PICICA: "À luz dos últimos acontecimentos políticos e dos desdobramentos da Operação Lava Jato, Moysés Pinto Neto comenta a “judicialização da política”, que, segundo ele, “tem ocorrido no Brasil nos últimos anos”, ainda desde o tempo em que o ministro Joaquim Barbosa atuava no caso do Mensalão.
"Desde essa época, equívocos têm proliferado na análise por se postular
uma transitividade não mediada da política partidária para a política
criminal", afirma.
O pesquisador destaca que não se pode negar o fato de que, desde o Mensalão, a corrupção e os "crimes de colarinho branco" passaram a ser pauta efetiva dos tribunais. Entretanto, o Judiciário acaba se impondo transversalmente à lógica da política. É como se a política só se movimentasse por estímulos jurídicos.
"A transição que não se fez nesse momento foi a de que existe outra polaridade diagonal que corta direita e esquerda - punitivismo, de um lado, e liberalismo
(ou, no jargão jurídico, garantismo), de outro. O garantismo é uma
visão crítica do sistema penal que pode alternar posições desde um
liberalismo estrito - independente de quem é julgado, todas as garantias
e direitos devem ser respeitados à risca - até um mais extremado, que
propõe a supressão do sistema penal ou, dada sua existência, a
resistência inflexível contra ele", pontua. Ou seja, nem esquerda, nem
direita, nem Judiciário estão acima da própria lei. Não é avaliar se Lula é inocente ou se o juiz Moro é oportunista. O debate vai além.
“Os intelectuais comprometidos com o governismo e o apoio crítico não conseguem visualizar isso porque continuam fingindo que 2013
não aconteceu. Em resposta a tudo isso, tudo que o governismo tem
conseguido mobilizar é a teoria das ‘forças ocultas’”, afirma.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, Pinto Neto também comenta as manifestações do último domingo, 13-03-2016, pontuando que diferente de Junho de 2013, a manifestação deste ano “se canaliza para a forte rivalidade eleitoral de 2014 e o ingrediente extra da Operação Lava Jato”.
Na avaliação dele, “aglomerações multitudinárias, em que o sujeito é
'ninguém' e 'todos', têm tido um perfil mais à direita, associado ao
público crítico do petismo, à classe média tradicional e seu
ressentimento em relação às transformações brasileiras da última década e
aos embates cotidianos com movimentos de esquerda e minoritários”."
Da incompreensão das ruas à judicialização da política brasileira. Entrevista especial com Moysés Pinto Neto
"No intervalo entre as
forças políticas tradicionais, hoje quase totalmente deslegitimadas
diante do povo que as elegem, e o vazio de representatividade da
negativa de voto e do voto nulo, emerge um campo gigantesco que alguns
nomeiam de ‘antipolítica’. Aqui se situa um espaço de perigo extremo
que, como costuma acontecer, é também um espaço de possibilidades para
ultrapassar a crise", afirma o pesquisador.
Imagem: http://1.bp.blogspot.com/ |
O pesquisador destaca que não se pode negar o fato de que, desde o Mensalão, a corrupção e os "crimes de colarinho branco" passaram a ser pauta efetiva dos tribunais. Entretanto, o Judiciário acaba se impondo transversalmente à lógica da política. É como se a política só se movimentasse por estímulos jurídicos.
"A transição que não se fez nesse momento foi a de que existe outra polaridade diagonal que corta direita e esquerda - punitivismo, de um lado, e liberalismo
(ou, no jargão jurídico, garantismo), de outro. O garantismo é uma
visão crítica do sistema penal que pode alternar posições desde um
liberalismo estrito - independente de quem é julgado, todas as garantias
e direitos devem ser respeitados à risca - até um mais extremado, que
propõe a supressão do sistema penal ou, dada sua existência, a
resistência inflexível contra ele", pontua. Ou seja, nem esquerda, nem
direita, nem Judiciário estão acima da própria lei. Não é avaliar se Lula é inocente ou se o juiz Moro é oportunista. O debate vai além.
“Os intelectuais comprometidos com o governismo e o apoio crítico não conseguem visualizar isso porque continuam fingindo que 2013
não aconteceu. Em resposta a tudo isso, tudo que o governismo tem
conseguido mobilizar é a teoria das ‘forças ocultas’”, afirma.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, Pinto Neto também comenta as manifestações do último domingo, 13-03-2016, pontuando que diferente de Junho de 2013, a manifestação deste ano “se canaliza para a forte rivalidade eleitoral de 2014 e o ingrediente extra da Operação Lava Jato”.
Na avaliação dele, “aglomerações multitudinárias, em que o sujeito é
'ninguém' e 'todos', têm tido um perfil mais à direita, associado ao
público crítico do petismo, à classe média tradicional e seu
ressentimento em relação às transformações brasileiras da última década e
aos embates cotidianos com movimentos de esquerda e minoritários”.
Para ele, “os limites dessa direita
também são óbvios, já que o perfil social não consegue extrapolar uma
fatia da população. Movimentos de perfil liberal, como o MBL [Movimento Brasil Livre], estão crescendo, mas são pouco representativos”. E adverte: “O fato de em 13-03 Bolsonaro ter sido o único a conseguir discursar, e não as alas moderadas, é extremamente preocupante”.
Moysés Pinto Neto
é graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul - UFRGS, mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS e doutor em Filosofia
nessa mesma instituição. Leciona no curso de Direito da Universidade
Luterana do Brasil - Ulbra Canoas.
Confira a entrevista.
Foto: Arquivo Pessoal |
Moysés Pinto Neto -
Todos esses fatos são impressionantes e exigem muito mais informações
que disponho. Porém, aproveito para fazer uma leitura da 'judicialização da política' que tem ocorrido no Brasil nos últimos anos, questão que acho bastante importante.
Em 2012, inicia-se o julgamento do "Mensalão". O Governo tem índices turbinados e não corre riscos, mas, para surpresa de todos, o Ministro Joaquim Barbosa
assume uma dianteira agressiva na condução do processo e, contra a
tendência liberal com crimes de colarinho branco que costumam ter os
Tribunais, inicia um processo que irá desaguar na "judicialização da política"
que vemos hoje. Desde essa época, equívocos têm proliferado na análise
por se postular uma transitividade não mediada da política partidária
para a política criminal. O petismo, revoltado com o tratamento
punitivista e avesso às formalidades de Barbosa, passa a atacá-lo a partir de uma blogosfera cada vez mais poderosa em influência.
Questiona-se a seletividade do STF e chega-se a defender seriamente, por muitas vezes, a possibilidade de que Barbosa concorresse a cargo eletivo de presidente em 2014. A surpreendente condenação de Dirceu
e demais dirigentes petistas faz com que boa parte da esquerda compre a
tese de que o "domínio do fato" seria uma estratégia inventada para
condenar o PT, sem qualquer base teórica no Direito Penal (o que não é simplesmente verdade, ainda que porventura possa ter sido mal-aplicada pelo STF).
