 2003-2011, elevando a taxa de lucro do setor exportador, estimulando o crescimento econômico e a arrecadação do governo federal para implementar políticas sociais.
Todavia, a
emergência da crise econômica, a partir de 2012, leva as classes
dominantes e o grande capital internacional a conspirar contra o projeto
centrista impulsionado pelos governos petistas para mudar o padrão
regulatório do capitalismo brasileiro, abrindo novas fontes de
investimento que afetem a soberania nacional e restrinjam o consumo
popular, reforçando a superexploração do trabalho, em parte limitada
pelas políticas de elevação do salário mínimo. A incapacidade que o
governo Dilma e as principais lideranças petistas estão demonstrando
para responder à quebra do pacto liberal e democrático que constituiu a
Nova República e a retomada de iniciativas políticas fascistas e de
violação da soberania popular, por parte do grande capital nacional e
internacional, constitui o grande drama da situação política brasileira
presente. Para entender esta incapacidade aparentemente surpreendente,
temos que inseri-la no bojo do paradigma de esquerda trazido pelo PT e
na sua evolução histórica na conjuntura nacional.
O PARADIGMA DE ESQUERDA DO PT
O Partido
dos Trabalhadores surgiu de um conjunto de fatores: da organização
sindical que se estabeleceu com a forte modernização industrial dos anos
1970, nos marcos do capitalismo associado e dependente, da sua
articulação com a esquerda católica, com integrantes das organizações
políticas que lutaram contra o Golpe, pela via institucional ou armada, e
com setores do movimento estudantil. Esta articulação foi fortemente
impulsionada pelo espaço aberto com a brutal repressão ao trabalhismo e
seu legado principal alvo do golpe de 1964 e da ditadura. Esta negou a
Brizola a recuperação da legenda histórica do PTB, entregando-a a seus
velhos adversários, oriundos da UDN e do PSD, e estimulou a criação de
um novo partido para dividir a classe trabalhadora e bloquear a
rearticulação do trabalhismo em São Paulo, onde Jango Goulart alcançou
cerca de 30% dos votos na eleição para vice-presidente em 1960.
O PT se
colocou em sua fundação como o partido que representava autenticamente a
classe operária, priorizando a autonomia dos movimentos populares
diante do Estado e a democracia ao nacionalismo e socialismo. O
socialismo seria o futuro distante de uma longa acumulação de lutas
democráticas que se daria pela combinação entre a via representativa e
institucional, a auto-organização dos trabalhadores e a educação das
massas. Constituído nas lutas contra a ditadura militar, o PT descartava
soluções de cúpula e propunha-se à construção de um socialismo
democrático, de baixo para cima, a partir do grau de auto-organização
dos trabalhadores e educação política das massas, que condicionaria os
limites e o alcance do programa estratégico de governo. Opunha-se à
concepção de vanguarda oriunda do marxismo-leninismo e lançava mão do
conceito de populismo, cunhado por seu ex-secretário Geral, Francisco
Weffort, para criticar lideranças políticas verticalizadas, carismáticas
e propositivas que, oriundas de frações burguesas ou pequeno-burguesas,
supostamente subordinariam os trabalhadores e suas organizações sociais
a um projeto nacional-popular de capitalismo de Estado nacional, lhes
retirando o protagonismo e autonomia. O PT afirmou-se assim contra a
tradição trabalhista e comunista e Lula se tornou o principal emblema da
nova proposta de partido: a personalidade e a liderança operária,
síntese entre a cúpula e a base, que garantiria o vínculo com a
auto-organização da classe trabalhadora e dos movimentos populares. À
medida que o partido crescia, ampliava o seu aparato institucional
parlamentar e governamental, as suas alianças e incorporava outras
frações de classe em seu interior. O partido se expandiu em várias
direções articulando-se com movimentos sociais organizados como o MST,
sindicatos rurais como o dos seringueiros, mas também com o proletariado
de serviços, setores médios e parcelas importantes da pequena
burguesia.
A recessão
de 1991-92, a abertura da economia brasileira e os programas neoliberais
dos governos Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso afetaram
significativamente a capacidade de organização dos trabalhadores e a
base social do PT. Debilitaram significativamente o operariado
industrial do ABC paulista, um dos seus mais importantes segmentos, ao
ampliar o desemprego e a desindustrialização, o que reduziu
drasticamente o número, as reivindicações e a intensidade das greves em
relação à segunda metade da década de 1980. A redução na capacidade de
organização sindical das massas e as derrotas eleitorais de 1994 e 1998
levaram a uma forte revisão nos programas de governo e seus
compromissos. O Programa de 1994 estabeleceu uma importante inflexão ao
mencionar que a participação popular seria o resultado da
auto-organização da sociedade, e não mais da organização independente
dos trabalhadores reivindicada nos anos 1980, e a “Carta aos
brasileiros”, de 2002, transportava este conceito para o contexto do fim
do governo Fernando Henrique Cardoso, reivindicando, em razão da crise
econômica, a necessidade de iniciar uma transição, sem passes de mágica e
gestos unilaterais do governo, para um novo modelo, que não se
especificava. Esta seria uma transição moderada e pactuada, fundada no
diálogo com todos os setores da sociedade.
