PICICA: "Na atual conjuntura brasileira em que o
Poder Judiciário vem assumindo um protagonismo cada vez maior no
desenrolar do conflito político, algumas perguntas se colocam: quem é
esse Judiciário, qual a sua cara e quais são os seus valores? A partir
da nossa experiência enquanto advogadxs populares, afirmamos que o
judiciário brasileiro é elitista, defensor da propriedade privada,
racista, refratário às pautas feministas e corporativista. De acordo com
um censo recente realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, a magistratura nacional é composta majoritariamente por homens brancos, e negras e negros não chegam a 2% em todo o conjunto. Sua condição de elite econômica é evidente: juízes brasileiros recebem remuneração mensal média de R$ 41.802,00 (entre os mais altos salários no ranking mundial)
e gozam dos maiores privilégios do país. E, para além de tudo isso, o
Poder Judiciário não é submetido a qualquer controle social, sendo que
os magistrados, quando fiscalizados, submetem-se à averiguação realizada
por seus próprios pares."
E quem controla o Judiciário?
Na atual conjuntura brasileira em que o
Poder Judiciário vem assumindo um protagonismo cada vez maior no
desenrolar do conflito político, algumas perguntas se colocam: quem é
esse Judiciário, qual a sua cara e quais são os seus valores? A partir
da nossa experiência enquanto advogadxs populares, afirmamos que o
judiciário brasileiro é elitista, defensor da propriedade privada,
racista, refratário às pautas feministas e corporativista. De acordo com
um censo recente realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, a magistratura nacional é composta majoritariamente por homens brancos, e negras e negros não chegam a 2% em todo o conjunto. Sua condição de elite econômica é evidente: juízes brasileiros recebem remuneração mensal média de R$ 41.802,00 (entre os mais altos salários no ranking mundial)
e gozam dos maiores privilégios do país. E, para além de tudo isso, o
Poder Judiciário não é submetido a qualquer controle social, sendo que
os magistrados, quando fiscalizados, submetem-se à averiguação realizada
por seus próprios pares.
Tanto o Legislativo quanto o Executivo,
reconhecidos todos os problemas do nosso sistema político, passam ao
menos pelo crivo das eleições diretas e periódicas – extremamente
limitadas, haja visto o financiamento privado de campanha e a
concentração do poder midiático – e, assim, se submetem a algum
(mínimo) controle popular, além de serem também fiscalizados, em
diferentes modalidades, pelo próprio Judiciário. Porém, quem controla o
Poder Judiciário?
A resposta é que não há controle. Ele
está descontrolado. De um lado, o Conselho Nacional de Justiça, órgão
incumbido do aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, é composto por
membros cujo perfil coincide com o dos magistrados brasileiros. Por
outro lado, as Corregedorias de Justiça são compostas pelos próprios
juízes, guiando-se, como é de se esperar, pelo corporativismo
institucional.
Aos que afirmam que o Judiciário é um
poder livre e calcado na legalidade e imparcialidade – como se isso
esvaziasse a necessidade de seu controle democrático – rebatemos, com a
nossa experiência, que o Judiciário não é técnico nem neutro, mas é
político e orientado por uma ideologia mantenedora de privilégios,
inclusive por coincidirem com os seus próprios. Assistimos nesses
últimos dias a um Judiciário cheio de si, protegido pelo manto da
imparcialidade, que tira selfie em protesto a favor do impeachment,
divulga nas redes sociais, e dias depois decide “imparcialmente” ação
que discute atos da mesma Presidenta que ele, declaradamente, quer
afastada do poder. Ou outro membro da corporação, que reconhece a
ilegalidade da interceptação telefônica que ele próprio vazou para os
meios de comunicação, mas diz que há precedente em Watergate!
Ou que manipula e joga com os procedimentos de um inquérito policial
(lembrando que não há ação criminal contra ex-Presidentes ou a
Presidenta em exercício) para torná-lo um espetáculo midiático. Um
Judiciário que assume, abertamente, que tem lado e assim se torna, como
na Idade Média, ao mesmo tempo, inquisidor e julgador, ao arrepio das
leis e da Constituição.
O fato é que, para nós, advogadxs
populares que atuamos em defesa dos direitos humanos, de ocupações
urbanas, povos e comunidades tradicionais, populações organizadas contra
a mineração, população em situação de rua, trabalhadorxs exploradxs por
grandes empresas, ações judiciais que seguem a mesma lógica das citadas
acima não são exceção, mas a regra. É esse o nosso cotidiano: lidar com
um Judiciário que segue legitimando a exploração e subordinação dos
grupos subalternos em defesa da manutenção do status quo que o produz e mantém.
Assistimos, todos os dias, à recorrente
(e intransigente) defesa da propriedade privada que não cumpre sua
função social, em detrimento do direito constitucional à moradia dos
moradores de ocupações urbanas. Presenciamos, muitas vezes de mãos
atadas, ao encarceramento e tortura dos jovens negros e pobres sem
qualquer observância das mínimas garantias constitucionais.
Testemunhamos o impedimento de que o povo trabalhador entre nos
edifícios de tribunais por não estar vestido adequadamente. E somos
desrespeitadxs publicamente por sermos defensorxs de “invasores”,
“baderneiros”, gente de “segunda categoria” para um Judiciário classista
que seleciona quem são, de fato, os “sujeitos de direito”.
Por outro lado, a leniência e condescendência do Judiciário com os grandes é também grande: não se investiga o helicóptero cheio de cocaína do Zezé Perrela; Aécio Neves até hoje não foi intimado a depor, apesar das inúmeras menções a seu nome em diversas delações; as privatarias do FHC nunca foram investigadas, assim como o pagamento de mesada por empresa concessionária de free shops a sua ex-amante;
os abusos da mídia, com destaque para a Rede Globo, acontecem à revelia
do cumprimento da regulamentação constitucional dos meios de
comunicação.
A conjuntura atual escancara o teor
político e altamente seletivo de manobras convenientes ao Judiciário,
que enfrentamos todos os dias, mas que ora tomam como alvo os
integrantes de um único partido político, com o fim explícito de não
apenas arrancá-lo do poder, mas destruí-lo, bem como a seus principais
dirigentes. A lei é retórica, os argumentos são interpretações
tendenciosas e o Judiciário passa longe de ser nossa corte máxima de
imparcialidade, técnica e justiça. Por isso, denunciamos o golpe que
está em curso no Brasil e nos recusamos a compactuar com um judiciário
que legitima e, em grande medida, orquestra e conduz esse golpe. De
igual modo, repudiamos a postura assumida pelo Conselho Federal da OAB que fechou os olhos para as graves violações ao texto constitucional quando deveria defendê-lo.
Para onde esse Judiciário vai nos levar,
sob as vestes de grande herói da limpeza de ilegalidades? Não
esperaremos sentadxs por respostas, mas estaremos nas ruas defendendo o
estado democrático de direito que cotidianamente construímos junto ao
povo que luta pela transformação social deste país.
[i]
O Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular é nasceu em 2012, em
Belo Horizonte/MG, com objetivo de prestar assessoria jurídica popular a
movimentos sociais, ocupações urbanas, comunidades tradicionais,
atingidxs por mineradoras e grandes empreendimentos, coletivos
organizados, dentre vários outros grupos que politizam as relações
sociais no campo e na cidade. Realizando um trabalho voltado para a
defesa e efetivação dos Direitos Humanos que não se limita ao acesso ao
poder judiciário, o Coletivo estende sua atuação para a educação popular
e a formação jurídica e política das comunidades e grupos assistidos,
com quem trabalha em relações de solidariedade e parceria.
Fonte: BRASIL EM 5
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