A transição que não se fez nesse momento foi a de que existe outra polaridade diagonal que corta direita e esquerda - punitivismo, de um lado, e liberalismo (ou, no jargão jurídico, garantismo), de outro. O garantismo
é uma visão crítica do sistema penal que pode alternar posições desde
um liberalismo estrito - independente de quem é julgado, todas as
garantias e direitos devem ser respeitados à risca - até um mais
extremado, que propõe a supressão do sistema penal ou, dada sua
existência, a resistência inflexível contra ele.
A primeira posição pode ser
compartilhada - e de fato é - inclusive por pessoas mais identificadas
com a direita, enquanto a segunda tende a ser mais exclusiva da
esquerda. No caso do Mensalão, o perfil de Barbosa é claramente próximo ao que se nomeia - com base em um artigo de Maria Lucia Karam
- de "esquerda punitiva", uma esquerda que acredita na utilização do
sistema penal como mecanismo de equilíbrio social nos crimes de
colarinho branco.
As arbitrariedades de Barbosa
e outros, portanto, não foram uma anomalia no sistema penal: na
verdade, revelam como esse sistema opera normalmente, em quase todos os
casos, já que a maioria dos juízes se identifica com o punitivismo.
A anomalia foi atingir crimes que normalmente ficam impunes por falta
de "cobertura normativa", quando algum ator normalmente blindado pela
seletividade perde, devido ao jogo político ou econômico, a blindagem.
Foi o que ocorreu com o PT.
Depois da primeira onda voltada para o transporte urbano, 2013
recebe uma força complementar da classe média ressentida indo às ruas
para protestar contra a corrupção, agora com a possibilidade de levantar
o julgamento do Mensalão como emblema. Essa indignação
era até disputável naquele momento, já que se mesclava com uma
insatisfação com os serviços públicos e demandas que poderiam resultar
em transformações sociais importantes no Brasil (por exemplo, um
investimento maciço em saúde e educação como resposta).
Hoje, no entanto, ela se canaliza para a forte rivalidade eleitoral de 2014 e o ingrediente extra da Operação Lava Jato. Abastecida com o precedente do Mensalão e com o punitivismo que grassa solto no Poder Judiciário e Ministério Público, a Lava Jato consagra um novo grau de judicialização da política que cruzou como outra diagonal 2013 e a nova direita.
Se a repressão (também no sentido
psicanalítico) de 2013 entre a esquerda provocou a desorientação e
desorganização geral, pode-se dizer que uma das pautas dos movimentos - a
indignação contra a falta de representatividade do peemedebismo
("antipolítica") - acabou sendo encampada pelo Poder Judiciário.
Assim, tem-se uma visão político-criminal punitivista
que encontra espaço para atuar reforçando laços de "solidariedade
mecânica" em uma sociedade que se vê "anômica", especialmente quando o
Executivo e o Parlamento refletem uma incrível incapacidade de diálogo e
claramente um funcionamento puramente endógeno e interessado na
auto-reprodução dos próprios privilégios. Eduardo Cunha é um dos emblemas disso.
Estado de exceção
Ler a prisão de Lula como a entrada em um "estado de exceção"
passa por vários equívocos - se estado de exceção é algo explicitamente
vinculado à situação atual. Primeiro, de projetar a disputa
político-partidária sobre a política-criminal sem mediações. Na verdade,
há uma encampação de um punitivismo socialmente legitimado que judicializa a política, mas ainda se situa no espaço comum usado pelo sistema penal.
A posição de Moro não é nada estranha no Poder Judiciário. Juízes e Promotores que colocam a "justiça" da punição acima de regras formais são extremamente comuns, tanto que vários advogados garantistas - mesmo muitos sendo identificados com a direita - têm insistido em se opor aos métodos.
Essa é uma disputa político-criminal (e em torno dos direitos humanos, claro). As explicações para o arbítrio contra o PT
não requerem muita reflexão fora dos quadros tradicionais da
Criminologia: quando alguém então imune perde sua cobertura por algum
jogo perdido no poder, pode ser alvo de uma seletividade especial, como
diz Zaffaroni e outros em um livro mais ou menos recente. Se as manobras fora da lei ou impetuosas formam um estado de exceção, ele não é novidade alguma em relação ao sistema penal. Por outro lado, o que significa "perder a cobertura" nesse caso?
Aqui sim, temos uma transição mediada
para a disputa política. Há uma mudança dupla que atua no caso:
primeiro, o sistema político está perdendo a blindagem devido à
movimentação "antipolítica" que vem dos movimentos de 2013 e segue operando na sociedade; segundo, o PT
perdeu sua base social pela sucessão de erros e operações escusas com
as quais o neodesenvolvimentismo engoliu o legado democrático do
partido.
Os intelectuais comprometidos com o governismo e o apoio crítico não conseguem visualizar isso porque continuam fingindo que 2013
não aconteceu. Em resposta a tudo isso, tudo que o governismo tem
conseguido mobilizar é a teoria das "forças ocultas": haveria uma grande conspiração midiático-judiciária e internacional com o intuito de derrubar as conquistas sociais dos últimos anos, buscando com isso inviabilizar Lula como Presidente em 2018. É uma teoria "coerente", mas não se pode culpar as pessoas por não acreditarem em forças ocultas.
Para os que não acreditam, organizar
esse caos é condição de sobrevivência, sob pena de sermos engolidos por
forças políticas reativas que podem vir com uma voracidade enorme,
movidas e apoiadas por um exército de descontentes, inclusive os
próprios pobres que o PT se orgulha de ter como
aliados, mas que geralmente não avaliam o governo pela identidade
política, e sim por critérios pragmáticos que hoje ele não consegue mais
satisfazer.
“Vivemos claramente no contexto mundial uma crise das mediações” |
IHU On-Line - Em que medida
podemos considerar que o sistema representativo no modo como está dado
chegou aos seus limites? Como esses limites se personificam nas
“crises”?
Moysés Pinto Neto - Vivemos claramente no contexto mundial uma crise das mediações. A democracia representativa, desenvolvida pelo Iluminismo
no século XVIII e aperfeiçoada ao longo do século XX pelo desafio dos
totalitarismos, funciona com parâmetros que - na era da
hiperconectividade, com seu encurtamento do tempo e do espaço - são
considerados de baixa intensidade por uma multidão de descontentes.
Ao mesmo tempo, a progressiva colonização do sistema político pelo mercado financeiro
e grandes agentes econômicos representando uma fusão baseada na
forma-espetáculo que é requisito para eleição de um político, tira
legitimidade daquele que é praticamente o único momento de participação
direta: o voto.
A transformação das eleições em uma
máquina performática provoca a erosão dos debates substanciais: cada vez
mais candidatos querem dizer menos para parecer mais e os marqueteiros
(o Brasil é um caso emblemático, mas não único) assumem o protagonismo.
Repete-se o oferecimento de uma caixa de
mentiras vazias que o candidato, uma vez eleito, irá dispensar
"realisticamente". Em vez disso, tenderá a fazer um governo tecnocrático
governando com as forças do status quo - entre elas, seus financiadores
eleitorais - formando um conglomerado político-econômico que alguns
nomeiam "a casta".