Tratava-se
de respeitar contratos e obrigações do país, fazer superávits primários
para controlar a dívida pública, condicionar a queda dos juros à redução
da vulnerabilidade externa, promover o agronegócio para estimular as
exportações e preservar a estabilidade monetária. Em 14 anos de governos
petistas, a dívida pública bruta não caiu de patamar; a relação
juros/PIB nunca foi menor que 5% do PIB, mesmo reduzindo-se
significativamente a vulnerabilidade externa; o agronegócio e o
latifúndio ampliaram seu espaço no campo brasileiro; a disciplina fiscal
conteve os salários do funcionalismo público e estendeu a este a
reforma da previdência; as políticas sociais focalizaram-se em programas
específicos como o “Bolsa-família” e o “Minha casa, minha vida”, que
representaram gastos públicos de 7 a 10 vezes inferiores aos pagamentos
de juros; e a política externa se, por um lado, diversificou o comércio e
as articulações geopolíticas brasileiras, de outro, não avançou na
construção de uma arquitetura financeira sul-americana, acomodando-se à
falta de iniciativa do Congresso Nacional para ratificar a aprovação do
Banco do Sul.
Entre 1994 e
2002, operou-se uma evolução do basismo petista, que rechaça o
protagonismo da vanguarda, uma vez que os processos sócio-políticos
devem vir essencialmente de baixo para cima e serem sintetizados no
governo, no parlamento e no partido. Ao passar a definir a participação
popular como resultado da auto-organização da sociedade e não de
trabalhadores e setores populares, os governos petistas incluíram em sua
base a burguesia dependente e associada e passaram a vincular-se
privilegiadamente a esta, diante da retração do movimento sindical
provocada pela ofensiva neoliberal sobre a indústria brasileira e sobre o
gasto público nos anos 1990. Os governos petistas propuseram-se então a
ser os articuladores de um consenso social que preservasse as posições
relativas das distintas frações de classe, através de políticas
centristas, distribuindo ganhos proporcionais numa conjuntura
internacional extremamente favorável e de crescimento econômico interno.
Ao descartarem o papel das vanguardas, em nome da crítica ao populismo,
não perceberam a inflexão da conjuntura política que abriu a
oportunidade para amplas mobilizações de massa, em função do rechaço da
população brasileira à experiência neoliberal, como acontecia no
conjunto da América do Sul. Quando a “Carta aos brasileiros” foi
publicada, Lula já liderava as intenções de voto e continuava a subir
nas pesquisas. O seu objetivo foi muito mais o de propor um pacto de
governabilidade com o grande capital, do que garantir a vitória de Lula
através do apoio do capital financeiro e do o agronegócio, papel que
equivocadamente alguns analistas lhe atribuíram
Ao reafirmar
este tipo de liderança política e comprometê-la com as estruturas do
capitalismo dependente neoliberal, o PT jamais pôde avançar na transição
a outro modelo de acumulação, nem politizar e elevar o nível de
consciência das massas, como na Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina.
Lideranças propositivas, vanguardistas e revolucionárias como a de um
Hugo Chávez, jamais teriam espaço protagônico dentro do padrão de
política petista. Não houve aposta na mobilização de massas, apesar do
enorme potencial que proporcionava a conjuntura e questões como o
enfrentamento ao monopólio dos meios de comunicação jamais foram
incorporadas seriamente pelo estilo liberal e gradualista de governo
petista. A Telesur permanece fora do campo de comunicação de massa do
povo brasileiro, que é privado do acesso a uma fonte importante de
produção cultural latinoamericana e do jornalismo crítico de esquerda.
Tampouco temas como a liberação do aborto, a legalização da união
homoafetiva e do consumo de drogas de menor potencial ofensivo – todos
de enorme impacto para as mulheres, os homossexuais e a juventude – que
inclusive foram objeto de campanha e mobilização de massas por parte dos
governos Lula e Dilma, mas que foram postos em segundo plano em
detrimento da aliança estratégica com setores evangélicos.