A crise ética
A crise da mediação é
também uma crise da "palavra" entendida como signo de fiança, da força
performativa e ética da própria linguagem, reduzida a um papel
instrumental e manipulatório. Como mostra Giorgio Agamben
em um dos seus melhores textos, a sociedade do espetáculo se apropria
da força material da linguagem fazendo da imagem sua matéria-prima, mas
esvazia o potencial transformador dessa operação, consagrando o próprio
vazio que de chance do novo passa a repetição do mesmo.
Assim, a crise da mediação é uma crise ética,
já que toda ética se pauta pela relação com a alteridade e essa relação
se estabelece a partir da crença. Quando os alicerces do sistema estão
baseados em um engodo constitutivo, em uma forma de política que
naturalizou a quebra da confiança, estão dadas as condições para uma
crise geral. Um dos sentidos da ética remete a uma "morada comum", um
habitar coletivo, justamente aquilo que é condição de possibilidade da
política e atualmente encontra-se abalado.
No intervalo entre as forças políticas tradicionais, hoje quase totalmente deslegitimadas diante do povo que as elegem, e o vazio de representatividade
da negativa de voto e do voto nulo, emerge um campo gigantesco que
alguns nomeiam de "antipolítica". Aqui se situa um espaço de perigo
extremo que, como costuma acontecer, é também um espaço de
possibilidades para ultrapassar a crise. Trata-se de uma negação
sistêmica, a rejeição de todos antecipada pelos argentinos com seu "Que se vayan todos".
Mas é preciso dizer que há vários cortes
transversais nessa antipolítica. Anarquistas podem ver esse movimento
como a possibilidade de formação de coletivos de
auto-organização que, ao rejeitar lideranças verticais e a política
tradicional, poderiam criar espaços de convivência livres, laboratórios
de uma nova sociedade, como certa vez Peter Pal Pélbart chamou o Parque Augusta
de São Paulo. Ao dizer não ao sistema representativo e postular no seu
lugar uma formação horizontal, esses coletivos criam "zonas de autonomia
temporária" cujo modelo hoje são as ocupações, reescrevendo o espaço
urbano e rural, as formas de afeto e convivência, o modelo econômico
etc, construindo uma política participativa de altíssima intensidade que fugiria ao Estado/Mercado e sua verticalização hierárquica da política.
A polarização social contra a casta: em nome da “gente comum”
Outra forma de ler essa negação sistêmica já mencionada passa pela chave do "populismo",
entendendo que os novos movimentos sociais não podem ficar reduzidos a
essa dimensão anárquica que alguns chamaram pejorativamente de "folk politics".
Em lugar disso, dever-se-ia (o sujeito político aqui não
necessariamente se identifica com "a esquerda") adotar o desafio de
construir um consenso, superar a fragmentação e tomar o poder, assumindo
inclusive a perspectiva de uma liderança vertical e a polarização
social contra "a casta".
É a perspectiva do Podemos, como já dito, e corresponde a um programa forte que confrontaria o neoliberalismo
em nome da "gente comum" que sente seus efeitos diretamente, sem
necessidade de passar por um crivo "identitário" em relação às pautas
tradicionais de esquerda. Essa interessante nomenclatura inaugurada pelo
Podemos ajuda a cortar a política de modo mais claro
que entre "direita" e "esquerda", evitando as ilusões acerca da última,
mas deságua numa teoria do populismo que tampouco parece satisfatória, já que é uma crise desse modelo que hoje se vive na América Latina. Apesar disso, ao menos o Podemos tem arriscado e experimentado, coisas que são absolutamente necessárias em um cenário desértico como o nosso.
O perigo da antipolítica
Finalmente, também é possível fazer uma leitura do perigo que a "antipolítica" provoca. A chance de que essa persistente desconstrução do sistema político provoque um efeito de unificação forçada é grande. Jacques Derrida,
aliás, nunca pretendeu que a noção de desconstrução se confundisse com
um estado de pureza e redenção "pós-preconceitos", como se vulgarizou
por aqui, mas sim como uma instabilidade que desarticula as organizações
sedimentadas e, com isso, carrega um risco imanente de dilaceração
integral.
Derrida sempre colocou que as exigências da vida passam por uma certa economia da desconstrução, já que esta - como toda questão que envolve diferença - envolve um mergulho na morte, numa clara alusão a Freud.
Esse estado caótico em que tudo perde forma, portanto, pode conduzir a
uma dissolução integral indesejável que, quando realizada, é o próprio
mal. É o ponto mais complicado das "filosofias da diferença" entender o
papel da organização (trabalho em que meu amigo Rodrigo Nunes, no Brasil, tem desempenhado papel importante).
Deleuze e Guattari também afirmam, em "Mil Platôs",
que a desterritorialização total pode levar a um grau zero que é a
própria expressão de um desejo de destruição integral fascista. Podemos
visualizar isso com clareza na Europa, em especial na própria França com a ascensão de Le Pen, assim como nos EUA com a possibilidade de candidatura de Donald Trump.
Mesmo filósofos críticos da ideia de que exista um "populismo", como Jacques Rancière,
pautando-se por um igualitarismo que encontraria expressão nessas
demandas contra os diversos "ódios contra a democracia", reconhece que
esse populismo também alimenta a extrema-direita e suas
pautas xenófobas, violentas e voluntaristas. A reorganização forçada a
partir de uma liderança autoritária que estabilizaria o sistema de modo
radical, sem deixar restos e arestas de conflito, é a ameaça mais grave
por que passam as democracias ocidentais, perdendo o legado que o fim
dos totalitarismos deixou em termos de respeito aos direitos humanos e
ao Estado de Direito.
Assim, a antipolítica
pode ser capitalizada de diversas formas, tendo em comum a rejeição em
bloco de todo sistema de mediação e variando em termos de uma
reunificação à direita ou à esquerda, ou simplesmente uma fragmentação
pluralizante que organizaria de outro modo a política (em termos
utópicos).
O perigo disso tudo, entretanto, é o
estado de inconsistência se prolongar em demasia, favorecendo uma
solução de unificação autoritária. A desconstrução não pode ser evitada
e, como Derrida certa vez coloca, confunde-se com a
própria democracia. No entanto, o estado de instabilidade absoluta, sem
qualquer organização e rejeitando qualquer forma, é a própria morte.
A "antipolítica" confunde-se, de certo
modo, com esse estado de morte. Ela precisa ganhar forma e organização,
saindo do eixo da negatividade absoluta, ou pode ser engolida por forças
de unificação totalitárias que "resolveriam" o caos instaurado de modo
violento. Entender essa "economia" me parece, hoje, o exercício mais
importante para reconstrução da "esquerda", se é que esse signo ainda é útil (ou então o que se queira colocar no lugar dela).
IHU On-Line - Como podemos
relacionar o genocídio a que é submetido o povo indígena brasileiro ao
atual modelo político-econômico que leva a representatividade ao seu
limite?
Moysés Pinto Neto - As questões tocam-se parcialmente. Se observarmos, por exemplo, os movimentos contra a Copa e agora contra as Olimpíadas,
havia a demanda (que não soube ser ouvida pela esquerda tradicional,
nem no governo nem entre seus intelectuais e mídia alinhada) por um
enfrentamento contra os conglomerados econômicos que controlam as
cidades e, com elas, o sistema político e a própria democracia.
Esses oligopólios da construção civil construíram um projeto de cidade
baseado na gentrificação (apelidada "revitalização"), transformação de
espaços abertos em áreas fechadas e vigiadas (condomínios fechados
"personalizados" e cada vez mais "totais"), homogeneização e
higienização (apelidada "modernização"), enfim, a transformação da
paisagem urbana em um cenário atomizado, hipercontrolado e com o acesso
regrado pelo dinheiro.
Assim, a contradição com o projeto petista
era patente: de um lado, postula-se ser o partido da "inclusão" como
sua principal identidade correspondente aos programas sociais; de outro,
projeta-se sobre o espaço urbano um projeto excludente e afinado com o
capitalismo mais predatório.
No campo, a figura era ainda pior. O
alicerce que turbinou na primeira década os índices econômicos, chamado
de boom das commodities, solidificou a aliança do PT com os ruralistas, sintetizado na aliança Kátia Abreu/Dilma, a ponto de a ministra hoje integrar a "cota pessoal" da presidente.
Vários intelectuais sul-americanos, cito Eduardo Gudynas como exemplo, vem denominando esse modelo de "neoextrativismo", dada a ostensiva colisão entre a proteção ambiental e as políticas de desenvolvimento levadas a cabo pelos governos "progressistas" na América do Sul.
A questão que parecia mais ou menos resolvida - relação da esquerda com
o ambientalismo - de repente regride vertiginosamente, sobrepujada pelo
modelo de expansão do capitalismo combinado com políticas sociais com metas exponenciais de crescimento e imaginário industrial.
Por volta de 2010/2011, chamava isso de
"modelo chinês" e muitos interlocutores acreditavam que estava
exagerando na comparação. Hoje fica clara a dependência em relação à China
- uma espécie de colonialismo soft que se escala em muitos
subcolonialismos na hierarquia internacional - e as consequências
ambientais que os chineses vivem no seu país desse crescimento sem
contrapartida ambiental, inclusive ameaçando a sobrevivência do regime.
Aqui, ainda não calculamos os impactos de agrotóxicos e transgênicos usados sem controle e em completo desacordo com o princípio da precaução.
“A antipolítica pode ser capitalizada de diversas formas, tendo em comum a rejeição em bloco de todo sistema de mediação e variando em termos de uma reunificação à direita ou à esquerda” |
A esquerda e o tacanho imaginário
Ora, como sabemos por meio de antropologia, os índios
vivem sob outro regime cosmopolítico. A noção de "natureza" não é
comparável a um fundo externo energético que pode ser consumido
livremente pelo "ser superior" - porque "reflexivo" e "linguageiro" - da
pirâmide espiritual dos seres vivos. O antropocentrismo ocidental, base
da devastação ambiental que hoje nos coloca na era do "Antropoceno",
não é compartilhado pelos povos indígenas, que veem a natureza como um
espaço político de relações em que as próprias posições de presa e
predador - na nossa cultura bem definidas a partir de uma máquina da
produção industrial, por exemplo - variam conforme a situação, tornando o
próprio predicado de "humano" algo em constante permutação entre os
habitantes da floresta.
A diferença pode ser constatada com
facilidade se compararmos, por exemplo, o entusiasmo da esquerda com a
descoberta e exploração do Pré-Sal, espécie de elo entre o trabalhismo getulista - do qual Dilma é oriunda - e o petismo lulista, então convertido no projeto do "Brasil Grande" ou "Brasil potência", com a visão do xamã Davi Kopenawa Ianomami, recentemente publicado em português na obra conjunta com o antropólogo Bruce Albert, em torno da "fumaça do metal" e suas consequências. São duas cosmovisões totalmente antagônicas.
O triste é que, mesmo muitos depois de Lévi-Strauss e tendo no Brasil antropólogos como Manuela Carneiro da Cunha, Eduardo Viveiros de Castro, Marcio Goldmann, Mauro Almeida e Tania Stolze Lima - para citar apenas alguns por quem conhece pouco a área -, a maior parte da esquerda brasileira continua cultivando o tacanho imaginário evolucionista, posicionando os índios
como parte do "atraso" nacional que precisa ser "modernizado" e
"incluído", de preferência transformado em "trabalhador" para dar
"produtividade" às suas terras, como se o regime cosmopolítico indígena
fosse pautado pelo "crescimento extensivo", a eterna falta que nunca
sossega até destruir e esgotar todo seu entorno.
O que se foi percebendo, aliás, ao longo dos quatro primeiros anos do Governo Dilma, tidos por muitos como "a maior ofensiva anti-indígena desde a Ditadura Militar", é que esse antagonismo foi crescente, dada a simpatia da mandatária por ruralistas e pelo modelo neoextrativista,
e ao mesmo tempo o campo de antropologia e dos direitos humanos, dois
entre os diretamente vinculados com a "causa indígena", passam a
abandonar de modo radical o navio petista, passando a uma oposição
ferrenha. Aliás, a antropologia vinha desenvolvendo a possibilidade
inversa, ou seja, a de que o modelo de relação com o ambiente dos povos
indígenas pudesse se transformar em uma referência. Essa hipótese foi
completamente descartada pelo projeto neodesenvolvimentista petista.
IHU On-Line - De que forma
podemos construir um modelo de representatividade que respeite a
multiplicidade de culturas (suas necessidades sociais e econômicas) que
existem numa nação, especialmente no Brasil? Como fugir à lógica da
representatividade financeirista que busca uma cultura homogeneizada?
Moysés Pinto Neto -
Esta pergunta é muito complexa. Na verdade, ela tem em si um programa
coletivo de pesquisa, não algo que eu possa responder sozinho. De todo
modo, algumas coisas são mais ou menos visíveis e outras nem tanto. A
primeira é que, se queremos construir uma forma pluralista, é preciso
ouvir a todos.
O neodesenvolvimentismo teve como característica, ao contrário, uma posição tecnocrática,
uma espécie de empáfia da verdade (a velha flecha inevitável do
"moderno" que é, enquanto moderno, sempre melhor) fechado para ouvir os
dilemas que a forma atual de crescimento nos leva tanto em relação ao
nosso entorno - condição sine qua non para nossa própria vida -, quanto
em relação a como nós vivemos, de qual imagem pretendemos ter em relação
à nossa própria maneira de ser e habitar o mundo.
A noção de que o consumidor é o
indivíduo mais feliz possível no estágio atual mundial, e que temos que
fazer de tudo para alastrar essa condição, é resultado de uma pobreza do
imaginário antropológico que poderia ter sido contornada se houvesse
mais democracia, mais participação, mais pluralidade de vozes e menos
controle de oligarquias políticas e econômicas, menos tecnocracia,
dirigismo e autoritarismo, menos voluntarismo e mais experimentação.
Não estou dizendo, por óbvio, que é ruim
ter havido uma melhoria na qualidade de vida dos mais pobres - fato
incontornável, ainda que hoje sub judice, em especial quanto à
continuidade - e que isso envolva a possibilidade de consumir mais.