CRISE DO CENTRISMO E A OFENSIVA CONSERVADORA
A crise
econômica que se abate sobre a economia brasileira a partir de 2013 gera
uma crise do centrismo político e possui três determinantes que se
articulam de forma combinada:
- a inversão cíclica do período de boom das commodities;
- a reação da burguesia à expansão do mercado interno para os setores populares, em função da valorização do salário mínimo e seus efeitos em cadeia sobre os custos de produção;
- as políticas monetárias, fiscais e cambiais pró-cíclicas, e seus efeitos sobre a dívida pública, a taxa de lucro e o investimento.
A crise do
centrismo abriu o espaço para a burguesia brasileira romper com a
política de compartilhamento do poder e se livrar da transferência da
gestão do seu modelo de acumulação a setores oriundos das esquerdas.
Entretanto, para que isso ocorresse foi necessária a drástica queda de
popularidade do governo Dilma, que auferia de popularidade de 70%, em
maio de 2013. As Jornadas de Junho de 2013 – quando multidões, em
especial a juventude, saem às ruas, de forma anárquica e difusa, para
reivindicar direitos sociais formalmente consignados na carta de 1988 –
atingem em cheio a popularidade da Presidenta, que cai para 30% naquele
mês. Elas abrem uma forte crise no liberalismo e indicam a disposição de
setores de baixa renda e dos setores médios para participar de
processos insurrecionais, faltando-lhes para isso delimitar qual o
inimigo a ser combatido, o que sua heterogeneidade e desorganização não
permitia fazer.
A
incapacidade de o governo Dilma utilizar a energia das Jornadas de Junho
para reformular o projeto de poder petista, dando início à prometida
transição de modelo econômico anunciada em 2002, aproximando-o da classe
trabalhadora e das organizações populares, possibilitou que o grande
capital tomasse a dianteira. Este vai indicar para a sua base de massas,
formada principalmente por setores médios, através do discurso de sua
vanguarda organizacional – constituída por estruturas de poder
verticalizadas, como as empresas de comunicação de massa, em particular a
Rede Globo, associações empresariais como a FIESP e igrejas evangélicas
– o inimigo a ser batido: as lideranças do Partido dos Trabalhadores,
que agiriam como uma facção criminosa, organizando um processo sistêmico
de corrupção no Estado brasileiro para se perpetuar no poder e
proporcionar enriquecimento pessoal.
O grande
capital ainda preferia uma solução eleitoral para o problema do poder em
2014, mas a repolitização do discurso de Dilma, como candidata, em
função da atuação da militância de esquerda e dos estudantes nas redes
sociais lhe garantiu margem apertada de vitória nas eleições de 2014.
Entretanto, a candidata que fazia um discurso desenvolvimentista,
atacando a política de altos juros proposta pelo capital financeiro para
combater o recrudescimento da inflação, a rigor não tomou posse. Antes
de expirar seu mandato anterior, logo após as eleições iniciou uma nova
onda de elevação das taxas de juros e tentou nomear Luiz Carlos Trabuco,
presidente do Bradesco, como Ministro da Fazenda do novo governo –
frustrando-se com sua recusa, mas aceitando a sua indicação de Joaquim
Levy. Ao mesmo tempo nomeou para o Ministério da Agricultura, Katia
Abreu, vinculada organicamente ao agronegócio.
Eleita,
Dilma escolheu aceitar pressões do capital financeiro e de seu bloco
histórico, como se isto lhe garantisse sua governabilidade. Pelo
contrário, ao adotar o programa rejeitado pela maioria da população,
durante as eleições de 2014, elevando juros e cortando verbas para
educação, saúde e programas sociais, perdeu sensivelmente popularidade,
caindo a 8% desde os 52% que havia alcançado ao fim das eleições. Se o
PT havia incluído estruturalmente o capital financeiro na sua base de
apoio, a reciproca não era verdadeira: a conversão do PT em braço
político do grande capital nacional e estrangeiro era provisória. A
perda de popularidade da Presidenta abriu espaço para uma ofensiva
fascista organizada pelos meios de comunicação e pelas lideranças do
PSDB e do bloco liberal-conservador sob articulação de Fernando Henrique
Cardoso e Aécio Neves. Tratava-se de realizar um golpe civil, sem
militares, como havia sido implementado no Paraguai, durante a queda de
Lugo, ou em Honduras, durante a queda de Zelaya.
FIM DA NOVA REPÚBLICA
As razões para o golpe são várias:
- impedir o fortalecimento dos movimentos sociais e o eventual giro à esquerda, no futuro, de um governo petista, mobilizado em torno do carisma de Lula e da recuperação do crescimento da economia;
- realizar uma nova ofensiva neoliberal sobre a economia brasileira, realinhando-a aos padrões clássicos do capitalismo dependente, o que implica nova onda de privatizações, alienar recursos estratégicos, eliminar direitos sociais e retomar com vigor o dinamismo da superexploração do trabalho contra as políticas de elevação do salário mínimo, de renda mínima e de aumento do poder de compra da população de baixa renda;
- Realinhar geopoliticamente o país à liderança dos Estados Unidos, limitar o alcance da integração do país aos BRICS e sua arquitetura financeira, reduzir a influência de China e Rússia na região e a do BRICS na política internacional, retomar uma política externa subimperialista e isolar as experiências populares de capitalismo de Estado na América do Sul.