Estou me referindo a uma construção do "ethos", da cultura nacional
enquanto autoimagem baseada na figura do consumidor feliz, na ostentação
e nos valores que povoam o mundo da publicidade e do capitalismo
contemporâneo.
A própria subestimação da questão da educação
- que teve avanços, mas a maioria oriundos mais de aberturas com
efeitos imprevisíveis que de programa e planejamento - em detrimento de
um enfoque totalmente fechado em emprego e renda, é consequência dessa
visão monolítica e unidimensional do progresso.
Aliás, Celso Furtado, que inspira - ainda que sob muita controvérsia entre seus adeptos - o "neodesenvolvimentismo",
afirmava que a transformação "modernizadora" supõe um certo nível de
homogeneidade cultural para além do crescimento econômico. A flecha
modernizadora não é apenas um índice estatístico, é também a instauração
de uma nova forma de habitar e se referir ao mundo.
Hoje esse debate pode parecer utópico e
bem distante da realidade, mas, quando tinha alta popularidade, o
projeto estava em aberto e principalmente a partir de 2013, com a pressão das ruas, o PT
poderia ter engendrado uma proposta mais plural, algo que garantisse a
diversidade e multiplicidade brasileira em detrimento dessa concepção
unidimensional da "grande classe média" baseada no Welfare State
cujas condições, hoje, não estão mais presentes. O encolhimento do
horizonte do debate público em torno do que é o Brasil, ou sobre a
possibilidade de muitos Brasis, aconteceu quando tudo que preocupava o
Governo eram os números do crescimento, o progresso revertido em
capital.
IHU On-Line - Que leitura o
senhor faz dos ciclos dos governos de esquerda, desde a chegada ao poder
até o atual momento, no Brasil e na América Latina? Em que medidas
esses ciclos revelam também o que acontece com a esquerda no mundo?
Moysés Pinto Neto - Parece nítido que, como diz Salvador Schavelzon, o ciclo dos "progressismos" na América do Sul
está em declínio. E, estranho ou não, mais ou menos pelas mesmas
razões. Faço uma pequena retrospectiva dos passos do governo brasileiro e
depois comparamos.
Ao contrário do que se diz, quando o PT
assumiu o Governo Federal em 2002, apesar da votação expressiva, o
espaço de manobra não era tão grande. O PT assumiu com o compromisso da "Carta ao Povo Brasileiro" admitindo "entrar no jogo" e seguir suas regras. O "Lulinha Paz e Amor" de 2002 já não era mais o Lula
de sempre, mas um Lula que, mediante vários gestos políticos e
simbólicos, assumia uma posição de conciliação com o establishment. As
teses que usam a votação para jogar contra o PT possibilidades imensas
são irrealistas em relação à margem de manobra que dispunha o partido
naquele momento.
Havia uma certa clareza de que, para
vencer as eleições e governar, era necessário abrir mão de certos
parâmetros e fazer concessões. Essa negociação se estabeleceu por meio
da combinação entre administração "ortodoxa" da economia, com o par Palocci/Meirelles, e políticas sociais que atingiram a parte baixa da pirâmide social.
O lulismo, o peemedebismo e a governabilidade
2006 marca o momento descrito brilhantemente por André Singer e Marcos Nobre. Como resposta à crise política, o PT
acaba surpreendendo e revelando uma força subterrânea que emerge
inesperadamente, deslocando o eleitorado do chamado "subproletariado",
até então mais conservador, para o PT. Os programas sociais passam a
produzir efeito com o boom das commodities e o petismo se converte em "lulismo", liberando energias reprimidas e imprevistas na sociedade brasileira.
Ao mesmo tempo, o período será marcado
pelo pacto estratégico com o "peemedebismo", mantendo o sistema político
funcionando pela "governabilidade" e troca de favores que caracteriza a
fisiologia brasileira. A partir desse período, a aposta nos
"batalhadores" emergentes passa a ser o símbolo do petismo e a
instaura-se a polêmica contra a classe média, que passa a ser o alvo
negativo do discurso da esquerda por revelar seus preconceitos contra a
classe ascendente (chamada por alguns, inclusive o próprio Lula, de "nova classe média"...).
“O ciclo dos 'progressismos' na América do Sul está em declínio” |
Brasil: o grito ufanista do país soberano
Em seguida, em plena bonança lulista, a descoberta do Pré-Sal
acende o imaginário ufanista do "país soberano", próxima ao dos anos
30-50, gradualmente deslocando as políticas sociais e de direitos
humanos para a noção de crescimento econômico e "Brasil-Potência". Esse
imaginário despertado por Lula - que envolvia o reforço
da "autoestima do brasileiro" -, atendia os clamores do empresariado
sobre os "gargalos do crescimento" (ou seja, a infraestrutura) e recebeu
sua consagração final na eleição do Brasil para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
Da descoberta do Pré-Sal em diante inicia-se uma metamorfose do lulismo para a tecnocracia dilmista de inspiração varguista. Dilma torna-se a grande gerente do Governo e encurrala os "entraves ambientais" capitaneados por Marina Silva até que esta deixa o Governo, sendo mais tarde derrotada nas eleições (ainda que com votação surpreendente). Lula e Dilma passam à "segunda etapa" do lulismo, reivindicada pela esquerda petista (como o próprio André Singer), que seria sair da combinação entre ortodoxia econômica e políticas sociais agressivas e, em lugar disso, adotar uma saída neodesenvolvimentista, colocando o Estado como indutor do crescimento econômico.
É preciso romper de vez com o "neoliberalismo" e assumir o papel do Estado forte. O BNDES - como apontam as brilhantes reportagens de Consuelo Dieguez na Piauí
- opera como fonte do crescimento, formando um complexo oligopolista
com ambições internacionais na construção civil. O discurso do "Sul"
internacional serve como mote para essa inserção na economia globalizada
do complexo da construção civil.
Ao mesmo tempo - agora sabemos - acordos
"por baixo dos panos" eram travados para garantir financiamento
partidário e desvio de dinheiro público para as empreiteiras,
parasitando a máquina do Estado enquanto turbinava índices econômicos.
Ao lado disso, a política neoextrativista ganhava cada
vez mais força no campo, desfazendo as proteções ambientais e partindo
para a ofensiva contra os povos indígenas a fim de melhorar os números
do crescimento.
Desprezo à política
Esse período, de 2010 a 2013, é caracterizado pelo desprezo à política. A aprovação massiva de Dilma combinada à sua conhecida arrogância não permite questionamentos. Tempos em que a poderosa Gleisy Hoffmann, mais uma face do PT
ruralista, coloca rótulos de "minorias com projetos ideológicos
irreais" naqueles que discordam dos rumos do Governo. A política é
desnecessária, temos uma tecnocracia executando o PAC e garantindo que todos possam consumir. Surge, sem se confundir com o PSOL, outra oposição à esquerda.
As "minorias com
projetos ideológicos irreais" são ambientalistas, anarquistas,
defensores dos direitos humanos e os próprios índios e quilombolas
atingidos pelo projeto "Brasil-Grande" de Dilma. A "Modernização" é a única opção - "there is no alternative". A aliança com o PMDB
anda de vento em popa, a oposição está na defensiva e o discurso contra
a classe média segue produzindo o efeito de obstaculizar o crescimento
de qualquer oposição relevante.
Esse ciclo inicia seu declínio em 2013,
quando o Governo não reconhece aliados, mas inimigos, nas ruas,
distanciando-se em definitivo dos novos movimentos sociais, recebe uma
sobrevida em 2014, com a restauração da polarização no segundo turno
eleitoral, e fecha-se em definitivo no "estelionato", quando a esquerda percebe que Dilma iria executar o programa que atacou ao longo das eleições.
Não vivenciei os outros governos da América Latina,
mas em geral percebe-se que o diagnóstico não é muito diferente. Temos
ciclos de alta mobilização social seguidos de medidas tecnocráticas
desenvolvimentistas e extrativistas, com conflitos com indígenas em
quase todos os países, polarização extremada e florescimento de grupos
liberais entre as classes médias que terminam se elegendo diante da
pressão política sobre os governos e definhamento dos programas da
esquerda. Sobra, entre governistas, apenas a identidade da esquerda.
A diferença é que Argentina, Uruguai, Venezuela, Peru e Bolívia
parecem ter tocado em algumas questões estruturais, como a política de
drogas, o julgamento dos crimes da ditadura ou a autonomia indígena,
enquanto no Brasil essas questões ficaram em
banho-maria até o ponto (hoje) em que não há mais qualquer clima para
serem debatidas. Não quero dizer com isso que tenhamos vivido a mais
fraca dessas experiências, porque ela está situada em um contexto
específico, mas que há diferenças em termos de institucionalização de
legados claríssimas.
IHU On-Line - Em que medida o
neodesenvolvimentismo é um ícone desse sistema representativo que não dá
mais conta das necessidades de hoje? Quais os caminhos possíveis para a
constituição de um modelo que supere os limites das lógicas
neodesenvolvimentistas e, especialmente, constitua um desenvolvimento
verdadeiramente progressista e inclusivo?
Moysés Pinto Neto - O neodesenvolvimentismo
comunga o imaginário do século XX, com um capitalismo industrial,
Estado forte e indutor do crescimento, inclusão e proteção social
garantida com sindicalismo forte, formação de uma "grande classe média" e
imaginário político unificado em torno do nacionalismo. Tudo isso mudou
drasticamente na era da globalização. O encurtamento do tempo e do
espaço transnacionalizou os problemas, o mercado financeiro e as grandes
corporações têm mais peso que os próprios Estados, a Internet tornou a
informação exponencial e os grupos mais conectados independente das
fronteiras e problemas ambientais como as mudanças climáticas cortam as
mais diversas sociedades sem reconhecer diferenças, salvo que as mais
vulneráveis economicamente, apesar de menos responsáveis pelos impactos,
serão as que mais sentirão esses efeitos.
Não existe uma "burguesia industrial" separada do mercado financeiro,
os sindicatos têm um poder de barganha muito reduzido e formas de
organização ultrapassadas (inclusive são vistos com antipatia por
segmentos estratégicos para o lulismo como os "batalhadores"), há
questões que cortam e dividem a sociedade para além das classes e a
economia opera de modo autônomo em relação à política. O neodesenvolvimentismo
fracassou porque suas premissas são de outro momento histórico e tudo
que conseguiu propor foi um "front de resistência" em relação ao status
quo mundial. Mas um front de resistência não é um projeto de futuro.
“Não há, a longo prazo e alcance, uma alternativa programática da esquerda em torno da saída do capitalismo” |
Perspectiva contrastante
Em um interessante livro com o qual não concordo em muitos pontos, mas que levanta questões pertinentes, Nick Srnicek e Alex Williams,
autores do "manifesto aceleracionista", colocam algumas ideias
interessantes sobre esse tema. A primeira é que para eles o ciclo
iniciado em 2010 a partir da crise de 2008 foi uma "janela perdida" de transformação. Surpreendentemente, eles dão a etapa como encerrada.
Não há atualmente - e nesse ponto acho
que eles têm um ponto interessante, embora não totalmente válido - uma
verdadeira alternativa ao neoliberalismo. A
planificação integral da economia pelo Estado, alternativa do
"socialismo real", não faz frente ao desafio atual. Logo, talvez não
seja por simples "falta de vontade" que os governantes de esquerda
acabem sucumbindo ao neoliberalismo.
Talvez seja porque ainda não foi
desenvolvida uma perspectiva contrastante à altura pela esquerda,
especialmente em face da mundialização dos mercados. Além disso, a intervenção do Estado
continua tendo os mesmos problemas de sempre: ineficiência,
burocratização, centralização e corrupção. Não consegue se firmar como
contraponto ao livre mercado, mas como seu complemento cíclico - ambos
operando uma máquina de sucção de energia para promover o "crescimento
econômico" seguindo a lógica extensiva do Ocidente.
Não concordo com a visão unificadora de Srnicek e Williams, nem com boa parte das suas críticas a "folk politics",
mas em um ponto eles realmente estão certos: não há, a longo prazo e
alcance, uma alternativa programática da esquerda em torno da saída do capitalismo. Não sabemos como reagir nacionalmente a uma pressão dos mercados internacionais que não seja de modo quixotesco.
Se observarmos a declínio dos progressismos na América do Sul (sobretudo na Argentina, Brasil e Venezuela), em comum parece haver a dificuldade de tocar a "segunda etapa" do projeto. Podemos dizer que a esquerda sempre saiu na frente em qualquer disputa no Brasil,
dado que os índices de pobreza e desigualdade social, herança do
escravismo, são aberrantes. A vantagem era uma vantagem moral, já que se
situar como conservador numa sociedade com esse perfil era realmente
complicado.
O PT soube aproveitar
essa vantagem e, com suas políticas sociais, deu um salto qualitativo
que hoje se faz sentir claramente no Brasil. No entanto, o problema foi a
"fase II". Depois de tirar milhões da miséria, qual o passo político e
econômico seguinte? Então veio a resposta neodesenvolvimentista: a governabilidade, o pacto com as empreiteiras, o mito da burguesia industrial nacionalista, a derrama de recursos com o BNDES, a Copa.
Não por acaso há, na lacuna de boas alternativas, um crescimento do pensamento liberal
no Brasil - e isso não apenas na classe média, como se diz. Há ainda
intelectuais que consideram o posicionamento mais conservador ou liberal
como uma ofensa em si mesma, sem necessidade de fundamentação
contrária. Cada vez mais, diante do fracasso da "nova matriz econômica",
fica nítido que existe um espaço vazio que os liberais ocupam e a
esquerda não tem boas respostas. Construir essas respostas, disputando
esse espaço para além do dogmatismo vermelho, me parece uma tarefa
urgente.
IHU On-Line - Como analisa os
movimentos sociais, e os coletivos, de hoje e suas formas de construir
novas representatividades? O que trazem de novo e o que atualizam do
velho modelo?
Moysés Pinto Neto - Os movimentos sociais
exigem um capítulo à parte que não vou desenvolver com profundidade.