A direita
tem se atrapalhado no que diz respeito à forma do golpe, temendo uma
reação popular. Para isso tem usado no Parlamento a agressividade de um
aventureiro, oportunista e corrupto como Eduardo Cunha, e a mobilização
das camadas médias por meio do irracionalismo de campanhas
sensacionalistas que se valem da parceria de grandes meios de
comunicação com setores da Polícia Federal, do Ministério Público e do
Poder Judiciário, que extrapolam suas competências legais, fazendo uso
político de suas atribuições e violando direitos individuais.
Entretanto,
vão se estabelecendo alguns consensos preliminares. Trata-se de não
apenas cassar os direitos de Dilma, ou de Lula, impedindo a sua
candidatura em 2018, mas de golpear a soberania popular. Surge a
proposta, a ser avalizada pelo STF, de substituir por PEC, sem consulta
popular, o regime presidencialista pelo parlamentarista, deslocando o
poder de gestão do Estado brasileiro para o Congresso Nacional, onde a
esquerda nunca teve protagonismo na história brasileira, e onde, na
atual legislatura, 70% dos deputados tiveram suas campanhas financiadas
por 10 empresas, várias delas com envolvimento nos delitos que investiga
a Operação Lava-Jato. Em torno desta proposta podem surgir variações
que contemplem duas necessidades: reduzir os custos políticos do golpe e
dar a ele credibilidade. Para atender à primeira necessidade, uma
possibilidade que não pode ser descartada é a construção um consenso com
o PT, em torno do apoio ao parlamentarismo, com ou sem consulta
popular, em troca da preservação de mandatos e direitos políticos.
Entretanto a capacidade de coordenar esta alternativa é limitada pela
incerteza sobre a garantia de compromissos recíprocos e pela profunda
violação às tradições basistas do PT. Outra alternativa é que junto à
cassação dos direitos políticos de Lula e Dilma, se agreguem algumas
figuras de maior calibre da oposição, atingidas por delações premiadas,
para dar de imparcialidade política. Novamente a capacidade de coordenar
esta alternativa é limitada e em função do risco de contágio anárquico e
desagregador.
A violação
da soberania popular, se efetivada, marcaria o fim da Nova República.
Qualquer capacidade do Governo Dilma impedir a ameaça de golpe está
vinculada à retomada de sua popularidade, o que requer mudar a política
econômica de recessiva para desenvolvimentista, enfrentar o protagonismo
do capital financeiro sobre o Estado, baixar radicalmente as taxas de
juros, impulsionar a economia através de um conjunto de investimentos
públicos em saúde, educação, habitação, transporte e infraestrutura e
chamar à mobilização popular sobre temas chaves como reforma política,
democratização dos meios de comunicações, fortalecimento da educação
pública. O documento publicado na Fundação Perseu Abramo, sob a
coordenação de Marcio Pochmann, Por um Brasil justo e democrático, aponta para várias destas direções. A ida de Lula para o ministério pode ser talvez a última oportunidade para esta virada.
***
PARA APROFUNDAR A REFLEXÃO… 5 DICAS DE LEITURA DA BOITEMPO
1. Ditadura: o que resta da Transição?
organizado por Milton Pinheiro
2. Equador: da noite neoliberal à revolução cidadã
de Rafael Correa
3. Estado e burguesia no Brasil: origens da autocracia burguesa
de Antonio Carlos Mazzeo
4. Hegemonia às avessas: Economia, política e cultura na era da servidão financeira
organizado por Chico de Oliveira, Ruy Braga e Cibele Rizek
5. Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina
de Carlos Eduardo Martins
***
Carlos Eduardo Martins
é doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor
do Programa de Estudos sobre Economia Política Internacional (UFRJ),
coordenador do Laboratório de Estudos sobre Hegemonia e Contra-Hegemonia
(LEHC/UFRJ), coordenador do Grupo de Integração e União Sul-Americana
do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso). É autor de Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina (2011) e um dos coordenadores da Latinoamericana: Enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (Prêmio Jabuti de Livro do Ano de Não Ficção em 2007) e co-organizador de A América Latina e os desafios da globalização (2009), ambos publicados pela Boitempo. É colaborador do Blog da Boitempo quinzenalmente, às segundas.
Fonte: Blog da Boitempo
Nenhum comentário:
Postar um comentário