Fazendo um recorte pequeno de muitas coisas diferentes, dá para dizer
que houve uma explosão de movimentos desde 2013 e uma significativa alteração de perfil em relação a outros mais antigos, como o MST e o movimento sindical. Em 2013,
a maioria dos movimentos tinha perfil jovem, hiperconectado, plural e
horizontal, voltado para um corte transversal da política a partir da
questão urbanística, usando os novos métodos como as ocupações e as
redes sociais digitais. Desde então, tem crescido uma tendência para a
política de identidades, que em parte já estava presente há bastante
tempo - também em 2013 -, mas se conectava com uma demanda geral até as redes longas da política institucional.
Agora, o enfoque nos últimos dois anos
tem sido mais micropolítico, sem conexão direta com a política
tradicional. Certamente isso está ligado não só à urgência de várias
lutas micropolíticas, mas também a um descrédito geral da esquerda como mediadora de demandas minoritárias. Movimentos como o MPL [Movimento Passe Livre], que assumiram uma posição importante em 2013, e as recentes ocupações de escolas paulistas
têm um papel importante, mas não conseguiram promover uma capilarização
geral. A hesitação em torno do governismo e a ameaça de que massificar
as ruas possa incentivar a direita a também ocupar, como em 2013, são seguramente elementos que provocam a desorganização, desestabilização e o enfraquecimento desses movimentos.
Nesse sentido, aglomerações
multitudinárias, em que o sujeito é "ninguém" e "todos", têm tido um
perfil mais à direita, associado ao público crítico do petismo, à classe
média tradicional e seu ressentimento em relação às transformações
brasileiras da última década e aos embates cotidianos com movimentos de
esquerda e minoritários. Os limites dessa direita também são óbvios, já
que o perfil social não consegue extrapolar uma fatia da população.
Movimentos de perfil liberal, como o MBL, estão crescendo, mas são pouco representativos.
Há também hordas ressentidas, como os fãs do Deputado Jair Bolsonaro,
que reagem contra as transformações sociais de modo virulento,
encampando o discurso do "politicamente incorreto" como válvula
catalizadora da antipolítica de direita. O fato de em 13-03 Bolsonaro
ter sido o único a conseguir discursar, e não as alas moderadas, é
extremamente preocupante. É preciso cuidado aqui para que o eleitor de
centro-direita não passe a se identificar com esse fascismo,
nem que ele possa vir a congregar uma pulsação unificante de um setor
anônimo, mas massivo, de descontentes contra tudo e todos.
“Apesar da maré desfavorável, há muitos esforços de organização de ações políticas contra a situação atual” |
IHU On-Line - Quais são os temas centrais para um debate público brasileiro que devem inspirar uma virada de época no país?
Moysés Pinto Neto - Não
tenho como arrolar todos os tópicos que devem ser discutidos pela
sociedade brasileira para uma "virada". Faço apenas um comentário sobre o
debate público. Tenho observado que, apesar da maré desfavorável, há
muitos esforços de organização de ações políticas contra a situação
atual. Porém, mesmo sob risco de ser acusado de intelectualista, diria
que o que mais falta atualmente não é vontade nem atitude, mas
pensamento.
A proliferação de chavões por todos os
lados, a memeficação da política, as futilidades das blogosferas rivais e
a extrapolação do Facebook para a vida - em uma individuação
sociotécnica ainda pouco pensada - acabou provocando a erosão do diálogo
e da possibilidade de pensar em soluções coletivas baseadas em pesquisa
e no conhecimento. Nunca imaginei que iria dizer isso, mas há uma ultrapolitização
que - por todos os lados - está inviabilizando o debate público,
fazendo com que todas as posições sejam demarcadas a priori e por razões
macropolíticas.
Não estou propondo fugir do debate
típico da filosofia e das ciências humanas em torno das relações entre
discurso e poder, que são inevitáveis, mas simplesmente contrapondo ao
relativismo hiperpolítico um certo distanciamento que permita ver as
coisas sob o longo alcance, passando por mediações teóricas menos
dogmáticas ou apaixonadas, fugindo dos rótulos fáceis e das soluções
mágicas. É simples perceber que chegamos ao esgotamento dos nossos
esquemas intelectuais em várias dimensões.
Vou dar um exemplo fácil: o debate sobre o Pré-Sal
nas eleições e depois delas passa, de um lado, por um nacionalismo de
tradição varguista e, de outro, por uma defesa do livre mercado pautada
na eficiência da iniciativa privada. Mas e a questão do impacto da
queima de combustíveis fósseis?
Durante as eleições, houve quem chamasse de "burguês" quem questionasse a exploração do Pré-Sal,
porque supostamente seria contra a educação pública, em especial para
os pobres, e no fundo estaria defendendo seus privilégios. Como eu
disse, é um exemplo fácil, basta ver que o clima não está muito
interessado no debate entre PT e PSDB e
que um contexto desfavorável terá impacto independente de quem está
explorando o petróleo, atingindo a todos independentemente da classe
social (ainda que sob impactos diferentes, piores para os pobres é
claro).
Do mesmo modo, a situação econômica tem recebido um tratamento do ajuste fiscal como uma "traição" (conceito moral), como se fosse possível simplesmente continuar postergando a política de incentivos do BNDES
e o controle de preços nas estatais ilimitadamente, como se tudo fosse
questão de vontade e não houvesse uma forte pressão do mercado que
atinge a economia como um todo, gerando uma inflação que pode corroer os
avanços sociais da primeira década. O fato de o Governo ter esticado
demais a corda, como até os economistas mais alinhados admitem, e
mentido sobre isso nas eleições, é o principal ponto, e não apenas
apontar a contradição no discurso e a falta de vontade.
O bloqueio do debate pelo PT
e suas sucursais midiáticas, vestidas do vermelho combativo enquanto
fazem o inverso na prática, é um dos nossos principais problemas. A
esperança na solução voluntarista continua sendo o principal mote da
esquerda. Aliás, o glamoroso enfrentamento com o mercado que alguns
lembram no primeiro mandato de Dilma foi feito de modo
voluntarista, sem estratégia e planejamento, desfazendo um dos alicerces
do lulismo que até então vinha funcionando. O problema não é apenas
confrontar o mercado e até o capitalismo, é saber como e quando, é fazer
isso de modo que funcione e não de modo demagógico.
Honestidade intelectual
Em síntese, é preciso que haja um
compromisso maior daqueles que tentam qualificar o debate em torno da
honestidade intelectual, da disposição para ouvir o outro lado, da
admissão de pontos fracos e dúvidas, da hesitação em afirmar
dogmaticamente algo como se fosse incontroverso. A partir disso, pode
reabrir o espaço para um debate público menos recheado
de chavões e manipulação, como tem produzido o ecossistema das redes
sociais, e mais produtivo em reflexão e alternativas.
Obviamente essa posição parece muito
idealista, mas creio que há uma confusão no caso entre consenso e
diálogo. Consenso pode ser o achatamento de perspectivas, a unificação
forçada, a interrupção da dissidência. Diálogo é possibilidade de
compartilhamento de experiência, do perspectivismo, da negociação e
também do diferendo, ou seja, dos pontos sem conciliação que colocam o
outro não na condição de inimigo, mas na de adversário. Falta-nos
diálogo, sobra agressividade.
IHU On-Line - Gostaria que o
senhor relacionasse a ideia de “crise da representatividade” ao Brasil
de hoje, com suas crises econômica, política e social, denúncias,
operações e ameaça a direitos constitucionais.
Moysés Pinto Neto - Desde 2002, houve pelo menos quatro momentos na crise de representatividade. A primeira, menor, se travou no interior da esquerda quando o PT enviou o projeto de Reforma da Previdência ao Congresso, gerando a dissidência que formou o PSOL.
Era uma ruptura mais ou menos prevista, mas imediatamente jogou uma
parcela para a oposição. Não foi uma crise tão grave porque a parcela
não era tão grande e o PSOL conseguiu ocupar esse espaço, ao menos
naquele momento.
A segunda crise foi a do "Mensalão":
um dos principais trunfos petistas sempre fora a "integridade" dos seus
membros, e o partido atacou fortemente seus rivais quando envolvidos em
corrupção. O desfazimento da "aura ética" do partido levou a
dissidência a aumentar no sistema político opositor e entre uma parte do
seu eleitorado tradicional, por exemplo, alguns intelectuais e uma
parte da classe média apoiadora, ainda que a maioria tenha sido
tolerante já que o partido havia há pouco tempo assumido o poder e
existia muita expectativa em torno das mudanças sociais.
A terceira crise foi a de 2013, o ano da maior manifestação política no Brasil desde a redemocratização. O que aconteceu naquele ano não pode ser dissociado do grande ciclo de manifestações mundiais
contra a falta de democracia e o surgimento de uma nova geração cidadã
ligada às redes sociais e novas pautas. O fato de tantas análises soarem
totalmente erradas hoje em dia é desconsiderar sua existência. A luta
pelo transporte público situou-se, nesse caso, como um emblema que, ao
lado da posterior violência policial, motivou as massas a saírem às ruas
com suas múltiplas demandas.
Porém o Governo e o governismo
preferiram rejeitar os manifestantes por duas razões: a primeira e mais
imediata é o projeto de poder que envolvia Haddad, nome promissor do PT e um dos alvos das manifestações, como alternativa para 2014 ou 2018, após Dilma sair do poder; a segunda, o clima de despolitização tecnocrática que não se interessava em ouvir as ruas. O governismo
transforma-se, assim, em uma defesa cínica da governabilidade, abrindo
mão de dialogar com a nova esquerda e preferindo apegar-se ao projeto em
andamento. No fundo, a crença de Dilma vem do velho
marxismo: a infraestrutura determinará a superestrutura. Por isso, as
manifestações foram tratadas com desdém e, quando encorparam, com
repressão.
Outro fato surpreendente é que, com o julgamento do Mensalão
ainda fresco na memória, a classe média mais conservadora voltou às
ruas (e com ressentimento pela humilhação recente causada pelo lulismo), desta vez usando o discurso da corrupção.
Ambos os lados, gritando "não me representa", situavam-se no campo da
"antipolítica". A ida da direita às ruas contra a corrupção, embalada
pelo julgamento do Mensalão, provoca o ressentimento da esquerda governista, que passa a identificar 2013 com apenas uma das suas faces. A janela de diálogo fecha-se definitivamente.
Enquanto isso, Marina Silva, articulando a Rede
fora dos holofotes e com um bom índice das eleições anteriores, dispara
em popularidade, formando uma diagonal imprevista entre direita contra a
corrupção (pela sua imagem de integridade) e esquerda verde (que ainda
não tem representação firme no Brasil). Nos últimos momentos de 2013, os
movimentos ganham fôlego no RJ e passam a incorporar o discurso contra a Copa - emblema-síntese do neodesenvolvimentismo Brasil-Grande -, formando uma onda de protestos (#naovaitercopa)
que é veementemente rechaçada, perseguida e punida pelos Governos
Estadual e Federal, além de rejeitada discursivamente pela blogosfera
progressista e militância em geral (#vaitercopa). Percebe-se o
impacto desse momento pelo léxico até hoje presente nessa geração nova
da política.
“Direita e esquerda rejeitam em bloco o sistema, ainda que a primeira com a vantagem de não precisar se comprometer com governo algum, enquanto a esquerda se racha em torno do apoio ao governo” |
2013 desaparece
Estranhamente, 2013 desaparece em 2014. O
maior movimento pós-democratização é violentamente recalcado nas
eleições e não entra em pauta. Depois da morte de Eduardo Campos, Marina Silva assume a candidatura e entra forte na disputa, ameaçando a vitória de Dilma
no segundo turno. O governismo então deflagra uma implacável operação
de linchamento, usando todas as formas de campanha suja contra a
candidata durante as eleições por meio dos seus braços midiáticos na
Internet. Marina passa a ser a representante dos bancos e do capitalismo internacional que iria restaurar o neoliberalismo de FHC contra o projeto petista.
A candidata passa a cometer diversos
erros estratégicos, além de contar com a antipatia do eleitorado
culturalmente liberal por ser evangélica, e a campanha funciona, gerando
ódio na militância vermelha contra a rival verde.
Nada de 2º turno verde contra vermelho, quem volta agora é a direita. O tucano Aécio Neves, que cogitara renunciar quando Marina estava forte e era o rival desejado pelo petismo, surpreende e larga o segundo turno muito próximo de Dilma. A eleição está por um fio e o petismo usa o trunfo residual contra os descontentes: a identidade vermelha. O apoio do "menos pior" salva Dilma por um triz e a elege para 2014.
Inflexão neodesenvolvimentista
Enquanto isso, o neodesenvolvimentismo
começa a fazer água. A inflação cresce e as contas públicas saem de
controle, os investimentos desaparecem e o mercado financeiro começa a
pressionar. Fica claro que quando a inflexão neodesenvolvimentista
começou a produzir efeitos, os empresários simplesmente passaram a reter
o capital e parar o investimento.
A "contabilidade criativa", apelido dado
à forma voluntarista com que Dilma geria a economia, retira a confiança
conquistada em 2003 e comemorada ao longo dos últimos anos. Ao mesmo
tempo, como acontecera em outras ocasiões, a classe média conservadora
sai às ruas para pedir a deposição da presidente e até intervenção
militar, enquanto grupos afinados com ideias liberais ortodoxas começam a
crescer e se organizar. A direita encorpa no início do segundo mandato.
Como resposta, Dilma encampa o "ajuste fiscal" e decepciona sua base - que a havia eleito justamente para evitar a medida. A recente decisão sobre o Pré-Sal
é o último capítulo desse movimento. Temos assim a última - e talvez
pior - crise de representação: direita e esquerda rejeitam em bloco o
sistema, ainda que a primeira com a vantagem de não precisar se
comprometer com governo algum, enquanto a esquerda se racha em torno do
apoio ao governo.
IHU On-Line - Como percebe os movimentos do jogo político agora em 2016, ano de eleições municipais e Olimpíadas?
Moysés Pinto Neto - Ainda é cedo para dizer. Vamos aguardar os próximos movimentos, com a Lava Jato, impeachment, passeatas nas ruas.
Por João Vitor Santos e Patricia Fachin
Fonte: IHU
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